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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Poema: "Passo!"


Passo!
Erivelto Reis

Sou do grupo das pessoas
Que, em silêncio, anseiam por socorro...
Desesperadas cerram as pálpebras:
Às quais as quase lágrimas e rugas
Dançam monocórdica valsa
No rosto lúgubre, palco
Da infame necessidade
De não dar um “ai”.
Sou assim, não reclame.
Sou do grupo das pessoas
Que andam tão sozinhas
Insones – ainda quando dormem!
Que em sonhos vão
A lugares onde nunca estiveram
Encontrar pessoas que já conheceram
Ou que nunca viram...
Que, mortas, caminham!
Que, vivas, sucumbem,
Que materializam luz e espírito
Na energia que propagam.
Sou esse tipo de pessoa:
Uma consciência rígida
Moldada na brasa, na lava
No fogo de todos os desejos
E de todos os medos que
A vida coloca no jogo.
Blefo passo perco...
Fecha-se o cerco.
A carta não vem, a conta não fecha,
Apaga-se a luz, o disjuntor desarma,
Arma-se a trégua...
De nada adianta, por mais que me doa,
Desenho-me à mingua...
Sou do grupo de pessoas
Que morrem com o grito preso na garganta
Com a palavra presa na ponta da língua.


sábado, 28 de abril de 2018

Poema: "Ginocrítica", de Erivelto Reis

Ginocrítica
Erivelto Reis

Essa mulher caminhando
Podia ser uma filha, uma esposa, uma irmã.
Podia ser uma mãe ou uma estrela, uma estranha,
Homens que desejassem sê-la ou tê-la, ou um homem se quisesse ser...
Podia ser uma professora, uma trabalhadora, uma amiga, uma líder...
Podia ser Iansã, cientista, artista, poeta, cantora,
Valorosa tradutora, compadecida dos sonhos e dos afãs.
Iemanjá, nossas senhoras, avós, tias e revolucionárias –
Resignada, há em si mesma, serenas jovens libertárias,
Musas, deusas, mulheres de Atenas,
Experientes, carentes, caretas, cansadas... –,
Queimando seus sutiãs, nas praças e nos romances,
E não os seus sonhos na espera, às portas das Universidades,
Onde as não querem os maus e vis.
Essa mulher caminhando podia ser e é de verdade
Namorada da felicidade, amada de coração.
Deveria ser e estar e ir aonde bem entendesse
Do jeito que lhe aprouvesse, devia ser sempre feliz.
Sem ter de dever a outrem, explicação.
Essa mulher caminhando, traz em si sua e nossa história:
Os sonhos primaveris de todas as moças gentis...
Marcas da solidão por velar pela volta de todos
Os seus guerreiros, cavalheiros e cavaleiros,
Por cuidar de seus martírios, enterrar seus corpos,
Ou a dor da memória de seus filhos desaparecidos:
No Araguaia, nas baias humanas do centro e das periferias das capitais...
No interior de Goiás ou nas terras de nunca mais.
A santa, a cunhã, a índia... Simplesmente ser mulher...
Essa mulher europeia, indígena,
Ameríndia, africana como a Terra toda.
Essa mulher caminhando
Podia ser o berço da sociedade,
A crente mais fervorosa e mais deliciosamente pagã.
Cheirosa como romã, ou tangerina pocã.
Luminosa como a alma intensa de uma radiosa manhã.
Essa mulher que para o senhor só existe pra servir,
Pra explorar, pra sorver e sem roupa.
É negra, é cabocla, é brasileira, universal, múltipla e plena.
Merece o seu silêncio, o seu respeito, uma flor ou um poema...
A pulseira de contas do infinito, do tempo, do orvalho e do sereno.
Merece um laço de fita, (é uma moça bonita!),
Não o ódio e o desejo que o senhor vomita.
Não é mistura de sua azeda marmita,
Não é dama cansada do seu castelo
De cartas marcadas.
Essa mulher não se maltrata, não se ameaça,
Nem com o olhar, a força física do corpo,
Ou a violência torpe da palavra.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Poema: Fado da Distância, de Erivelto Reis


Poema: Am(o) ar de Sophia - De Erivelto Reis

AM (O) AR DE SOPHIA
Erivelto Reis
À memória rediviva de Sophia de Mello Breyner Andresen
O bom poeta é como um dicionário da vida, 
inventada ou vivida. 
Seu texto é tudo e nada
na representação do sentimento
e da emoção
do mito da morte pressentida
e da alma renascida.
Olha o mundo eternamente
em estado de chegada e de partida.

domingo, 8 de abril de 2018

Poema: "Carta a meus filhos sobre a condenação de Lula", Erivelto Reis


CARTA A MEUS FILHOS SOBRE A CONDENAÇÃO DE LULA
Erivelto Reis

Sobre poema de Jorge de Sena

Para Oswaldo.


Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
O Brasil é um país em que tudo é possível:
Juízes sem moral cobrando a verdade
Sem se dar conta da boca de quem ela vem.
Inimigos do povo, amigos da elite que não os elege,
Mas que perseguem, para quem mentem, matam e de quem têm ódio.
Há aqui políticos que só pensam em si mesmos, em seus prazeres.
É improvável que não deem por isso,
Por todos os interesses já demonstrados,
Pelo ato de que condenam um inocente
No mesmo cenário em que absolvem os culpados
Associados que estão aos corruptos e canalhas
Que vos dirigem e que pagam por seus ternos,
Viagens e medalhas.
Meus filhos a horda avança tanto que lançou ao precipício o vosso futuro.
(...)
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
Vale mais do que a justiça quando esta se pratica com ética
E que verdadeiramente há os que se alegram com
A humilhação dos mais pobres e vão dormir em paz
Quando os mais fracos e oprimidos não têm o que comer,
Onde dormir, ou o fazem com medo de não haver amanhã.
A verve, a sanha com que manipulam o sistema para protegê-los,
Esbarrou desde sempre na perspectiva dos fingimentos que sustinham,
Das alianças que travaram e das ações que sempre levaram o povo
À morte que é de todos e virá.
Não desculpo o erro destes que tramaram
Porquanto tenham extrapolado todos os limites da sensatez,
Governam não tendo sido eleitos, roubam, ameaçam e
Tiram dos mais pobres até mesmo a ínfima partícula dos sonhos.

São raivosos, ardilosos e não permitem,
Nem mesmo parecem aceitar,
Que o povo renda homenagens aquele de quem escarnecem.
Vossa alegria de lutar e ter para si o espaço das ideias,
Da democracia e do estado de direito
Vossos recursos lhes são apurados ainda na fonte minguada,
Vossa força de trabalho é desvalorizada e, pergunte-se,
Não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
A redenção pelos crimes em sequência que cometem
Pela reunião entre o Vice, os militares, o supremo,
Num grande acordo nacional,
Para estancar a sangria que jorrou e continua a jorrar
Do ódio aos mais pobres e dos crimes que secreta
E explicitamente cometem contra os mais simples,
As crianças, as mulheres e os operários deste país.
Em memória do sangue que nos corre nas veias,
Haveremos de ensinar nas escolas, através dos livros de História,
Das histórias literárias, e do que mais resistir de pé...
As verdades cruas que existem, por detrás das mentiras caluniosas,
E das injúrias espúrias que inventaram e difundiram
Para condenar um só homem.
Um homem que representa os sonhos e ideais
De milhões de outros homens e mulheres.
Sossegai, ó, tiranos!
Sabei que o banquete das hienas não precisa de talheres.