A MULHER QUE PEGA FOGO
Erivelto Reis
Paula
e Márcio vivem juntos. Paula é lógica. Márcio é louco. Márcio é mágico –
ilusionista, coitado! –, e Paula, que não é malabarista anda no sufoco. Se dão
bem quando tudo vai bem. Quando não, aí tem. Paula não bebe. Márcio parece que
bebe. Paula solta fogo pela venta e não esquece. Márcio é rebelde e não aprende
e nem obedece.
Acontece...
-
Márcio, tu vai aonde? E quando volta? Márcio, fecha a droga da porta! Não
acabei de falar.
-
Paula, eu volto já. Vou voltar, não tenha medo.
-
Aí é que eu tenho.
Márcio
anda no note, não nota que a coisa
anda meio torta. O azar raspando ao seu lado. Anda sisudo, casmurro, demorado.
Misterioso e calado.
Paula
parece preocupada. Vigiando. Enxerga coisas que Márcio não nota. Paula anda
cheia da nota. Paga tudo. Pecado, imposto e plano.
Márcio,
cuidado! Paula anda te sacando.
-
Tu quebrou o aparelho. Fora daqui, pentelho!
Márcio
saiu fugido de casa. Foragido. Banido. Passou o dia escondido. Pensativo. “A
gente só devia quebrar o que soubesse consertar. Aí acabava o azar...” Esperou chegar
a noite para poder voltar.
Paula
tinha boa memória e não corria do jogo. Soltava fumaça de talco quando calçava
tênis. Parecia uma mulher que pega fogo.
-
Boa noite, querido.
-
Boa noite, Paula.
-
Tudo bem?
-
Tudo bem, Paula.
-
Já jantou?
-
Já, Paula... Você não tá nervosa?
-
Não, Márcio.
-
Não vai brigar comigo?
-
Não, Márcio.
A
culpa deixa o sujeito monocórdio. A razão deixa a outros verborrágicos.
-
Toma um banho e vem deitar.
-
Camisola nova, Paula?
-
Sim. Pra você.
-
Paula, pra quê essa água fervendo? Vai fazer café?
-
Nada não, Márcio.
-
E essas facas de churrasco em cima da mesa?
-
Nada não, Márcio.
-
Paula, isso é veneno de rato?
-
É, Márcio...
-
Mas aqui não tem rato!
-
Certo.
-
Paula, desde quando você tem espingarda?
-
Não tinha, Márcio.
-
Arrumou quando?
-
Hoje. Comprei no crediário.
-
Vai fazer o quê com ela?
-
...
-
Paula, tem uma frigideira com óleo quente no fogão!!! Vai fritar quibe?
-
Coxinhas e ovos, talvez. – Disse ela,
escondendo um pedaço de corda embaixo do travesseiro.
Márcio
nunca mais cometeu erros. Pelo menos os mesmos erros.
Quem
disse que diálogos lacônicos não produzem mudanças?