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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

"Marcadores", poema de Erivelto Reis


Marcadores
Erivelto Reis

Se os marcadores de livros
que uso como ritual destino hábito ou improviso
pudessem – distraindo-se de sua real função
de postar-se às portas do futuro
guardando o passado (tola ambição do sábios) ─
marcar também o que sinto, o que sofro, o que choro,
ou rio, de janeiro a janeiro, enquanto leio,
e não tão somente as páginas, os capítulos,
que parcialmente abandono enquanto
descanso, durmo, como ou me procuro,
diante da grandiosidade ou da infâmia
do que eventualmente leio,
não seriam apenas marcadores...
Eu, traça humana,
jardineiro de palavras,
não me depararia com um
utensílio extensão do objeto definidor
de sua única função:
encontraria, certamente um espelho.
Se indicassem de que forma uma história ou um verso
Ou um poema inteiro me atingiram em cheio,
revelariam um novelo, um pote de mágoas,
um litro de passado, uma lágrima de olheiras,
um descongestionante creme de cânfora.
Marcadores de livros, presos ou perdidos entre as páginas,
Iriam me manter atado
ao fundo de meus sentimentos
como âncoras.
Únicas testemunhas do momento em que
os raios de sol derretem as geleiras.


"LaBiRinTiTe", poema de Erivelto Reis


LaBiRinTiTe
Erivelto Reis

Não trazer do passado, o não-vivenciado,
o sofrimento,
a dor geminada com a existência de outros seres
não deixar para amanhã os nossos prazeres,
afazeres
a sede da busca...
Não trazer e não dividir não é uma forma de não ter
não ser é apenas uma forma de tentar ser
não herdar memória
não possuir saudade
não angariar lembranças
não ter paciência pra divagações
verborragias e reminiscências:
aritmética da patética negação da dor.
É não ter o que lembrar
que atrasa o seu tempo de morrer?
que antecipa o seu tempo de morrer?
Agora é um ferro em brasa
Ontem é uma cicatriz
o futuro é uma tatuagem,
uma marca, uma ferida, um sinal...
Há muito tempo espero
alguém pra me livrar do que penso, do que sinto
(do que penso que sinto),
pra despejar essa inquietude acumulada
Você vai extirpar o tumor,
vai aliviar a pena,
vai escrever um post, dar um print?
Nem sempre é tão simples
diagnosticar remorso, estupor,
ganância, inveja, rinite, rancor
ou labirintite.


sábado, 15 de dezembro de 2018

Poema: "Receita", de Erivelto Reis


Receita
Erivelto Reis
Porque só a indiferença
apaga o fogo
da pele febril  carente por desejo
e por experiências
de lascívia e volúpia e luxúria,
ou por amor e ternura mesmo.
Uma receita tão nociva,
um doce amargo
cálice de veneno.
Febre mal curada
gente mal amada
abraço que se fecha no vazio
ah, desperdício!
ah, precipício!
A queda é livre
o muro é alto
a boca é seca
e o coração também vai
sucumbindo aos poucos.
Ao chegar a hora de colher o amor semeado,
vê-se o fruto, o alimento
sem sabor, sem néctar.
E ainda ter de chamar de amor?!
Não se ensina a amar
desamando pra mostrar
o bastidor do sentimento,
o de fora, não distante,
que se crê no centro.
A indiferença cessa a febre,
E incendeia o coração com gelo e neve.

Poema: "Cace-a", de Erivelto Reis


Cace-a
Erivelto Reis

Se houver uma razão
pra você ser feliz,
Não importa o quão longe
ela esteja...
Cace-a.
Cace-a, por suas Palavras,
Cace-a só por sua Malandragem...
Se houver uma razão que seja
pra você ser feliz,
Cace-a.
Não há nada fácil,
Nunca foi e nem será fácil.
Sem arte ou religião
Talvez você herde
Uma saudade sem consolação.

Penso que a maior parte dos poemas malditos,
Subversivos,
sejam pela morte inspirados,
sejam pela morte escritos,
se ela escrevesse a vida
se ela entendesse a vida
e seus ritos.

Se houver uma mínima razão que seja
pra você ser feliz,
Cace-a,
Seja.
Antes que a morte veja.
Cace-a...

Poema: "A vida é isso", de Erivelto Reis


A VIDA É ISSO
Erivelto Reis

A vida é isso:
metade do tempo não saber o motivo
por detrás das coisas,
a outra metade, não entender
o motivo por detrás das coisas...
o resto é vício.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Poema: "Adivinho", de Erivelto Reis


Adivinho
Erivelto Reis

E sobre tua cabeça
brotem lírios,
os fios de teus cachos
ondulam, modulam
meu jeito de olhar pro teu rosto.
Ao fim de um dia,
os rios que partem de teus olhos
indicam a raiz de teus desgostos.
Decorem-se os nomes de teus filhos:
coroa de rei ou de rainha
desde o ventre...
e o vento água-marinha.
“Partir” nem é mais verbo,
é uma necessidade.
Adivinha em que cidade
irei aportar sozinho?
Talvez em nenhuma parte,
talvez pare no meio do caminho,
distante de qualquer destino.
Talvez eu morra menino:
Espectro permanecido.
E sobre tua cabeça
brotem lírios,
tiaras,
as rugas na tua cara,
os vincos de tuas vestes,
as areias de tuas praias
meus pés jamais
hão de tocar.
Desejo é tudo o que me doma,
do mar é tudo que não posso,
poder é tudo que não tenho,
morrer é só o que não quero.
Para vir de onde eu vim é distante.
Estar preso em mim, ainda mais!
O mero existir que me cansa,
desistir, minha única vaidade.
As aves mergulham e emergem,
os peixes alçam voo e voltam...
Humano, quisera de tudo um pouco,
fizera de tudo um nada.
De tua cabeça brotam lírios,
de tua boca, nenhuma palavra.
Adivinha em que cidade
irei aportar vazio?


segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Poema: "Antiepígrafe emprestada de Neide Archanjo"


Antiepígrafe emprestada de Neide Archanjo

Erivelto Reis

É que não se desfaz
Um pacto depois
Que o acatamos
Principalmente
Se o propomos.
Leio o tempo
Viúvo de paz
Desde o seu casamento
Com a vida.
É vida
Alguém duvida
É dádiva, é obvio.
Nenhuma casa
É segura o bastante
Pra não se habitar.
É o mar bramindo
É um vendaval
Experiência, sarau
Mosaico, vitral
Um último vídeo viral.
Um último arroubo passional
Último verão
Da praia vê-se o horizonte:
A maré alta
A afogar o ontem.