LIGANDO PRO BOZO: OU QUANDO A
VIDA DESFAZ O SONHO
Erivelto
Reis
Falando de
sonhos. Depois acordo.
Outro dia, alguém
me contou que ligava pro Bozo. Na hora, achei que era brincadeira. Ligar para o
programa do palhaço Bozo lá nos idos da década de 80. Daí, perguntei quem
incentivava a ligação e me surpreendi com a resposta: “eu ligava escondido da
minha avó!”.
Há nessa
afirmação e nessa história qualquer coisa de inquietante e de dramática. Menos
de pitoresco e frugal que é do que se alimentam os que, como eu, vivem de
tentar viver reunindo na arte o que na vida está fragmentado em toda parte.
Que sonho faria
com que você rompesse as barreiras do que se convencionou chamar de convencional?
Sei que a fé é o sonho real do dogma e do espiritual. Que a arte é a
materialização do devaneio da alma em evolução. É a história contada de um
jeito que, se vivida, teria outra repercussão. Independente de limite do tempo
e do espaço que nos abriga ou nos quais nos desempenhamos, lutamos por realizar
coisas que nos proporcionem um bem estar moral, espiritual, intelectual e
material.
Mais ainda:
outras pessoas gostaram do tema: “Eu me lembro até hoje do número do telefone
do programa!”; “Eu não ligava porque não tinha telefone! Na minha casa éramos
pobres!”; “Eu queria viajar com a Turma do Balão Mágico”; “Eu queria andar na
nave da Xuxa!”; “Eu queria conhecer o Daniel Azulay”; “Eu era fã do Garibaldo
da Vila Sésamo!”; “Como assim, não assistiam a TV Colosso?!”; “Não tínhamos
televisão e o vizinho não deixava a gente assistir televisão junto com os
filhos dele”...
A quantidade de
sonhos simbolizados na aproximação entre ser fã de alguém ou de um quadro ou
programa de televisão e o que as pessoas são capazes de construir a partir da
concretização ou da escolha de novos sonhos, que surgiu a partir de um simples
comentário, foi impressionante. Gente amada é gente que inventa sonhos. Que constrói,
que luta, que batalha e que ama de volta. Gente que não sabe amar sempre tem
espaço pra aprender. Que criança foi o adulto que hoje decide, trabalha, sofre
e sente saudade sem perceber?...
Você se lembra da criança que você foi?
O poeta, sábio e amado, grande defensor da infância
e da poesia, Primitivo Paes, afirmava o seguinte: “a gente é mais filho da criança que foi, do que do nosso próprio pai.”,
e me encontro, de vez em quando, querendo fazer o bem, agradar a criança que
fui: investindo em novas amizades, pequenos mimos, me compensando com
presentinhos por ficar ausente de mim; me acordando, quando chego tarde e
trabalho muito, para, pelo menos, tentar ver a minha face (não o meu Face),
serena... Escolhendo brinquedos caros que, não raro, me dão problema.
Não sei que
centelha de criatividade, que desejo de superação, que combustível faz andar
seus sonhos. Mas gostaria que eles não parassem de andar. Que eles se
realizassem e que, em não se realizando, que outros tão importantes quanto,
pudessem se concretizar. E para isso é necessário não precisar esforços. Não
abandonemos a força de sonhar da infância, para não sermos, sem sabermos, nós
mesmos, apenas um baú de ossos.
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