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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

"Xeque-mate" - Poema de Erivelto Reis

XEQUE-MATE
Erivelto Reis

Quem manda aqui
É o bispo
Da torre
É um cavalo
Só quem não manda aqui é o pião

Quem manda aqui é
O conde
E o coiote
Quem se esconde é que manda
Enquanto soca o pilão


Quem manda aqui é o bicho,
É o bope, é o ibope
É o dono, o todo poderoso
É o mistério do troço
A malícia do traço e do troco
É fiscal, é o chefe
Só quem não manda é o povão.

É quem manda que mais se manda daqui
É quem mais manda que mais debocha daqui
É quem mais manda quem menos se acha aqui

Quem manda aqui não governa,
Quem manda aqui não enxerga, não escuta
Quem manda aqui é um bom

Quem manda aqui não põe a mão em cumbuca
Não põe a cara na urna
Já arrumou a arapuca
Te colocou em sinuca
Jogou sal na tua nuca

Quem manda aqui jamais deixou de mandar
Nunca.



quarta-feira, 24 de setembro de 2014

"Vou" - Poema de Erivelto Reis

Vou
Erivelto Reis
O pássaro abatido em pleno voo
Sente saudade da nuvem
Que é feita de chuva e traços de animais.
O pássaro cai...
O que dói não é a queda,
São os segundos que antecedem a tragédia.
Cercados de incrédula curiosidade,
Os outros apenas observam o tombo:
Jaz secreto alívio
Por não ser o alvo.
O amor desencontrado
Também declina,
A vida ensina:
Ninguém consegue estar a salvo.
Pouco depois,
Talvez haja chance de um novo voo.
Poucos reflexos,
Medo e um ruflar desajeitado
De dar pena.
O Amor há que sustente as asas,
Sinas de quem quer voar...
Amor é bicho, feito nuvem, de só existir no ar.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Crônica: "Dona Maria do Cafezinho" - Erivelto Reis

DONA MARIA DO CAFEZINHO
Erivelto Reis

                O caso é que dona Maria, que trabalhava servindo cafezinho num bar na esquina da Rua Campo Grande com a Lucília foi eleita presidenta da República.
                Começou assim: panfletou e fez boca de urna pra um candidato a vereador que, depois de eleito, não querendo tirar do seu bolso pra pagar a sua melhor correligionária, resolveu levá-la para servir café na Câmara dos incomuns, situada no Centro do... da Cidade.
Chegando lá, dona Maria fez amizades: não faltava, trabalhava e, de vez em quando, servia como guia nas visitas de estudantes, antropólogos e cientistas antropófagos. Ninguém melhor: conhecia as salas, os gabinetes, as passagens e os macetes: não os usava, mas sabia quem.
Deu-se que um oponente do candidato que levara dona Maria ao espaço, como símbolo de seu poder, apossou-se do passe da funcionária exemplar. Nada novo: na casa que deveria ser do povo, qualquer um que trabalhe (de fato), e não se esconda atrás de um mandato, é um funcionário exemplar. Dizem que não existem exceções, mas há.
                Recolocada na profissão, com aumento salarial, e apoiando um candidato que asfaltou metade da sua rua, dona Maria achava estranho que o asfalto só estivesse de um lado da calçada e não de outro. Engenheiros... Mais estranho era o esgoto não estar instalado, a escola não funcionar, a UPA não... O que se faz numa UPA, neguinho? Começando a andar, começando a andar. Sei lá.
                Candidato apoiado por dona Maria nunca perdeu uma eleição comprada. Dona Maria não sabia de nada, mas concordava que parte do seu novo salário fosse dividida com um candidato que dedicou parte de sua vida à desdemocracia. Vereador, deputado, governador, senador, ministro... e dona Maria lá, envolvida nisto. Já andava diferente: olhava nos olhos, comandava o gabinete, sempre sorridente. Continuava servindo cafezinho por fetiche. Só pro chefe, só pra elite.
Até que seu pé de coelho entrou na chapa, concorrendo à vice. Dona Maria quis ser diferente: entrou de suplente. Estava filiada. Era a suplente perfeita, pois ela, de fato, não sabia de nada. Não era uma pobre coitada. Tinha uma ética ilibada, uma moral inatacável, características perfeitas para o estrago, o escândalo que dali a pouco aconteceria, como tem sido historicamente comprovável.  
                CPI, crise, televisão denuncia. Cai o presidente, o vice renuncia. Olha aí, dona Maria, com a faixa de presidenta e miss simpatia...
                – Dona Maria? Dona Maria? Pode me servir um café?
                – Hum? Desculpe, doutor, si-me distraí.
                – Estava sonhando acordada, dona Maria?
                – Não, senhor doutor. É que eu tava emocionada com a musiquinha da sua campanha.
                – É isso, dona Maria. Se eu ganhar, eu prometo que vou pagar a outra metade da sua laje. Mas só se for de isopor, hein?!
                – À noite, no barraco metade laje, metade telha, dona Maria ainda sonhou com o discurso da posse. Acordou assustada, num acesso de tosse. Aí é dose!

                 

"Contas" - Poema de Erivelto Reis

Contas
Erivelto Reis

Que é noite
Na vida
Na rua sem saída
Que o tempo passou
E passa enquanto
Você
Pensa
Que é tarde pra pedir desculpas
Que é cedo pra pedir
Perdão
Que não dá pra rir disso agora
Que não vai dar pra recuperar o que foi
Esqueça
A vida é a soma de nós dois
Menos o mundo que havia antes
Dividida pela saudade que virá depois
Esqueça
Que andamos em círculos
Igual aos rebanhos e reses...

Mas só(s) às vezes!