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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Poema: "México", de Erivelto Reis


México
Erivelto Reis

É o muro pro México,
É o muro entre os trabalhadores e suas aposentadorias,
É a prisão sem provas,
A justiça com prepotência,
A truculência da omissão e da violência...
São os que querem mandar em professores, sendo professores, sem dialogar com eles e elas e valorizar seu trabalho,
Os que nunca foram professores e acham que sabem tudo...
São os alunos, futuros professores e trabalhadores, respeitando a educação da boca pra fora,
As promessas que não se cumprem,
E os juros que pago ao banco, sobre aquilo que não recebo.
É o preconceito, é a intolerância
Que os bons sofrem em sua errância...
São pesquisadores sem disciplina, respeito por outros pesquisadores, e sem condições de fazer o seu próprio trabalho,
São ícones abandonando sua própria biografia por conveniências,
São leitores que não leem,
É o subterfúgio e a semântica contra o trabalhador,
Sou eu, como um velho do restelo, desde novo, reclamando da vã cobiça dos que anseiam pela hora de mandar,
São os salários não pagos,
A superlotação das turmas, a falta de condições de trabalho,
O medo do desemprego e de nunca receber,
É o ego inflado das aparências.
A intransigência dos patrões,
A desculpa dos governos,
Os jeitinhos que marginalizam a ética
É o muro pro México,
Todos os problemas de novo,
Todo dia um problema novo,
E a falta de nexo.


sábado, 16 de fevereiro de 2019

Poema: "Cofre", de Erivelto Reis


Cofre
Erivelto Reis

Não me sento à vossa mesa,
não como de vossa comida,
não bebo de vossos licores,
não celebro vossa infâmia.
Fico longe.
Fico quieto.
Sei o horror que escondes.
Escapa de vossos lábios,
brota de vossas atitudes,
o mapa de vossas maldades.
Não me convides pra plateia,
não me peça pra aplaudir,
respeite a minha inteligência,
resguardes vossa dignidade.
O que fazes não tem sentido:
não tens a necessidade,
não tem a eficácia,
não tens o direito de fazer.
mas fazes, trator humano de insultos...
Não és inócuo, não és ingênuo,
ages com clara intenção.
daqui observo vosso salto
daqui observo vossas garras
abismo e vento em contrário
e usas asas que pertenceram a outros.
Pule mesmo, pule alto
(Pretendes planar sobre as águas)
vosso voo é um voo cego,
vosso voo é um voo de galo
E pensas que é voo de águia.
Não me sento à vossa mesa
Não bebo do cálice de teus licores
Não vos falta horizonte
O que vos falta são valores.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Poema: "Floriópolis", de Erivelto Reis

Floriópolis 

Erivelto Reis 

Não é fácil chegar a Floriópolis.
Não é fácil ir embora de Floriópolis.
Só os bons, os justos, os amigos
E as pessoas que sonham alto podem lá chegar.
Floriópolis existe no Piauí, por aqui,
Como metáfora
Para designar onde quer que uma pessoa amiga
Resolva nos recordar.
Se eu conheço um lugar assim,
Nunca mais na minha vida
Eu saía de lá...
Quantos desafios, quantas vitórias.
Em que outras épocas Floriópolis floresce?
Floriópolis pode ser qualquer lugar
Onde gente boa já foi feliz.
Onde gente querida habita...
Onde gente de bem, gente amiga,
Daquelas que a gente não esquece,
Quanto mais fica feliz, ainda mais merece...

"4.3", poema de Erivelto Reis


4. 3
Erivelto Reis

Cheguei a uma idade
que mais parece o número de
um capítulo de uma tese
sobre absolutamente ninguém.
A não ser que queiram tratar
de como é difícil ir perdendo
as pessoas pelo caminho
enquanto vai ficando mais
difícil manter alguém do seu lado.
Idiossincrasias,  cada dia uma nova,
e as velhas, cada vez menos levadas a sério.
Estou mais longe do dia em que nasci
do que do dia que haverei de estar no cemitério.
4.3
É a idade que dizem que tem o tal
do Erivelto Reis
Só os ingênuos acreditam nessa idade!
Na verdade, ele já nasceu velho.
Repete as mesmas três palavras
em todos os seu poemas,
tem insônia, herança cardíaca
duplicada de problemas...
Não há para onde fugir,
é o que a sua biografia nos sugere!
Vai ver ele já fugiu:
está escondido nas palavras
que escreve.





sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Poema: "Fu-turismo", de Erivelto Reis

Fu-turismo
Erivelto Reis

Porque nem todos os caminhos levam à Roma...
Eis a viagem. 
O itinerário é longo. 
São vários pontos de parada.
Vários lugares para visitar. 
É preciso estar in loco. 
Sentir a textura dos caminhos 
Sob os pés e aprender a perceber 
As nuances do céu 
E seus matizes sobre nossas cabeças. 
É preciso caminhar, 
Matar a sede e perceber 
A sede aumentar e se transformar. 
Pacote comprado. 
De repente, dizem: 
"Basta apenas que ouças as histórias"
No máximo, tu verás um mapa.
Tu querias viver, 
Experimentar para decidir.
Restam as histórias contadas por quem 
Nem ao menos passou por lá; 
Ou se passou, 
Passou por atalho que levou a lugar nenhum. 
À beira de nenhuma estrada.

