“SUCO DE VINAGRE”
Erivelto
Reis
Às vezes a
vida nos oferece “suco de vinagre”. Se for falar de mim, estou cheio até a
tampa. Perdas, muitas perdas e tristeza que dói. Saudade que machuca e
paralisa. Sequência de trauma e sofrimento. A bebida ácida da lágrima expelida.
Quero de volta a minha boa vida. Quero de volta a vida de gente tão boa e amada
que partiu. Gente que partiu!!!
O luto não é
permanente, mas a perda não é temporária. Eu quero a minha carga diária de amor
e amizade constantes. O que tenho não me parece o bastante. Não apenas eu que
perdi, mas me perdi no espaço entre o atender do telefone e o prantear do
eterno nome. À beira de um leito emergente. Num belo horrível jardim de
saudade, num aparente deserto de amizades. Nunca chorei tanto e tão perto de
tudo que aconteceu de repente. Tão de repente.
Egoísmo? Inconformismo?
Falta de fé? Quero de volta as tardes de poesia, de sorrisos, de café e
biscoito de maisena à mesa. Quero a sua elegância, a sua gentileza. Não nego. Quero
cafuné no ego. Não ter que parecer e agir como se fosse cego aos descasos, aos desmandos.
Quero a mão amiga; poder tocar no ombro. Chega de tomar tombo, “toco”, tranco.
Por que o espanto? Não passei no vestibular pra ser santo. Não quero a idealização do poeta, queria sua
porta sendo aberta por anfitrião de sorriso largo, e coração tão puro e terno.
Queria que a vida continuasse assim.
Queria
alegria, amizade, aconchego. Não esse remédio amargo. Não esse suco azedo. Agora
tenho medo. Insônia. Vergonha de ser apontado na rua como alguém que perdeu um
amigo. Não choro a perda de um poeta a
quem admirava. Choro a perda de um amigo a quem amava. Outro dia, vi seu
monograma gravado num lenço. Seu álbum do tempo. O boi de madeira, no bolso da
camisa, a mecha de cabelo cortada mais dolorida... Lancei-me num mundo de
descontentamento, de desalento.
– “Ele fazia
suco de vinagre”... Um alguém me falou
certa tarde. E como me emocionou essa história. Que não era metáfora. Talvez
fosse esse o seu jeito de entender a liberdade, a democracia, a humanidade. Sua
vitória foi sempre prosseguir por amor à poesia, à família e à verdade.
Quando se luta,
quando se perde, quando se chora tanto. Bebe-se, gota a gota, de lembrança em
lembrança, sem escudo e sem guarida, a cada minuto, do “suco de vinagre”
pranto. Desse que ele provou de tonel, mas com que produzia o mel da poesia que
afasta a tristeza que parece perseguir a vida.