DONA MARIA DO
CAFEZINHO
Erivelto Reis
O
caso é que dona Maria, que trabalhava servindo cafezinho num bar na esquina da
Rua Campo Grande com a Lucília foi eleita presidenta da República.
Começou
assim: panfletou e fez boca de urna pra um candidato a vereador que, depois de
eleito, não querendo tirar do seu bolso pra pagar a sua melhor correligionária,
resolveu levá-la para servir café na Câmara dos incomuns, situada no Centro
do... da Cidade.
Chegando lá, dona Maria fez
amizades: não faltava, trabalhava e, de vez em quando, servia como guia nas
visitas de estudantes, antropólogos e cientistas antropófagos. Ninguém melhor:
conhecia as salas, os gabinetes, as passagens e os macetes: não os usava, mas
sabia quem.
Deu-se que um oponente do
candidato que levara dona Maria ao espaço, como símbolo de seu poder,
apossou-se do passe da funcionária exemplar. Nada novo: na casa que deveria ser
do povo, qualquer um que trabalhe (de fato), e não se esconda atrás de um
mandato, é um funcionário exemplar. Dizem que não existem exceções, mas há.
Recolocada
na profissão, com aumento salarial, e apoiando um candidato que asfaltou metade
da sua rua, dona Maria achava estranho que o asfalto só estivesse de um lado da
calçada e não de outro. Engenheiros... Mais estranho era o esgoto não estar
instalado, a escola não funcionar, a UPA não... O que se faz numa UPA,
neguinho? Começando a andar, começando a andar. Sei lá.
Candidato
apoiado por dona Maria nunca perdeu uma eleição comprada. Dona Maria não sabia
de nada, mas concordava que parte do seu novo salário fosse dividida com um
candidato que dedicou parte de sua vida à desdemocracia. Vereador, deputado,
governador, senador, ministro... e dona Maria lá, envolvida nisto. Já andava
diferente: olhava nos olhos, comandava o gabinete, sempre sorridente.
Continuava servindo cafezinho por fetiche. Só pro chefe, só pra elite.
Até que seu pé de coelho entrou na
chapa, concorrendo à vice. Dona Maria quis ser diferente: entrou de suplente. Estava
filiada. Era a suplente perfeita, pois ela, de fato, não sabia de nada. Não era
uma pobre coitada. Tinha uma ética ilibada, uma moral inatacável,
características perfeitas para o estrago, o escândalo que dali a pouco
aconteceria, como tem sido historicamente comprovável.
CPI,
crise, televisão denuncia. Cai o presidente, o vice renuncia. Olha aí, dona
Maria, com a faixa de presidenta e miss simpatia...
–
Dona Maria? Dona Maria? Pode me servir um café?
–
Hum? Desculpe, doutor, si-me distraí.
–
Estava sonhando acordada, dona Maria?
–
Não, senhor doutor. É que eu tava emocionada com a musiquinha da sua campanha.
–
É isso, dona Maria. Se eu ganhar, eu prometo que vou pagar a outra metade da
sua laje. Mas só se for de isopor, hein?!
– À noite, no barraco metade
laje, metade telha, dona Maria ainda sonhou com o discurso da posse. Acordou
assustada, num acesso de tosse. Aí é dose!
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