12 anos sem o Poeta Primitivo Paes, meu amigo inesquecível
Erivelto Reis
Publico, respeitosamente, um poema bem representativo da temática e do
estilo do grande poeta, ator e declamador. "Carro de Boi".
Primitivo começou a escrever poesia em 1986, aos 58 anos, depois de uma
vida de trabalho e luta em favor da democracia em nosso país. Foi sempre ético,
justo, inteligente, dinâmico, trabalhador e talentoso. E dedicou-se à arte, à
educação desde então e até seu último dia de vida.
Valorizava os professores, o respeito à infância e à adolescência. Amava
e era amado por sua família, amigos, vizinhos, companheiros de jornada. Era um
homem gentil, generoso, dono de um talento como poeta popular, de uma memória
prodigiosa, de uma voz potente, de um timbre maravilhoso e era muito
carismático e amável com todas as pessoas, especialmente os mais pobres, os
artistas e os professores e estudantes. Teve mais de 1000 apresentações
gratuitas em todo o estado do Rio de Janeiro, em escolas, teatros,
universidades.
Seu nome foi dado a uma sala e a um núcleo de pesquisas em uma faculdade
na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em reconhecimento ao seu trabalho. Publicou
livros, audiolivros, poemas em antologias e jornais da zona oeste, recebeu
inúmeras homenagens, prêmios, exposições fotográficas e o reconhecimento do
público e da classe artística como uma referência cultural.
Sua trajetória foi objeto de pesquisas acadêmicas e artigos em
faculdades e universidades. Recebeu inúmeras homenagens póstumas e ainda seu
legado como poeta faz parte da memória daqueles que tiveram a oportunidade de
assisti-lo e de partilhar de sua amizade.
Em vida, fez questão de prestigiar desde os grandes autores da poesia
brasileira e do teatro, até os escritores e poetas com os quais conviveu, com
especial atenção aos estudantes que começavam a escrever seus primeiros versos.
Dizia sempre que o professor que é poeta ou que leva a poesia para a sala de
aula é professor duas vezes. Primitivo Paes memorizava e apresentava os poemas
como uma performance dramática e teatral.
Como forma de reconhecer o trabalho de seus colegas, memorizava seus
textos ou escrevia poemas em sua homenagem e os apresentava com reverência em
saraus e em eventos públicos.
Percorreu o estado e a cidade do Rio de Janeiro de ponta a ponta e se
apresentou como atração nos principais grupos de poesia no estado. Em alguns lugares, como Campo Grande e Pedra
de Guaratiba, participou ativamente como membro atuante desses coletivos,
eventos e grupos de artistas.
O poeta faleceu no início do ano de 2013, a 19 de janeiro. Estava
prestes a completar 85 anos em 28 de maio.
Poemas como O Rio de Janeiro, As Cartas, Criança Perdida, Terceiro
Sorriso, O Mendigo, Liberdade, Fazenda Santa Amélia, Menino Grande, São Paulo,
Minha Infância, Escuta Pai, Segredo, Carro de boi, entre outros, fazem parte
com grande destaque da obra naïf e popular do autor.
O primeiro carro de boi foi construído por Primitivo Paes, com suas
próprias mãos, utilizando-se de parafusos e máquina de solda, na garagem de
ônibus da Viação Cometa, em São Paulo, entre os anos de 1968 e 1970. Era uma
evocação da sua infância e da vida camponesa (que culminaria com sua entrada na
vida política na metade da década de 1950), no interior de São Paulo.
Nessa época, o poeta já estava com seus direitos políticos cassados há
quatro anos e sua prisão e captura estavam decretadas após o terrível AI-5. A
prisão, através de agentes da OBAN, em São Paulo, viria a ocorrer algum tempo
depois. Primitivo foi preso sem haver cometido qualquer ato ilícito, torturado
e interrogado. Eram tempos sombrios de horror para os brasileiros e para o
operário/sindicalista/futuro poeta e sua família.
Em 2003, ao se preparar para lançar seu primeiro livro, o poeta se
recordaria desse momento e tornaria a evocá-lo ao convidar o artista e
ilustrador Fernando Teixeira para produzir a capa de seu livro a ser lançado em
maio de 2004, destacando lindamente o carro de boi e a vida bucólica e
idealizada do sertão. O poeta Nilton Silva, sensibilizado pelo poema, proporia
junto a um grupo de poetas (que prontamente concordaram e se organizaram) a
ideia de homenagearem a Primitivo colocando um carro de boi de verdade, repleto
de rosas vermelhas, no palco do auditório onde ocorreria o sarau de lançamento
na noite de autógrafos que contou com poetas, artistas plásticos, amigos,
vizinhos e, naturalmente, os familiares de Primitivo. Alguns anos depois, o
cantor e compositor Toninho de Lita também perceberia a força desse poema e musicaria
o texto para gravá-lo.
Cabe enfatizar que muita gente muito querida e talentosa fez parte da
trajetória e teve relações de amizade com o poeta. Mesmo sem nomear a todos e
todas aqui por uma questão de espaço, eles e elas foram muito importantes para
o poeta.
Em 2010, na faculdade de Letras da UFRJ, o poeta foi recebido com grande
reverência e entusiasmo pela professora Dra. Cinda Gonda, em um evento
relacionando Literatura e História no período da ditadura no Brasil, realizado
no Auditório E da faculdade.
Há muito mais a se dizer. Um rosário de memórias, saudades e
ensinamentos sem fim, que o poeta Primitivo Paes semeou na vida de muitas
pessoas.
Primitivo e Eu nos conhecemos no teatro, no final dos anos 1990. Foi o
primeiro poeta que conheci pessoalmente. Ficamos amigos e ele foi como um pai para
mim. Um grande e sincero e leal amigo pelo qual eu e minha família sempre
teremos muita gratidão. E do qual eu sinto muita falta.
Aos amigos, admiradores, leitores, indistintamente, e especialmente aos
familiares do poeta, apresento renovados votos de apreço, solidariedade e
respeito nesse momento de celebrar os feitos, a memória e o talento do grande
poeta, do grande brasileiro Primitivo Paes, decorridos 12 anos de seu
falecimento.
Para ilustrar o poema que escolhi reproduzo a capa do livro e uma
representação do que teria sido a primeira pequena escultura feita por
Primitivo Paes com chapas de metal e parafusos, numa oficina da viação Cometa,
durante os anos de chumbo.
CARRO DE BOI
PRIMITIVO PAES
Quando amanhece o dia lá na roça,
Vai surgindo no céu, lindo clarão.
Lá vem o carro de boi descendo a
serra,
E o carreiro cantando uma canção.
Uma saudade enorme, a dor no peito
De um amor distante que se foi,
A canção de nostalgia é do carreiro,
Mas o lamento é seu, carro de boi!...
E quando penso nas coisas lá da roça,
Meu pensamento voa assim, à-toa,
Relembro de você, carro de boi,
Gemendo, descendo a serra, que coisa
boa!
E sinto dentro de mim uma emoção,
Uma saudade, assim como se diz.
Estou envelhecendo, carro de boi,
Mas se eu ouvir sua canção, serei
feliz!
Seu canto me faz lembrar da cachoeira
Caindo lenta, formando um rio de
prata,
Dos passarinhos cantando nos galhos
verdes,
Do cricri dos grilos em serenata...
Hoje em dia, só me resta uma
lembrança:
Da minha infância e das coisas lá da
roça.
Vejo você abandonado no terreiro,
E eu te olhando no recanto da
palhoça!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário