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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 24 de maio de 2020

Poema: Efeito Cascata, de Erivelto Reis

Efeito Cascata
Erivelto Reis
Para você alimentar seus filhos
Ele trouxe e, cínico, apresentou
Um discurso composto de
Cinco trocadilhos
Corrigido por
Um pelego que acrescentou
Vinte frases feitas
Que ocultavam
Um informante
Dois traidores
10 vendidos
Um obtuso
Atrás de
Quatro palavras de efeito
Que justificariam a necessidade de
Doze assessores, quinze seguranças,
Auxílio-paletó, auxílio-moradia,
E antecipavam
Mil desculpas esfarrapadas
Para
Cem rajadas de metralhadora,
A entrada de um caveirão
Para exterminar, intimidar, julgar, condenar e punir
Onde houver comunidade,
De-li-ve-ry!!!
Para despistar
Muitas negociatas,
Tecnicamente tramadas por
Um segundo escalão arrivista
E aprovadas por
Um primeiro escalão escalado
E concentrado para o bem do patronato.
Em contrapartida ao saqueamento do estado,
E a um esfaqueamento simulado
Diante das Câmeras e câmaras, magistrados e senado
E seus destacados correligionários,
Ofereceu, de bom grado,
Para a saúde de seu filho
Um posto de saúde fechado,
Um rolo de esparadrapo superfaturado
Como, aliás, todos os fármacos...
Ponderado, refletiu sobre
As naturalíssimas preguiça e indolência,
Segundo ele, características de qualquer brasileiro mestiço e pobre
Que dependa do estado.
O encontro realiza-se em
Biroscas fascistas, misóginas e racistas
Numa praça, calçadão, faculdade ou
Em qualquer lugar adequado
Para arrebanhar o [....]...
Pode ocorrer também em
Uma escola (conservadora e moralista)
Sequestrada por coordenadores
Com aversão à Educação.
Lá, encontram-se
Muita burocracia e demandas,
Pouquíssima merenda,
Adquirida e servida por empresas terceirizadas parasitas.
Por praxe e testemunha,
Esses encontros contam com uma claque contratada,
Uma gente bajuladora, descrente, conivente
Para a qual
Uma promoção vitalícia
Um cargo comissionado
Um acúmulo de pensão
Uma aposentadoria, uma geladeira e um álibi
Para uma queima de arquivo
Uma puxada de tapete
E uma trama passional
Seria mais do que sensacional.
Tudo tratado, tudo tramado,
Tudo combinado,
Tudo.
Entrega-se a chave da casa,
Da cidade, do Estado, do tribunal,
Da repartição, do departamento, do Brasil.
A escritura do futuro
Na mão do sujeito mais torpe
Mais vil.
Hoje o comício rendeu,
Como a reunião produziu!
Não houve
Nem um prato feito servido, saneamento realizado,
Projeto de segurança aprovado,
Projeto de geração de emprego
Ou aplicação de pavimento asfáltico
Esse encontro só estabeleceu as bases:
Essas serão sempre coisas para o próximo mandato.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Poema: Cordéis e caixões, de Erivelto Reis

"Cordéis de caixões"
Erivelto Reis

&
Mortos sem sepultura &
Famílias sem indícios &
Traumas pra toda vida &
Generais condecorados.
Têm suas mãos sujas de sangue,
de morte e torturas
assinando leis assassinas
ou adulando
monstros patéticos.
Namoradinha do ódio
sorrindo do holocausto.

Os pombos da Praça La Candelária.
Em Bogotá.
Os pombos da Praça, lá.
Os pombos da Praça lá no Twitter
Candelária
Aqui e lá.
Em Bogotá.
Comportam-se como pombos
Aqui e lá.

Poema: "Encruzilhada", de Erivelto Reis

Encruzilhada
Erivelto Reis
A vida
é uma
encruzilhada
você
não
escolhe
nada.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PANDEMIA E GOVERNO EM 2020, POR ERIVELTO REIS


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PANDEMIA E GOVERNO EM 2020,
ERIVELTO REIS


Fui ali cozinhar um miojo e quando voltei já tinham mudado o ministro da saúde duas vezes, o ministro da justiça, as leis trabalhistas, a polícia federal, o sistema de ensino...

