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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 28 de junho de 2020

Sobre falsa titulação e plágios acadêmicos ocorridos entre os políticos brasileiros

Esse tipo de prática endossa o sistema de discriminação a qualquer política associada com pautas humanitárias tidas como de esquerda. Olha quem é o analfabeto funcional, agora?! Perguntem ao seu GURU. Que classificação pode-se atribuir a esses sujeitos? Vivem protegidos por um sistema de canalhice, mentiras e relações espúrias; desde o ministro anterior da pasta, cujo ingresso como docente numa universidade pública é escabroso, ou o governador do Rio que assinala em seu currículo haver estudado numa das Universidades mais conhecidas do mundo sem nunca nela ter estado. É o neo-coronelismo brasileiro que se fundamenta em novos três pilares que se coadunam: à bala, por vias paramilitares; economicamente através de lobbys e políticas entreguistas, CORRUPÇÃO e negociatas e através da apresentação de falsa titulação ou colocação conseguida por vias escusas - como ocorria no passado com baronatos ou patentes militares compradas ou conseguidas por conluios ou por associação de força, poderio econômico e intimidação para práticas políticas. Doutor ou não doutor, juiz ou não juiz, ministro ou não ministro, se tem plágio em seus trabalhos, devem ser punidos exemplarmente. A fora que o atual ministro, quando presidiu o FNDE tem um escândalo de compra de computadores prevista em edital na casa de 3 bilhões, vão ver nos jornais. Felizmente o edital criminoso foi suspenso. Ocorre que como as Universidades públicas brasileiras e as instituições sérias e tradicionais do mundo não se vendem, resta a gente como essa, falsos notáveis da república brasileira, a mentira deslavada, o crime de plágio, as brechas mais vis, a manipulação barata do sistema, a culpabilização do outro ( "foi culpa da minha orientanda", "erro de digitação", problemas de sintaxe e semântica... tudo balela. É crime do colarinho branco, falsidade ideológica e estelionato intelectual. 

sexta-feira, 26 de junho de 2020

Crônica: "Jardim das saudades", de Erivelto Reis


Jardim das Saudades
Erivelto Reis

Por que fariam um ponto de ônibus em frente a uma capela funerária? Porque ela fica em frente a um cemitério. Porque essa será a vez mais triste que se embarca ou desembarca-se do coletivo?! Porque todos os caminhos nos conduzem a esse momento, se não ao cemitério, a um silêncio à capela?!
                Escuto um mistura de discursos. Meu currículo numa pasta sob o braço, preso ao corpo como minha alma, a fome, a sede e alguma esperança. No bar, bem próximo há uma mesa de sinuca. 20 fichas de sinuca e 4 eloquentes Itaipavas, meio quentes ou quase geladas, são suficientes para declarar um gato contra um dos que estão no bar disputando a partida. A bola branca suicidou-se algumas vezes. Seria essa a relação entre sinuca de bico, suicídio, a morte e os cemitérios? Qual será a próxima tacada do destino? A alegria de quem vence na ardósia sob o pano verde da sinuca, naquele estabelecimento, tão comercial como o cemitério ou a capela, contrasta com a tristeza dos que presenciam o corpo inerte, rodeado de murtas sob um véu branco de filó e remorsos.
                Uma TV afixada à parede sobre o freezer da Brahma, que serve de abrigo aos quibes que serão fritos e aos ovos cozidos que enfeitarão o balcão, na manhã do outro dia, transmite uma partida de futebol entre clubes de futebol de outro país. Vejo, enquanto aguardo o ônibus, um emprego e dias melhores, uma movimentação de camisas verdes e amarelas em torno da capela – jave, jeová, jiré, jair, não sei a que deus adoram, mas suas máscaras não estão bem posicionadas, e seus gestos não são de comiseração e lamento. Lamento por eles. Suas preces misturam-se a cantos tão desafinados, a lágrimas contidas. Quem perde a vida e quem perde o emprego está morto para o mercado e, às vezes, até para a própria família. Ouço palavras de ordem.  Exortações políticas à morte e exortações sentimentais a um político.
Sobre o morto sempre se fala bem, em surdina e à boca pequena, nessas ocasiões, como era o modo de falar-se mal dos vivos, antes das redes sociais. Meu ônibus está atrasado e eu também. Era pra eu ter conseguido esse emprego em março. Vim a pé de uma escola a quatro quarteirões e agora parei nesse ponto pra esperar condução para a próxima entrevista. Será que tem banheiro nesse bar? Na capela eu sei que tem. Pois nela foi velado meu pai. Eu não estava lá. Contaram-me que foi muita gente. Nunca souberam, de fato, como foi pra mim. Quando fui visitar a cova, ganhei um aviso contra os assaltos nas vielas do cemitério. Memorizei a localização para nunca mais passar por ali: foi fácil, árvore frondosa, alameda perto do muro, no fim definitivo de qualquer infância.
                Há um jeito silencioso de consolarmos as pessoas por dores pelas quais já passamos. Abaixam-se os olhos, curva-se a cabeça. Boca não diz palavra, mas pensamento corre a galope para o reino do “e se... ” e do “mas por quê?!...”. É como se a dor do luto não se modulasse ou se amplificasse de pessoa a pessoa. A gente consola o outro com o medo da dor que não sofreu ou com a lembrança da dor que já teve e que não é mais como era no exato instante em que se fala dela.
Na capela, todos agora se posicionam para erguer o caixão do centro de sua cama de mármore. Nessa hora nenhum entre os presentes mantém a máscara sobre o rosto. Alguém diz que não foi Covid e que o médico safado queria assinalar Covid no atestado. Penso que atestado é o último currículo dos vivos. E o único necessário aos insepultos.
Ouço um trecho do Hino Nacional, de um pai nosso a ele misturado e o nome de um político acompanhado do ano de 2022. Ele acima de tudo. Ele acima de todos. O caixão se fecha. Lá vem o ônibus. Dou sinal, entro. Pago a passagem. Não é o ônibus certo, eu sabia. Não há nada de racional em querer me afastar dali o quanto antes.
Ainda vejo, à medida que o ônibus se desloca, que a Kombi que transportaria o caixão até o cemitério, do outro lado da estrada, acaba de manobrar.  Conheço aquele enredo. Já o presenciei algumas vezes e sei que não estou longe de protagonizá-lo a qualquer hora. Espero que o morto vá em paz, espero que eu, morto, me vá em paz e que aquela família, verde e amarela em suas manifestações político-fúnebres-partidárias se conforte como lhes seja possível.
Os mortos não voltam nem votam. Mas se quedam mortos, muitas vezes em função de certas escolhas. Mas o que sei eu? Nem emprego eu tenho! Não sei adorar falsos deuses, puxar tapete ou fingir que não vejo o escândalo da hipocrisia e da corrupção. A cara que eu tenho é só uma e ela não é amistosa aos farsantes e demagogos. Escolhi plantar a semente em cova funda no solo da Educação e há épocas em que a safra, que já não é farta, é ainda pior. É um ar rarefeito, são terrenos áridos, covas rasas, pesticidas, muito veneno mesmo. Quem escolhe Educação, às vezes passa dificuldades até durante a colheita.   Ah, mas quando floresce... é pra sempre. Será que a educação é o jardim das saudades?
Quando chegar a minha hora, espero que minha família possa perdoar todas as ausências e falhas. Ainda quando em troca de algum fugaz orgulho.  Num país de tantas lutas, nem precisarão usar luto. Mas que sejam livres e que possam seguir lutando para que o mundo seja menos dolorido,  mais justo e mais humano.  

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Sobre delivery de EaD, Erivelto Reis

A lógica do entregador de comida do aplicativo com fome será a mesma do professor formando professores por ead. É só esperar. As pessoas se formando para não ter emprego na carreira que escolheram ou para serem subempregadas, mediante uma lógica de mercado e uma ideia equivocada de educação delivery que as grandes corporações venderão ao Estado a preço de ouro, enquanto pagam ninharia aos que ainda resistirem, porque crianças, jovens e adultos estarão assistindo a um conteúdo gravado há tempos no qual tarjas e atualizações em pop-ups, legendas e blocos de texto serão inseridos por uma máquina. Os computadores estarão corrigindo respostas com base em algoritmos e os tribunais entulhados de processos por plágio acadêmico. Em 10 anos a ciência brasileira morre, a universidade como a conhecemos acaba e importaremos inteligência para as coisas mais elementares. Nos tornaremos um país sem autonomia, sensibilidade, ignorante de sua própria cultura, sem capacidade para o debate e com uma ideia remota do que é produzir conhecimento e arte. Vai lá, apoia bastante. (acento irônico!). Inteligente é o coveiro que jamais cava a sua própria cova.

Poema: "No milho", de Erivelto Reis


No milho...
Erivelto Reis

Todo mundo pode ser perdoado,
mas agora já morreu muita gente inocente
nosso país está à beira da guerra civil,
de um golpe soft dentro do golpe
para proteger rebentos corruptos e criminosos.
Todo mundo pode ser perdoado,
mas a Amazônia está queimando,
os índios estão sendo executados,
as agendas humanitárias estão paradas,
uma família recebeu 80 tiros de fuzil,
helicópteros metralham a esmo
casebres, escolas, becos, vielas e crianças.
Todo mundo pode ser perdoado,
mas um juiz corrompeu as provas
e condenou contrariando todos os princípios do direito
e foi fazer parte do governo que ajudou
dessa maneira a eleger
milhares de pessoas choram seus entes queridos
em meio a uma pandemia
que nunca foi combatida a sério ou sem corrupção.
Todo mundo pode ser perdoado,
mas os direitos trabalhistas que perdemos
as divisas, o patrimônio que perdemos,
entregue de bandeja aos interesses estrangeiros,
as vergonhas que passamos, o medo
o desrespeito aos professores/as, à Escola,
à Universidade, à Ciência e à pesquisa,
fazem de nosso país um arremedo.
Todo mundo pode ser perdoado,
o que enalteceu o torturador,
e que condecorou assassino,
arquivo morto extorsivo
as corporações de comunicação que vendem produtos,
mentiras e soluções e reputações conforme a conveniência
de seus anunciantes.
Todo mundo pode ser perdoado,
mas o que fazer quanto aos mortos?
Serão ressuscitados?!
Os postos de trabalho e os direitos surrupiados?
Serão recuperados?
Difícil...
Mas os fascistas, arrependidos, frustrados, enrustidos,
entreguistas, falsos simpáticos, puxa-sacos,
incompetentes, traíras, fanáticos,  reacionários,
escravistas, querem ser perdoados.
Querem seu direito a expressar o fel de sua opressão.
O que fazer quanto aos ameaçados, à honra
enxovalhada em meio à imprensa e à multidão?!
Como respeitar a memória ultrajada dos
Desaparecidos e de suas famílias?
Como rebaixar de posto e patente
aqueles de pijama e passado pra lá de incoerente,
sem capacidade, e alçados ao poder por um incompetente?
Todo mundo pode ser perdoado,
mas e quanto aos humilhados, agredidos,
acharcados? Serão exaltados? Quando?!
O que farão quanto ao que nos pertencia e nos foi tirado?
O perdão é uma dádiva metafísica
concedida e facultado a quem erra sem querer
ou por acidente, ao acaso.
Vamos pensar se perdão se possa dar
a quem erra de caso pensado,
por preconceito arraigado.
Como achar que quem escolhe um seguidor de torturador
Pode estar em condição moral
de apontar erro alheio ou ato falho.
Quer perdão, pague pelo erro,
pela canalhice descoberta ou confessada
A sua biografia é a primeira parcela de muitas,
é pouco, mas vai ter de servir como entrada.

domingo, 21 de junho de 2020

Texto: "Breve consideração sobre Chico Buarque no dia de seu aniversário", de Erivelto Reis

Breve consideração sobre Chico Buarque no dia de seu aniversário
Erivelto Reis
Chico Buarque agrega em torno e a partir de sua criação artística e postura muitos valores que são caros aos brasileiros: o talento para a música, a timidez que ameniza a força avassaladora de sua intelectualidade, uma predileção declarada por samba e futebol, um charme algo europeu algo nativo inquietante, uma fibra moral que se mantém ao longo de toda a sua trajetória, sem no entanto, aproximá-lo de um moralismo ou puritanismo, um olhar apuradíssimo para a estética e as inquietações do que se situaria numa perspectiva feminina do mundo; erudição para o mundo das artes e da cultura que faz com que seus livros tenham estabeleçam e contenham referências as mais diversas cujos ecos dialogam desde Eurípedes até chegar a Machado de Assis. Embora oriundo de uma classe média pertencente à elite intelectual brasileira, construiu e ressignificou alguns ideais e estereótipos cristalizando-os definitivamente no imaginário lírico do brasileiro: do malandro carioca, do trabalhador nordestino explorado, do homem suburbano amedrontado diante da proximidade do algoz, uma passionalidade latente e trágica nas relações afetivas, ironia e rebeldia arquitetadas, forjadas milimetricamente, não deliberadas para expor a obtusidade e violência dos poderosos brasileiros; coragem e e lirismo para falar da dor, do assassinato, da tragédia social e histórica desse país desde o negro escravizado e torturado até a execução execrável e covarde de uma mãe que só buscava por seu filho. Chico Buarque dialoga com o teatro, a literatura a poesia, a música o cinema numa antropologia da arte de tal forma grandiosa que o equipararia à sede de Mário de Andrade em conhecer a real face de nossa arte, de nossa língua e cultura. Mesmo no olho do furacão da censura que se instaurou no país, jamais se calou e foi capaz de saudar o grandioso povo português no momento exato de sua revolução. Foi íntegro e nunca ambíguo quanto à sua escolha pelo pensamento de esquerda e associado às causas democráticas em favor do povo. Banhou-se nas águas do Leblon, constituiu uma linda família, ganhou e perdeu festivais, foi vaiado, estudado, endeusado e execrado. Angariou amizades desde entre as pessoas mais simples até líderes mundiais, compôs canções que estão entre as mais importantes em nossa música, ganhou inimigos entre os poderosos, intelectuais e entre os que por preguiça, incapacidade ou desinteresse rotulam tudo o que não entendem (ou que os denuncie e aos seus atos perversos) de "hermético". Salve, Chico Buarque, o mais antipolêmico (porque discreto) e contundente (porque combativo e arguto militante na arte e na vida) compositor da épica trajetória brasileira no século XX.

Crônica: "Condomínio Brasil", de Erivelto Reis


CONDOMÍNIO BRASIL
Erivelto Reis

É preciso admitir que certas pessoas estão transgredindo todos os limites de sua própria moral e ética em nome de defender o indefensável.
Eu, pessoalmente, conheço pessoas agradabilíssimas, trabalhadoras, corretas, divertidas, astutas, com pensamento ágil e formação cultural de razoável para adiante (em termos de pluralidade e repertório) que, em nome de não sei que princípios, indetectáveis em seu histórico pessoal, em sua trajetória de vida, em favor de referendar atos tão horrendamente abjetos, desumanos e ilógicos do atual governo, têm se associado – ainda quando pretensamente de forma indireta o que as consideram inócuas e sem relação –, a ideias completamente perversas contra o país, as questões humanas mais básicas e elementares como o direito à justiça, à democracia e ao respeito à integridade da mulher, ao credo, à cor da pele, a não-violência, por exemplo.
Sabe-se que há os radicais, os extremistas (radicais que extrapolam os limites legais de suas convicções, do tipo que arrancam cruzes simbólicas na areia diante de um pai enlutado e que em nada em seu protesto silencioso oferece de risco ao agressor), os teleguiados, os que sofreram alguma espécie de condicionamento psico-dogmático-social, os relativistas, os omissos e “isentões”. Cada um dos estereótipos assinala características bem particulares que se coadunam em universos paralelos que se sobrepõem e se entrechocam em interações virtuais e pessoais com seu peso e sua medida, seu “mel” e seu “fel”.   
Não gostar do que quer que seja não deveria legitimar o desrespeito, não compreender não deveria ter como efeito colateral imediato a ameaça e a injúria. Quem cometeu um crime, se o cometeu deveria ser julgado com idoneidade. Se uma emissora, site, jornal me agridem com sua linha editorial em meus princípios ou convicções, estejam certo, não terão minha audiência. Se alguma empresa apoia práticas que não aceito não poderei ser seu cliente.
Em relação às práticas de ações políticas, deve-se observar que se quem está sob os holofotes mexe nas peças do tabuleiro em seu próprio benefício, se os juízes da partida concordam em alterar regras, condenar sem provas, manipular e transgredir em nome de favorecimentos sejam pessoais ou a terceiros, alguma coisa de muito séria e errada está acontecendo durante a partida. Que tal discutir se estão comprando a torcida, antigos e ou prováveis adversários, os legisladores, e propagando mentiras massivamente via computadores, líderes reliodiosos, ou verbas publicitárias... veja a que ponto se chega.
Pensemos: qual condômino aceitaria como síndico, um morador que já se tivesse declarado a favor de um torturador, tivesse planejado um atentado à bomba, tivesse sido expulso de sua corporação profissional, tivesse exercido atividade profissional subsequente durante quase trinta anos sem nenhuma contribuição relevante em sua área; tivesse histórico de práticas misóginas, machistas, violentas e intimidadoras; tivesse ligações muito próximas com pessoas de conduta no mínimo questionável em relação a grupos e práticas paramilitares? E é só o começo da lista.
Alguém poderia argumentar que foi escolha dos moradores. Tudo bem, passamos às consequências da escolha. Deveria fazer-se uma gestão para todos os condôminos, legítima, transparente, responsável, conciliatória, de diálogo, de respeito, de moderação, de realizações e avanços. Mas não foi assim.
Sobre um morador, espalhou-se, sem provas, que tratava-se de corrupto; sobre outra, que não tinha moral e honra; sobre um terceiro, escreveu em todas as paredes do prédio que era doutrinador e não mereceria o emprego que ocupava; ironizou, debochou e espalhou fake news sobre as universidades públicas  onde diversos moradores se formaram.
Para ajudar na administração do condomínio em lugar de especialistas convidou comparsas. Onde precisaria de um pedreiro, chamou um militar; onde precisaria de um pintor, chamou um militar; onde havia produtividade e competência, plantou espiões e detratores. Onde deveria haver um porteiro, colocou um seu amigo, seu confidente ou indicado por seu guru. Coagiu, intimidou, demitiu, desgraçou.
Escondeu quanto e como e onde gastava. Xingou, ameaçou, incitou e mentiu.
Quando veio uma crise sanitária mundial, muitos prédios bem mais antigos e modernos se resguardaram e se protegeram por ações coordenadas diretamente por seus síndicos e síndicas e obedecidas por todos os moradores. No condomínio Brasil, em lugar de medidas preventivas sérias e protetivas aos moradores, o síndico pensou que se tratava de virose sem importância; preocupou-se apenas em como os fornecedores de material ao condomínio poderiam manter seus lucros durante a crise.
Talvez a comparação com um síndico, condomínio etc., nem seja das mais felizes ou criativas porquanto, na realidade, no condomínio real desse síndico, escutas, requisição extraoficial de gravações, entrada e saída, com frequência de visitante, de pessoas, no mínimo suspeitas, antes e depois de episódios trágicos e dramáticos já se configure como uma realidade preocupante e não como  uma alegoria mal escolhida.
Os brasileiros erraram muito. Pelo menos os condôminos que escolheram esse síndico. Erraram também os que não votaram na reunião de condomínio que o elegeu. A ata invisível da consciência acusa.
Outros erraram em suas escolhas em outros tempos e talvez, por diversas razões, continuarão errando. Mas é preciso autocrítica e não comparações esdrúxulas e sofismos. Não estou afirmando que, como outros já escolheram errado, tudo bem. Não está. Não estava e não estará. A escolha de um apoiador confesso da ditadura e de um torturador diz muito sobre uma face desse Brasil  que se configurou e se expôs a partir da segunda década do século XXI. Mesmo após o final do mandato do síndico, por renúncia, expulsão, demissão, conclusão incompetente do mandato, o que seja, ainda teremos que lidar com as consequências e com os que permitiram a sua causa por décadas.
Muitas pessoas (insisto em ressaltar quão adoráveis as acho) absolutamente queridas e agradáveis em sua trajetória, no convívio diário, pessoal, porém, por razões as mais diversas, cegas ao horror que esse governo representa e, diversas situações, seus apoiadores, divulgadores e defensores do indefensável.
Quem roubou, corrompeu, desviou, fraudou etc. deve ter direito a um julgamento idôneo, justo e, em sendo legalmente condenado, de acordo com os princípios universais que norteiam o direito, a justiça, a democracia e a legalidade, que pague, que cumpra sua pena. Linchamento virtual sem prova, enquanto, seu líder, ou o governante de nosso país, exala esgoto, violência e ameaças pela boca, em meio ao desemprego, à morte de milhares e ao desmonte progressivo de áreas como saúde, cultura e educação é demais até quando vem de pessoas a quem admiramos ou nutrimos certo apreço e consideração.
Se em um prédio, um condômino, votou em um síndico que só faz destruir o patrimônio enquanto alega proteger o imóvel, eu o alerto, eu o chamo ao diálogo e, diante de resposta evasiva ou relativista ou então de ameaças, insensibilidade, histeria e extremismos, eu me afasto e lamento.
Em se tratando de meu país, eu luto. Com profunda convicção na mudança, porém com medo, muito medo de que, ao final do processo, o síndico já tenha vendido o que não lhe pertença: a nossa liberdade, o prédio ou os dois. Na ordem do que conseguir negociar primeiro.

sábado, 13 de junho de 2020

Poema: "Potestades", de Erivelto Reis

Potestades
Erivelto Reis

No aniversário de Fernando Pessoa

Para Cinda Gonda

Qual Hermes heteronômico
Invadindo o Olimpo
Onipresente da poesia,
Surgiu Pessoa,
Eros sedutor das palavras,
Iludido pelo amor que a elas teve.
Enquanto andas entre os símbolos,
Em que chamas consumes-te e ardes?
Coaduna-se, como Vênus, às deidades na imortalidade.
Para tua jornada poética, como não supor,
Também ter havido Concílio celestial,
Um santuário de Judas,
Ou um mapa astral de teu alcance universal?
Ao teu poder de criar mundos com poética maestria,
De mistérios e prazeres inconcebíveis aos mártires
E somente acessíveis aos fingidores e leitores,
Que podem deitá-los ao alcance dos mortais
  ̶  Daí, deste dom, desta ourivesaria  ̶  ,
Sobreveio a ira, a maldição de mirar-se
Sem especialmente admirar-se a ponto de conhecer-se...
Ei-lo dissuadido de uma existência de ser uno,
Condenado a guardar rebanhos,
Enigmático e explícito,
E a ti mesmo desassossegado, familiar e estranho.
Eu, leitor, em ritmo dissoluto,
Passo por essa vida e ler-te e não desvendar-te.
Álvaro, Ricardo, Alberto e outros tantos,
Guardam teus labirintos de poesia,
De pessoa em pessoas tão distintas.
No altar dos céus,
(no calabouço das ideias nos livros),
De onde destronastes os mitos
Revelando-lhes os véus, os vícios
E as diferentes faces que existem sob as oníricas máscaras,
Tornaste-te Narciso...
A desistir de si e a reinventar-se
Em contíguas, ambíguas
E insondáveis éclogas desnaturais.
A assistir e exacerbar o rubor,
A vergonha e as virtudes:
Dos portugueses, dos humanos e suas cartas mais ridículas...
Dos deuses esquecidos em encíclicas sem verdades!
Diante do cristalino turvo dos versos
E das águas melífluas,
Mergulha, Narciso,
Que a poesia é o paraíso perdido
Inabitável às potestades.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Poema: "Cotós", de Erivelto Reis


Cotós
Erivelto Reis

Nossa democracia
É em tons pastéis!
Nessa nova velha república,
De placebo e de coronéis...
Títulos, terras e posses,
Votos, apoios, aposentadorias
Comprados ou vendidas.
Tudo que é invendável
Aqui se negocia,
Como honra, à revelia
De qualquer apreço à ética
E à soberania.
Ao indisfarçável corrupto
O respeitável público
Pede licença.
Eis a sanha financeira da imprensa e dos bancos
Nos sites, nas redes e nas bancas
O povo nunca teve chance.
Cabrestos, fraudes, fake news,
Boca de urna, bloco na rua,
Boca de lobo, queima de arquivo...
O douto estelionatário,
Placebo, produto em plenário,
Ensina o que jamais aprendeu.
Juntam-se os astutos, seus discursos,
Seus ardis – matilha de cães raivosos
E vaidosos do abano dos próprios rabos.
Um lado usa as leis que cria e aprova a seu favor
E o outro as têm como víboras em derredor
De sua carótida.
Falsos profetas de caridade duvidosa
E ambição distinta.
Busque-se nos quartéis,
Nos motéis, nos altares...
Em lugares inconfessáveis
De tão inconciliáveis.
E nas legendas, e tendas e partidos,
As marcas da incoerência dos discursos
Compartilhados. Das ameaças tuitadas,
Explícitas, gratuitas e veladas.
Lacradores com cérebros lacrados
Não terão condição de dialogar.
Vão-se os dedos e os anéis
Ficamos sós. Cotós.
Vivemos hoje o tempo de nossos avós.

sábado, 6 de junho de 2020

Poema: "Poema de sete faces em linha reta", de Erivelto Reis


Poema de sete faces em linha reta
Erivelto Reis
Ao verme machadiano que deletou os posts, fotos e os artigos que ninguém leu

Quando eu morri,
Um anjo torto
Desses que nunca tinha levado porrada
Veio ter ao meu lado, camarada.
Era um arcanjo.
Não era um anjo da guarda.
Entendia apenas do céu
E de suas múltiplas moradas.
Não sabia do que havia no
Inferno real e virtual que andava
A corromper a porra da Terra.
E, portanto, dela não entendia nada.

Mundo, vasto mundo,
Onde é que há gente no mundo?
Mais mínimo que um coração,
Para que tantos stories, meu Deus,
Pergunta minha aflição.
Porém, meus olhos, em estado de catástrofe,
Não percebem nada.
Segui meu caminho num bonde
Na rua inútil [de cada trilha]
Na vida inútil [de cada stalker]
Em que pecados, infâmias, soberbas, luxúrias
São compartilhados à exaustão
Por todos os príncipes, meus irmãos,
Em um plot twuist, sem spoiler ou explicação.

Quando eu morri,
Não houve
Nem lápide, nem livro, entrada USB OU HDMI
Nem foto, nem post, vídeo, direct ou tuíte
De leitor, de amor, de hater,
De familiar ou de ouvinte
Apagaram-se os últimos vestígios,
O derradeiro print
De mim, de enxovalhos e de absurdas, ridículas
E obsoletas falsas etiquetas
(Diminutas éticas de baquelite e de vidro)
Nas primeiras vinte quatro horas
Antes mesmo do término do dia seguinte...
E dali em diante
Era como seu eu nunca houvera existido.



sexta-feira, 5 de junho de 2020

Poema: "Asfixia", por Erivelto Reis


Asfixia
Erivelto Reis

Porque é pobre
“É suspeito, esquisito”
Não existe explicação
Quando a cor da pele é o veredito.
“Acidente, sem querer, brincadeira”,
“Apelido”...
Não existe atenuante
Quando a sua motivação é o racismo.
É tragédia, é histórico, é fascismo
Eliminar o outro
Porque a cor da pele é o veredito
É asqueroso, inaceitável, incoerente!
Ninguém deve “passar pano”
Para um crime inaceitável.
Causar dor ao outro
Como se o outro não fosse humano.
Não é pela cultura, por vocabulário
Não é pela religião,
(essas que nem ao menos deu-se ao trabalho
de estudar ou conhecê-las)
É por maldade, por desrespeito.
Liberte-se dessas correntes,
Desses preconceitos, dessa violência
Desse palavreado doentio e obsoleto
Liberdade e igualdade
Não são “coisa de preto”
São coisas de toda gente
De qualquer um
Que tenha alguma consciência e respeito.
Mude o jeito, dê o exemplo
Comece a melhorar agora
Que a conta começa a ser paga
E ainda há de faltar tempo.
Não se omita e se meta,
Se a cor da pele preta
Se a cor preta da pele
Está encharcada de sangue,
Dor, sofrimento e pranto.
O DNA não nega
No Brasil e na América
É tudo preto no branco.
Aguarda, que vem o troco,
Falso moralista, racista,
Branco escroto.