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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Crônica: "OU VAI OU RACHA: meu primeiro road movie", por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

2/10 – OU VAI OU RACHA: meu primeiro Road Movie

 

                Convidado por Roberto Bozzetti, o titeriteiro que manipula o Bonecão e que sabe tudo de cinema, exceto aquilo que vai descobrindo enquanto revê o que já sabe, estou listando as 10 comédias mais marcantes que já assisti. Não há uma ordem específica de importância, talvez apenas uma mera preocupação com uma pretensa cronologia, mas não posso garantir que não se atropelem as datas em uma desordem sistematizada.

                O segundo filme é Hollywood or bust (1956), aqui no Brasil: OU VAI OU RACHA, estrelado por Jerry Lewis e Dean Martin. É preciso destacar que fui formado como espectador e fã dos filmes de Lewis nas sessões de cinema de sábados e domingos à tarde e, eventualmente, em reprises sucessivas na sessão da tarde. Adorava tudo, desde os títulos, que como vocês já perceberam, não precisam ser literais. Tudo me chamava a atenção: “Ou vai ou racha”, “O bagunceiro arrumadinho”,  “Bancando a ama seca” (protótipo de 3 solteirões e um bebê), “O meninão”, “O fofoqueiro”, “O cinderelo sem sapato”, “O delinquente delicado”, “O terror das mulheres”, “O professor aloprado” (esse, refilmado por Eddie Murphy), entre outros. Confesso ainda que “Bancando a ama seca” foi um dos que mais me fizeram rir, mas este Ou VAI OU RACHA, além de muito divertido, incutiu em mim uma mística em torno de Hollywood como a terra das estrelas de cinema.

                Revendo para escrever, percebo que se trata de um Road Movie, ou seja, um filme em torno da progressão de uma viagem de carro (praticamente toda produzida em estúdio com imagens se movimentando ao fundo) e de um filme parcialmente metalinguístico que traz o personagem de Lewis, Malcom Smith como um cinéfilo de memória prodigiosa e nenhum senso de realidade (as ações do quarto final do filme se passam em um estúdio de cinema da própria Paramount). Malcom é dono de um cachorro gigante (olha aí o cachorro de novo na história, desde Chaplin, viram?), Sr. Bascon e ganha o sorteio de um belo carro com o qual pretende ir para Hollywood a fim de conhecer a atriz sueca Anita Ekberg (vista aqui imediatamente antes do clássico “Guerra e Paz”, com Audrey Hepburn; e quatro anos antes de La dolce Vita, de Fellini).

Ekberg aparece interpretando a si mesma, mas já havia sido contratada pela Paramount especialmente para contracenar com a dupla Lewis-Martin desde “Artistas e Modelos” (1955). Acontece que o trapaceiro Stevie Wiley, interpretado pelo cantor e ator Dean Martin, falsificará o bilhete premiado e assim dividirá o prêmio com o real ganhador. E para que a divisão ocorra, Stevie concorda em ir até Hollywood – na verdade pretendia apenas se livrar do verdadeiro ganhador na primeira oportunidade e essas tentativas não apenas rendem bons momentos de humor, como permitem que a mocinha Terry, uma corista a caminho de Las Vegas se junte ao trio.  

Jerry Lewis e Dean Martin contracenaram em dezesseis filmes entre 1949 e 1956 e este foi o último filme que fizeram juntos. Por questões econômicas e por ego as relações entre os astros foram se deteriorando até que em VAI OU RACHA, os atores sequer se falavam a não ser em cena. Desfeita a dupla, ambos seguiram carreiras solo no cinema, mas já sem o mesmo sucesso.

Hoje sei dessas coisas, mas na época eram as caras e bocas de Lewis (influenciaram atores como Jim Carey, por exemplo), o seu jeito atrapalhado, desengonçado e a dublagem brasileira que emprestava uma identidade única aquele personagem (Nelson Batista – que não foi o único a dublar, mas cuja dublagem ficou reconhecida como clássica para os personagens de Lewis),  foi quem melhor reproduziu com seu timbre anasalado, o frenético ritmo de fala e os cacoetes vocais de Lewis). Observem que não havia um único personagem em vários filmes – como o vagabundo Carlitos de Chaplin – mas um padrão de personagem solteiro, ingênuo, verborrágico e atrapalhado que se repetia ao longo de diversos filmes e que, via de regra, se apaixonavam pelas mocinhas que ou não correspondiam, ou quando se interessavam, aí eram os personagens inocentes e ingênuos que não percebiam.

Lewis, que morreu em 2017, chegou a realizar mais de 40 filmes e se envolvia em todo o processo desde criação, roteiro, direção, escolha de atores e atrizes e chegou a produzir dois filmes por ano quando estava no auge do sucesso. Há um documentário “Jerry Lewis: Biografia” disponível no Youtube.

Quanto a Dean Martin, atuava como o galã da dupla, alternava a escada – aquela situação em que um ator prepara a piada para o outro e, eventualmente, o pretenso antagonista que acaba cativado pela ingenuidade e pureza dos personagens de Lewis. Entre uma cena e outra os números musicais dão a oportunidade do público americano assistir o lado cantor de Dean Martin (ao lado de Frank Sinatra e Sammy Davis Jr., um ícone do estilo one showman de Cantar, Atuar e Apresentar norte-americano. Tanto assim que, em 1960, a primeira versão de Ocean’s Eleven – Onze homens e um segredo, terá esse trio notável encabeçando o elenco). Dean Martin é um dos poucos que têm três estrelas na Calçada da Fama, uma como ator, outra como cantor e outra como apresentador. Infelizmente, o alcoolismo, o fumo e a depressão pela morte de um de seus filhos acabaram tirando o ator de cena definitivamente em 1995.

Percebo enquanto escrevo que a aprendizagem do humor era, sobretudo, a aprendizagem de um roteiro de ações possíveis diante da vida. Uma espécie de carpe dien mesmo se der errado... muito errado. O atrapalhar-se e o corrigir-se, o rasgar-se e o remendar-se. E os filmes de Lewis permitiam supor isso. Em geral, projetavam indiretamente a ideia de que não importava qual o seu talento específico, o quão ingênuo ou atrapalhado um sujeito fosse, ainda haveria para ele uma oportunidade de redenção, amor e êxito. E de três em três possíveis, me encaixava bastante como espectador naquela projeção. Noto, ainda, que eu pensava também que depois de formado como professor na graduação, mestrado, doutorado... os problemas desapareceriam. Parece que repito o padrão de ingenuidade e projeções infantis quanto às expectativas versus realidades...

Quem quiser ver um cachorro Dinamarquês dirigindo um carro, uma velhinha assaltando de arma em punho ou um sujeito de jaqueta vermelha entrar num curral para tirar leite de uma “vaquinha” de longos e afiados chifres, é só embarcar nessa viagem. Talvez, sem muito esforço, haveria justificativa para que minhas dez comédias listadas estivessem entre as obras de Lewis. Por certo que recomendo muito os filmes desse ator, produtor, diretor e roteirista.  Mas o que sei eu? Ainda mais depois de confessar as coisas em que acreditei e continuo acreditando, seguir alguma recomendação que eu dê será por sua conta e risco. Notadamente, a propósito de escrever sobre um filme, rendo homenagens à memória afetiva das obras de um comediante inesquecível. Acontece.

A arte culinária, claro, é do Bonecão, Roberto Bozzetti. Favas verdes, costela com batatas e agrião. 10 de junho de 2018.

CARTAZ DO FILME - OU VAI OU RACHA - 1956

Bozzetti em sua alquimia culinária.

Favas verdes, costela com batatas e agrião. 10 de junho de 2018.


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