DEUS RI
Elisa Lucinda
A lista de mortos da gente vai aumentando com o tempo.
Quando eu era pequena não tinha noção desse morre, nasce…
Mesmo porque ninguém meu morria.
Tudo tinha um quê tão definido de eternidade,
tudo durava tanto e a vida não faltava.
A vida era pontual como os quintais e as goiabeiras ali.
Todo dia ali, existindo.
Eu não tinha a mínima noção desse vai e vem,
desse revezamento, desse rodízio da humanidade:
quem vai pro saque, quem sai do jogo, quem é escalado,
quem vai pra reserva.
Nada disso havia na minha menina. Agora não.
Agora morreu Tião Sá, o filho do Joelson, a mãe da Márgara,
Chiquinho Brandão, minha mãe, Bukowski, Cazuza, Grande Otelo,
Mario Quintana, Senna, Fellini, Sérgio Sampaio e tantas
mil gentes engrossando a fileira da bola fora.
O itinerário das vias de cada um vai estourando como bolas
de aniversário na minha cara e vai ficando longe o tempo
em que os meus não morriam, nem quando eu queria.
Deus, com certeza, ri. Não de sarcasmo,
mas pelo costume de ver passar as boiadas e
de olhar para elas despencando na curva final das planícies…
Pra onde? Só Deus sabe.
E é por isso que Ele ri.
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