Poema: "Fio", de Erivelto Reis


Fio
Erivelto Reis
Brasil, um país que todo dia
amanhece banhado em lágrimas. 

Elas provêm do espanto ante a tragédia 
e o sofrimento de nossos irmãos; 
do inesperado do desastre da fatalidade; 
do horror do ódio dos poderosos: 
aos mais fracos, aos mais pobres, 
aos mais velhos e aos que ainda lutam 
e não se corrompem; 
provêm da desvalorização:
da vida, dos professores, das mulheres,
seus corpos, suas almas e seus direitos...
provêm da tristeza 
pela desfaçatez das forças ocultas 
do poder econômico, 
que açulam o cinismo 
e a degeneração administrativa 
de muitos que governam este país;
provêm pela descrédito que temos
pelos que legislam, indisfarçavelmente, contra o povo 
e dos que julgam com brandura e leveza, 
absolvendo seus compadrios, 
e com celeridade e fúria, 
quase em desapreço 
pela legalidade e seus princípios fundamentais, 
àqueles que possam representar 
uma esperança sequer de oposição 
aos desmandos de becas e togas e colarinhos. 
Não sei como vocês se sentem. 
Mas a impressão que eu tenho 
é de que já de há muito no Brasil, 
todo dia é um amanhecer em lágrimas.
Um vale de lágrimas.
Quando não é a Vale é um Vélez
Quando não é um rico, é um reles...
Quanto desvelo em calar-nos!
quantos canalhas nos altos postos!
Todo dia assim... dor, estupor e choro.
E até quando?!
O meu país é uma pátria que anoitece 
e amanhece chorando.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Poema: "Bibelôs", de Erivelto Reis


Bibelôs
Erivelto Reis

Tenho uma cristaleira cheia,
repleta de bibelôs quebrados
isso mesmo: bibelôs.
relíquias de momentos memoráveis,
relicários devotados aos santos e santas
aos quais rezei em prece fervorosa
de amizade e admiração
santos aos quais nenhum favor neguei
e que nenhum milagre me ofertaram
santos que me amaldiçoaram
mártires do próprio ego
bibelôs quebrados,
raríssimas antiguidades,
cristais com pequenas fendas
com pequenas trincas
palavras puras em lexicografia
e horrendamente obscenas
em ardis intenções
aí os conservo,
sei a expressão que tinham
quando intactos
e congelo a memória da expressão
dissimulada dos primeiros indícios
de que se partiriam em mil pedaços
de que tentariam me cortar com seus estilhaços
─ e não é que de fato alguns me estraçalharam?! ─,
kamikazes de amizade
simuladores de lealdade
morem na minha cristaleira,
prisão de memória e espelho,
morem apenas lá, covardes
guardo todos,
convencido de evitar que seus cacos
se espalhem por toda parte
bibelôs quebrados:
ilusão de quem coleciona desastres.

Poema: "da paixão", de Erivelto Reis


da paixão
Erivelto Reis

na primeira estação estavam os cães raivosos
na segunda, os atiradores de pedras
na terceira, os que proferiam calúnias
na quarta, os que se divertiam com a dor do outro
na quinta, os que conspiravam a história que os absolveria
na sexta, os ferreiros que forjaram a lança da inveja
na sétima, os invejosos que espetaram a lança
na oitava, as mulheres que sofriam a opressão por só querer o bem
na nona, os velhos e a fadiga de seus olhos por reconhecer o mal
na décima, os homens íntegros que sabiam que em breve seria a sua hora
na décima primeira, a horda de traidores
na décima segunda, os hereges e beatos cada qual se fingindo do outro
na décima terceira, cada um que fez alguma coisa para não fazer nada
na décima quarta, os lamentadores, os carrascos e os que viram os sonhos ruírem
convulsão de vozes, estertor de alma:
uns pensam e se calam:
“meu deus, sacrificaram mais um inocente!”
outros não pensam e se ufanam:
─ que bom, matamos mais um inocente!