Quem desejar que as pessoas tenham um mínimo que seja de consideração por sua biografia pessoal e profissional não poderá jamais se associar ao atual presidente e tudo o que ele representa na ribalta e nos bastidores da política brasileira em suas práticas e discursos. Ele é o chorume das relações mais perversas entre interesses impronunciáveis e inconfessáveis das práticas e teorias mais abjetas de pessoas e conglomerados econômicos e as ações no executivo, legislativo e judiciário e seus desdobramentos no dia a dia das relações pessoais e profissionais que os indivíduos possam experienciar ou testemunhar qualquer que seja a sua ocupação (espero que nunca tenham que passar por isso) do preconceito, passando pela perseguição política, o assédio moral até chegar à corrupção.
Mesmo os que se disserem enganados ou traídos por esse governo, terão um enorme SENÃO, em sua presunção de inocência. Não há santos nem ingênuos na política brasileira, mas de há muito todos os limites de civilidade e decência foram ultrapassados por aquele que por agora preside o país e os seus asseclas. O tempo mostrará que em 2016 o que foi tramado contra a democracia brasileira produziu monstruosidades em série e crimes que deverão ser lidos como imprescritíveis.

Esse presidente produz o mesmo padrão de enfrentamento do covid-19 que se dá, por seu interesse e conveniência, na economia, na educação, na polícia federal, nas entrevistas que concede. Quem não aceitar seus desmandos, rua, mediante intimidação, ataques pessoais, violência. E enquanto não fizerem o que ele espera, deteriora-se a coisa pública, o funcionalismo, os serviços, a economia, a saúde das pessoas até o limite máximo e, no caso da pandemia, até a morte das pessoas.

Todos os anos os brasileiros - classe média e principalmente os mais pobres - trabalham de 2 a 4 meses - calendário fiscal - só pra dar conta de pagar os impostos dos governos federal, municipal e estadual. Os governos têm obrigação de cortar suas regalias, corrupção, superfaturamento e desperdício de recursos e destinar todas as reservas e arrecadação em benefício da população durante a pandemia. O Brasil não quebra por causa do isolamento. Mas as pessoas estão morrendo por causa de um governo sádico, insensível e perverso.

Na minha experiência, a grande maioria dos alunos e alunas que se inscrevem para o Enem na escola pública onde trabalho só o fazem porque professores, funcionários, direção se (nos) mobilizam (os) para realizar as inscrições na própria escola. Isso em tempos em que não há pandemia. Isso porque na minha escola só tem sinal de internet compartilhada de 15 em 15 dias. Imagine o que tem acontecido aos nossos alunos em se tratando desse "ensino remoto"... Falar em meritocracia, inclusão e igualdade de condições para o estudante de escola pública num estado permanente de injustiça e incompetência é vergonhoso.

Tivéssemos um governo decente, teríamos ainda alguma chance. Nosso destino se desenha desolador. Lutando contra esses vermes e esse vírus.

É fruto de uma convicção profunda da atual gestão desse país que o povo lhe pertença. E que os direitos que tenha sejam benesses que lhes possam ou não ser concedidas conforme interesse de quem governe. Naturalizam com sorrisos falsos e bravatas o despreparo que têm e que fazem questão de vender como sinceridade e naturalidade.


Não é o vírus que desestabiliza quem está no poder. É a incompetência de cada um/a deles/as. O vírus tragicamente evidencia a negligência e o desprezo que essas pessoas têm pela vida humana.

O país já andava triste. E adoeceu de tristeza e pandemia e violência em práticas e discursos. Aldir, Flávio, Rubem, Luiz e tantas pessoas da educação, da filosofia, trabalhadores e trabalhadoras morrendo. Há uma gente que não sabe ser feliz por si mesma e que só se sente atuante se oprimir o outro. Sozinhos se fingem de pródigos e em grupo se transformam em bando. Seus valores nos querem impor através da fúria e do ódio. Seu rosto às vezes parece simples e amigo e suas convicções são empréstimos de outrem. Mas não se enganem pois assinam embaixo das práticas bárbaras contra os de sua própria classe. Nem nirvana, nem céu nem redenção vos esperam. Nem inferno há capaz de saciar um desejo de justiça divina contra os tiranos.

Precisa ser muito forte para exercer a profissão de professor e de artista no Brasil que tenta nos sepultar desde sempre, desde 1988, desde os anos 2000. Nenhuma forma de mídia, plataforma ou ambiente virtual superará a pedagogia do afeto, ou a emoção que experimentamos mesmo diante de qualquer artista que nos toque a alma com sua arte, por mais anônimo que este seja. Até o arranhar do vinil entranhado nos primeiros acordes, até o rabisco mais aparentemente despretensioso, até o verso mais intimista e menos eloquente têm mais força que o mais virulento dos discursos. O que não há é gente suficiente a se perguntar quando foi que se encheu de ódio e se esvaziou de arte. Quando foi que se encheu de indiferença e de vazio em torno de uma vida sem sistema, esperança ou perspectiva. A tarde cai todo dia como um viaduto e não tiramos o traje que vestimos luto e é com ele que lutamos.
A UM PROFESSOR OU PROFESSORA NÃO SE AMEAÇA NEM COM UMA FLOR.

Texto: "Continho", de Erivelto Reis

Continho
Erivelto Reis
Para Cícero César
Havia quase 1.200 mortes naquele dia, 17.500 infectados, milhares de subnotificações... e uma ameaça de código de falta no ponto do professor, via MCF. Fui saindo de mansinho daquela raveunião, rumo à minha vital insignificância. Ainda dei um "té logo", antes de entrar na plataforma pra falar de gramática, a mais dramática, platônica forma de amor à língua.

Breve retrospecto da Caça aos professores e o cenário da pandemia, por Erivelto Reis

Breve retrospecto da Caça aos professores e o cenário da pandemia
Erivelto Reis

Primeiro ficaram um tempão acusando os professores de fazerem em aula o que chamaram de "doutrinação". Incentivaram gravações clandestinas, denúncias, violências das mais variadas, processos.
Agora, em plena pandemia, querem-nos seguros, gravando vídeos que poderão circular livremente pra aqui e pra ali, mas, sobretudo nas casas e celulares. Imagina o estrago.
Imagina que o estado não paga pela produção de material didático e instrucional e pelo direito de imagem, nem produziu qualquer lei que resguarde o exercício da profissão do professor durante a pandemia; antes, sem fornecer qualquer recurso técnico/ tecnológico seja aos profissionais e, principalmente, aos alunos e alunas, manda avisar, via coordenadorias METROPOLITANAS, que professores que não acessarem a sua plataforma infame terão o ponto cortado e código de falta no MCF. Já que estão produzindo relatórios automaticamente pela plataforma.
Imagina que chama o seu EaD de "ensino remoto", estabelecendo uma anomalia legal, não resguardada pela lei, nem regulamentada, nem discutida com a classe, ao mesmo tempo em que as famílias dos alunos estão em situação de grande vulnerabilidade social. Imaginou? Agora grava o vídeo. Agora acessa a plataforma.

Reflexões sobre a Educação Brasileira, por Erivelto Reis

Reflexões sobre a Educação Brasileira
Erivelto Reis

Os Governos têm, historicamente, muita culpa pela desvalorização da educação no país. E a iniciativa privada acha que vai se dar bem colocando máquinas pra corrigir trabalhos, abocanhando lucros sem produzir pesquisa e efetivo conhecimento, transformando suas unidades em balcões de negócio (vendendo a ilusão do diploma, da formação, sem que haja a condição do desenvolvimento individual de seus alunos e alunas e/ou, nos casos de ensino superior, preparo real para o exercício digno da profissão) e coagindo profissionais de todos os níveis que estão em seus quadros. E a própria sociedade que, em parte, despreza, desprestigia e desconhece o trabalho dos profissionais da educação e acaba, talvez até sem se dar conta, contribuindo para essa visão deturpada que menospreza os profissionais e relativiza a importância da educação para a transformação da sociedade, a ascensão pessoal e profissional dos indivíduos, a produção de pesquisa e conhecimento e a soberania do povo, e também assumindo parte da responsabilidade por esse quadro perverso.
Em países nos quais a educação é prioridade, toda a cadeia de construção do conhecimento é respeitada e valorizada. Aqui no Brasil qualquer um acha que entende de educação (para gerir e exercer) e que entende mais e melhor do que os profissionais. Quando as grandes corporações tiverem dominado todo o mercado, a educação pública gratuita e de qualidade não mais for possível à população mais pobre e for um sonho de consumo de grife, palatável à classe média, e as políticas de graduação e formação tiverem atingido um nível de exclusão e cerceamento de tal magnitude que a formação para o exercício do magistério seja facultado apenas a um grupo da elite preconceituosa desse país, aí sim, as pessoas talvez aprendam que no exercício diário da profissão do professor, do pedagogo, dos profissionais de educação reside uma última chama, um último sopro, um último grito por liberdade, igualdade e democracia.
Claro que um quadro terrível como este não é o que eu desejo, mas é o que paulatinamente se insinua. Pobres sem direito à educação, corrupção e supervalorização de quaisquer contratos entre iniciativa privada e governos para que as pessoas possam estudar. Será a era dos salários ainda mais miseráveis, da instabilidade, da censura intelectual, do toma lá da cá, da maquiagem nos dados (muitos desses processos já vêm ocorrendo há tempos em muitas situações) e destruição do professorado como classe. As bravatas, a violência, as tentativas de intimidação contra os professores são o esgoto desses pseudointelectuais e políticos criminosos, fascistas e reacionários, que somente pela tentativa de indigência cultural e educacional da população sustentam-se em seus pódios e quadros de favorecimentos e regalias, sejas estes e estas quais forem. Quem não ensinar seus filhos a valorizar a educação, os profissionais que nela trabalham e a respeitá-los estará condenando o país a indigência.

Não é EaD,
é ensino remoto
até remoto.


Primeiro cancelaram a realização de concursos públicos durante 20 anos, depois desmontaram as mínimas garantias trabalhistas. Na sequência, aumentaram de 11 para 14% os descontos da previdência dos servidores (que desde há muito já não tinham tido reajustes) para uma aposentadoria que não garantirá 100% dos vencimentos. Propagaram absurdos contra a Universidade pública e a pesquisa, reduziram carga horária de disciplinas essenciais na formação dos nossos alunos e alunas, permitiram a mercantilização ultrajante qualitativamente da educação particular em todos os segmentos. Por agora, durante a pandemia, congelam qualquer tipo de reajuste de salário/reposição inflacionária durante 18 meses. Nomeiam a EaD forçada e geradora de desigualdade entre os estudantes (sem computador e celular ou acesso à internet) com uma designação que não observa a legislação, os princípios básicos da Educação a distância, e assediam moralmente os professores e professoras (relatório de login na plataforma, horário espelhado ao da grade presencial - isso tudo com os recursos do próprio professor - seu computador, sua internet e energia elétrica, seu espaço de casa) e querem que os/as profissionais sejam tolerantes com esses desmandos?! Mantém contratos de terceirização com empresas que não garantem sequer o pagamento do salário mínimo líquido aos seus funcionários e funcionárias e nem o cumprimento de datas de pagamento regulares. Chip, apostila... Isso é a ponta do iceberg. Depois de décadas de gestores que desmerecem e desrespeitam a carreira docente, de salas superlotadas, de falta de recursos... Tem 20 anos do início dos anos dois mil. Quase duas gerações educadas na pós-modernidade e essas pessoas que se dizem gestores não entenderam que valorizar os profissionais da educação é o primeiro passo pra mudar essa perspectiva perversa em relação à educação?! Francamente...


Não se pode falar em educação libertadora, oprimindo-se e assediando-se moral e psicologicamente os profissionais. Sem lei, sem regulamentação, sem apoio a professores e alunos, com censura e desrespeito à legislação, a pandemia ganha uma dimensão ainda mais perversa e assustadora.


Todo assediador é um espécie de ditador.

Contra a barbárie todas as estéticas da arte.

A esquerda não precisa ser de grife. Mas precisa ter propósito e atitude.

Asfixiar definitivamente o funcionalismo. Tentar convencer a população de que o funcionário público é um ser privilegiado. Vergonha desse governo. Vergonha de uma oposição tão desarticulada e insossa. Incapaz de comunicar algo a alguém que já não esteja na militância ou comprometido com os princípios básicos de uma democracia que preze a dignidade da vida humana. Convoca pras comissões, chama a dar esclarecimentos, apresentar detalhadamente os projetos, tranca as pautas, explica pra população, pauta centrais e segmentos da sociedade, cria agenda, faz autocrítica, põe os caras pra trabalhar na articulação, tira da ribalta, abre espaço pro novo ... Os argumentos do governo são rasos e sem sustentação, e os caras da oposição parecem garotos de grêmio escolar...

Cadê a oposição para discutir, elucidar, explicar às pessoas o que esse tipo de entrevista significa em termos de ameça e desrespeito aos servidores e ao que pertence ao povo, como água, as estatais que geram divisas, por exemplo?!



quarta-feira, 13 de maio de 2020

Poema: "Aboio", de Erivelto Reis


Aboio
Erivelto Reis
A partir do vídeo de Cícero César sobre o porteiro Bento

Porque nunca é dia pra estupidez alguma
Por que é sempre dia de alguma estupidez?!

Dos homens simples,
Daqueles que exercem as funções
Vitais de navegação da vida:
O porteiro Bento, o jardineiro Zé, por exemplo,
E de mulheres, em igual sacerdócio,
(Domésticas, babás, cozinheiras)...
As profissões do cuidado – a lista é vasta e altaneira –,
De anti-ócio e sobrevivência.
Você depreende que ensinam paciência para a organização
E impaciência para a tirania.
Você depreende que praticam contemplação
– sinal de sabedoria – ,
Com o que seja belo e sem aparente sofisticação,
Como o voo das aves menos nobres,
Como pardais e cambaxirras,
E a oposição silenciosa que fazem à estupidez e à antipatia!
O trabalhador mais simples é empático
Aos que sofrem e não ao sofrimento!
E trabalha cantando, aboio da própria sina,
Agradecendo e sorrindo,
Num estado gerúndio de quem vai se afogando
Mas que se vai acudindo.
De quem sabe que o mar é grande mas que em terra termina.
Acuado, com medo do desemprego,
Da grosseria, do status ou da insensibilidade do empregador,
E do mês a mês em que o salário vai sumindo
E se traduzindo em menos açúcar no café,
Menos manteiga no pão, menos café, menos pão,
Mais fé, mais resignação e mais labor.
É essa gente verdadeira que ensina o bom brasileiro
A ter boas maneiras, melhor Educação.
Quisera um país em que o trabalhador mais simples
Não fosse menosprezado e que seu salário
Não fosse tão aviltantemente baixo.
Da manufatura de suas mãos,
De seu tempo tão mal pago
Nasce a atenção e o cuidado aos vossos filhos,
Vosso patrimônio e vosso intelecto.
Que haja loa aos bons doutores
E pelo quanto se louve aos não doutores
(falsos doutores e seus cúmplices)
Mas que não se perca o respeito
aos trabalhadores mais simples.
É uma secura de delicadeza que podia chover
Em consideração aos que produzem, trabalham
E zelam por sua casa, seu patrimônio!
E pelo que você põe na mesa.
Trate com mais carinho ao seu José,
à dona Marina, ao seu Antônio, à Maria Teresa...
Tantos nomes, tantos sonhos!
Eles até silenciam e abaixam a cabeça,
Mas têm um mundo de histórias no seu embornal
E as contariam com orgulho
Não houvesse tanto preconceito e desigualdade social!

domingo, 10 de maio de 2020

Poema: "Aromatizado", de Erivelto Reis


Aromatizado
Erivelto Reis

Para Lucy, que trouxe à tona o mote

Há sempre memória do amor amado
Do bem recebido
Do gesto gentil doado
Do mestre aos seus discípulos
Do professor ao seu alunado
De amigos irmanados
Na memória do afeto guardado...
O amor memorizado
Rememorado
Há de ser sempre intenso
Amplo,
Profundo espaço
Sinestésico
Dramático,
Exagerado
Memória a romantizar
Aromatizado
Amar.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Poema: "Patamar", de Erivelto Reis

Patamar
Erivelto Reis

Ao céu dos suicidas
só chegam aqueles
cujos sonhos morreram ainda em vida.
Aqueles cujas aspirações humanistas
pessoais e coletivas sucumbiram
ante o desamor, o egoísmo e a falta de sensibilidade
de pessoas que podiam ver e não podiam sentir
o cupim da dor a corroer o tempo de existir...
Não se lhes imponha nenhuma
sabatina ética, religiosa ou moral.
E sobre sua biografia não decalquem
qualquer rascunho caricatural.
O coração ainda batia, mas a vida aspirada
essa já não existia...
Se não forem louvadas ou respeitadas
a sua existência, memória e resiliência,
que não lhes sejam computadas como covardia
ou desistência a sua corajosa e derradeira Rebeldia.
Há suicidas de há décadas,
que apenas não deram cabo da própria vida,
que respiram e andam e falam...
Mas não tiveram eloquência pra escrever
bilhete, e-mail ou tuitar
que se encontram em outro patamar...
O que todo mundo sabe só de olhar,
só de ver a inocência de perseguir
o calendário fisiológico e ilógico
que afirma estar vivo quem já partiu há tanto tempo!
Viver assim não é menos terrível
que o suicídio, a última solidão possível...
Ao céu dos suicidas
só chegam aqueles
cujos sonhos morreram
ainda em vida.
Não lhes cabe punição,
qualquer imprecação, ou pena, por menor que seja!
Não lhes cabe culpa:
agiram em legítima defesa.