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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Crônica: "Conselho", de Erivelto Reis

                                                                            

Conselho

Erivelto Reis

 

Pertencem ou descendem ou se enquadram em duas linhas mestras aqueles que pretendem ascender aos quadros da docência no ensino superior no país.

Sua atuação ocorre sem que necessariamente haja implicação na basilar existência, desde as grandes instituições até as pequenas, cooptando e/ou direcionando os rumos de sua atuação e de seu funcionamento: o grupo dos opressores e o grupo dos oprimidos. Não importa se na tecnologia, na medicina, nas humanas ou exatas.

Os opressores veem o ensino superior como um pódio, um patamar intermediário entre a vitrine de suas vaidades, como um espaço deliberadamente exclusivo e confortável a que pretendam atingir. Favorecem-se pelo prestígio de que gozam tais instituições, frente a uma sociedade ainda em evolução com graves problemas políticos, econômicos, culturais e sociais. E assim protegem a mediocridade de suas intenções, mascaram-nas através de projetos pouco relevantes ou preferencial e disfarçadamente excludentes. Traficam relações que podem trocar por falso(s) afeto(s), vantagens pessoais, sejam elas quais forem. Coisas que até poderiam bancar com seus próprios recursos e, talvez, até mais sofisticadas e especiais se lhes fossem concedidas ou conquistadas em outras áreas profissionais. Mas estes as querem com o bônus de as terem conquistado pretensamente por seu potencial intelectual.

Querem-nas com o dinheiro público, para que outros/as simplesmente não as tenham, ou como o reflexo do prestígio de suas relações interpessoais. Querem-nas financiadas para si, por mais escassas e raras que sejam, escandalosamente selecionadas a despeito de haver outros projetos mais relevantes e abrangentes, como um fator confirmador explícito ou implícito de seu valor intelectual.

Estar é o ponto. É o auge. Ser é incidental, ocasional e seletivo.

Os de sua predileção gozam de gentilezas, contatos, atenções, apoio, indicações e quaisquer ações facilitadoras de seu trajeto, desde que este evidencie a “genialidade” de seu tutor ou mimetize seus traços mais marcantes, eventuais teorias ou constantes idiossincrasias.

Nota-se, portanto, no comportamento dos opressores que ascendem aos quadros do ensino superior que nada lhes é mais caro do que o vaticínio de suas pretensas capacidades em detrimento de suas reais obrigações.

E há as situações em que aqueles que descendem ou pertencem historicamente ou se enquadram no rol dos oprimidos ascendem aos quadros do ensino superior.

Para estes há duas escolhas: mimetizar mambembe das péssimas práticas dos opressores, criando para eles e contra si mesmo novas e mais insidiosas práticas de opressão (em médio e longo prazo), ou lutar para que a opressão cesse através da pesquisa, da empatia, da extensão, da construção permanente de pontes de diálogo, da batalha contra o ego e distorção de sua autoimagem em função da urgência e da importância de sua atuação e de seus atributos intelectuais ou dos constantes e intensos ataques depreciativos às suas atividades. Além da luta óbvia contra quem não sabe o real valor da educação, negacionistas, intervencionistas, políticos mal intencionados e conglomerados que querem fazer da educação um negócio ou simplesmente contra aqueles e aquelas que querem atuar num determinado campo profissional sem fazer jus, ética e tecnicamente, ao diploma que pretendam.

Os que ascendem aos quadros do ensino superior oriundos das classes oprimidas compõem, em geral, o perfil dos profissionais que tornam orgânicas, transparentes e acessíveis as funções sociais, acadêmicas e de transformação pessoal e coletiva produzidas pela formação em nível superior. Os oprimidos produzem bons trabalhos recorrentes. Os opressores fazem de seus resultados um périplo e de suas ideias uma grife.

Pode ocorrer e ocorre com frequência que oriundos dos opressores e dos oprimidos coexistam em atividades no ensino superior. O embate é constante, quase sempre silencioso e, não raro, usa os discentes, as publicações, direcionamento de verbas e recursos (até mesmo equipamentos e disponibilidade de salas), prestígios externos ao terreno das funções e atuações acadêmicas, relações de afinidades eletivas e coligações político-partidárias como escudo ou como arma.

As batalhas são travadas a partir de inúmeros artifícios: no dia a dia, nas funções e atribuições acadêmicas cotidianas, na oferta, direcionamento ou cancelamento de bolsas, nas congregações, nos sindicatos, nas plenárias, nas escolhas dos projetos que são apoiados e prestigiados, em proibições explícitas ou veladas e na estigmatização de determinados perfis profissionais.

Chefes, diretores, reitores opressores estimulam a capilaridade da opressão em nome da produtividade e da seletividade nos espaços acadêmicos.

Chefes, diretores, reitores oprimidos podem tornar-se opressores quando alçados ao poder dentro dos quadros do ensino superior. Mentir, negligenciar, omitir e/ou enlouquecer tentando impedir que os opressores façam mais estragos do que costumam fazer.

É possível aprender com o opressor.

É possível aprender infinitamente mais e com mais qualidade com o oprimido.

O opressor pressente, desde os primeiros momentos, a presença de oprimidos prontos a se rebelarem contra seus desmandos e sua vaidade entre as fileiras de seus alunos e alunas. Como também reconhece e forma rapidamente seu séquito de aduladores/as.

O oprimido semeia a transformação equânime e rapidamente angaria detratores e desafetos prontos a desdenhar de suas capacidades, espalhar inverdades e imprecisões a seu respeito e a debochar de tudo que seja qualidade natural no oprimido e que, segundo sua visão distorcida, possa ser usado para tentar torná-lo em uma cruel caricatura de pessoa e profissional.

Entre as inúmeras coisas que o opressor não pode ensinar existe uma que ele sequer consegue mimetizar: o desejo de que o outro seja livre e de que estimule outras pessoas a serem livres também.

Pode mimetizar a escrita, a postura, um interesse pelo outro... Mas ensinar a ser livre é para poucos. Para pouquíssimas pessoas. Carece de exemplo, empatia, paixão por algo além de si, mas que se busca, mesmo já havendo tanto encontrado, na experiência de lidar com o outro. Porque nisso reside a essência da Educação. Um perfume tão sutil e tão maravilhoso que os opressores podem simular que sentem sem senti-lo ou distingui-lo de outras fragrâncias.

Ser livre é tornar-se livre.

O opressor apenas consegue parecer livre enquanto aprisiona os outros.

Como você gostaria que as novas gerações encontrassem e fossem recebidas no ensino superior? Um campo a ser semeado ou um campo a ser desminalizado. Como você quer sair do ensino superior?! Livre para a sua vida, seu trabalho, suas escolhas e sua família... Ou fadado ao constante tributo de aprisionar, ao fardo de estar preso à desigualdade e à injustiça por uma falsa educação que não ensinou você a amar? Por uma lição que você não quis aprender?