Aldeia
Erivelto Reis
Passei por um lugarejo e perguntei ao acaso:
“Onde estão os velhos dessa aldeia? ”
Apontaram com descaso.
Os velhos estavam cerceados, encolhidos
Silenciados, acossados...
Em estado de sinusite.
Uma aldeia em que os velhos
Foram abandonados, empalhados
Ou colocados como estátuas de barro
Pneumonia e catarro
Não tem lugar pro futuro.
Somente folhinhas de calendário...
Passei por um vilarejo e perguntei ao acaso:
“Onde estão os velhos dessa aldeia? ”
Alguém apontou pra uma casa,
Alguém apontou pra uma praça,
Alguém apontou pra um asilo,
Apontaram também pra um cemitério...
Ninguém apontou pra si.
Ninguém vê o velho em si.
Talvez nem mesmo o velho.
Moravam na rua torta, numa palhoça,
No mausoléu, no botequim,
Numa igreja, num coreto.
Alguns enfeitavam cabeceiras,
Outros decoravam molduras,
Fiscalizavam guarda-chuvas,
Tentavam proteger os netos...
Recreativos, figurativos,
Não importava que tivessem construído aquele teto.
Erguer, sustentar e construir tem sentidos diferentes
Quando o agente é um velho...
Não era oficial, mas havia nesse local
A morte em vida sem sepultamento.
E só os velhos pensavam nisso com desalento.
Era tal como um código familiar,
Um paradigma comunitário de que a experiência devesse se
calar.
Como é possível amar tanto um pet e não um velho dentro
do seu próprio lar?
Existem velhos maus, alegaram em defesa da barbárie
circunstancial...
Existem velhos sem razão!
Repetiam como um mantra habeascorpuslaboral.
Silenciosa atrocidade
É o princípio da ruína de uma sociedade
O descaso com que se tratam os velhos.
As migalhas que destinam aos velhos,
Como se após envelhecerem, todos, Gregors Samsas,
Miticamente se metamorfoseassem em pombos.
Kafikaescos, kafiquianos patéticos!
Atlas sustentando um mundo de escombros.
Fique longe dessa ideia
Fique longe dessa aldeia!
Ninguém pode corromper a Cronos.
Ninguém pode se esconder de Cronos.
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