Enlutados
Erivelto Reis
O sistema é todo feito para nos adoecer
Cooptam nossos colegas,
De se retirar do insalubre
E desgastante espaço da arena
Que se tornou a sala de aula.
Daí, lutamos contra a demagogia,
Lutamos as guerras que nossos
Melhores alunos e alunas travam...
Lutamos contra a cooptação
De seus corações e mentes
Impulsionada pela proposital
Desvalorização da disciplina para o estudo
Em favor da mediana conformação.
Lutamos contra as telas, contra as corporações
Que, em conluio com a administração da educação,
Metem o pé na porta
E nos veem e nos vendem
Como improdutivos colaboradores
Que sua bondosa condescendência* (acento irônico)
Poderá aproveitar de alguma forma...
Na escola que é do povo, na escola que deveria ser nossa.
Lutamos contra o assédio moral,
A superlotação, a falta de recursos,
A mediocridade da gestão local
Acomodada ou emulada...
Lutamos contra aqueles
Que transferem responsabilidades suas
Para os profissionais da escola...
Lutamos ainda mais porque sabemos
Que em algum lugar
Poderá haver gestores vibrantes,
Parceiros e preparados
Para fazer a diferença
E colegas a fim de topar o desafio...
Lutamos mais ainda por
Nos sentirmos sozinhos,
Feridos todo dia um pouquinho.
Lutamos contra as violências simbólicas,
As ameaças no mundo fora da escola...
Lutamos pra fechar o mês,
Equilibrando os pratos e dividindo o nosso tempo
Entre todas as escolas e turmas possíveis.
Adoecemos de medo dos alunos não-estudantes
Que tentam nos intimidar a todo momento...
Adoecemos de saudade dos que amamos
De não ter tempo pra pensar neles
De não ter tempo pra pensar em nós...
Lutamos contra a avalanche de burocracia,
Contra a puxada de tapete sórdida e inescrupulosa...
Lutamos contra a judicialização, demonização
De qualquer ação pedagógica
E contra a glorificação do óbvio
E a didática da preguiça.
Lutamos tanto, que até quando estamos felizes
Estamos preocupados
E quando estamos tristes
Damos o nome de domingo à noite.
Ou de semana inteira...
Lutamos e vamos nos calando
É ao nosso velório que assistimos
Diante das lutas que travamos.
Lutamos contra a ingratidão,
Lutamos contra a falta de ética,
Lutamos de coração partido
Quando reconhecemos
Resquícios de um amigo
Na imagem do novo opressor...
Quando percebemos
A hipocrisia gritante de cobrar de nós
O que nunca fez
Ou não seria capaz de fazer,
Ainda que apoiado como não somos,
Munido de uma cadeira, um cargo
E um livro de ponto...
Lutamos contra os analógicos
Que mal organizam murais...
Ou mal formulam frases!
Ou que vomitam frases-feitas,
Oriundas de almanaques ou de tik-toks
E exigem de nós aulas mais atrativas.
Daquelas que nem com toda condescendência
Seriam capazes de produzir.
Lutamos contra pessoas que pararam de estudar
No dia exato em que passaram num concurso...
Lutamos contra os que se encastelam
Nas salas da direção
E de lá pensam que a escola
Faz parte de seus domínios
E por ela andam fantasiados de patrão.
Lutamos contra os compadrios,
Lutamos contra o isolamento
A que nos relegam se pedimos
Que reflitam, que repensem,
Que revertam decisões arbitrárias
E antidemocráticas e antipedagógicas...
Lutamos contra seres e forças que de fora da escola
Movem os fios invisíveis da performance
De seus títeres.
Lutamos o tempo todo.
Lutamos contra a maldade
Dos colegas que nos veem lutando
E secreta ou abertamente
Dizem: “lá vai o doido!”
Lutamos contra o jogo duro,
Lutamos contra o corpo mole,
Lutamos contra a falta de acolhimento,
Lutamos contra os que tornam
O nosso ambiente de trabalho
Tóxico e nocivo
E ainda têm coragem de cobrar a nossa empatia...
Lutamos porque não existe milagre!
Mesmo que os institutos e editoras
E empresas privadas prometam realizá-lo
E ganhem para isso rios do nosso dinheiro...
Nossa luta é pacífica,
Mas não é menos luta
Ou menos dramática por causa disso...
De tanto lutar, estamos exaustos,
Exauridos, enlutados...
Tão feridos, empobrecidos
E cansados, que dentre as coisas
Que queremos e não nos dão
E que não temos
Está mesmo um “muito obrigado”.
Percebem o tamanho do abismo?
Percebem agora
O tamanho do estrago?

Nenhum comentário:
Postar um comentário