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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 10 de dezembro de 2022

Poema: "Hexagonia", de Erivelto Reis

 

Hexagonia

Erivelto Reis



Eles já saíram daqui derrotados...

Primeiro, porque não saíram daqui,

Partiram planejando não voltar

Ou só voltar a turismo, ou pra buscar asilo

Ou pra negociar dívidas e dividendos...

Ou por ostentação e esnobismo:

Filho pródigo pronto a desmentir

Qualquer exame de DNA.

Poucos voltam para transformar, contribuir, semear,

Há gente assim, que volta só por querer estar

Ou se há...

Não posso nem culpá-los por não querer voltar.

Mas eis que se encontram derrotados,

Porque realizaram tudo o que sonharam quando

Conquistaram os códigos financeiros do mundo

Mas não puderam conquistar o mundo,

Que foi o que sonharam

Quando descobriram do que eram capazes.

Aí não, rapazes...

Fugiram de onde estavam

E de lá só levaram raiva, trauma,

E cicatriz.

Vestiram uma roupa que de longe

Lembra as cores de nosso país...

Mas que de perto...

Tá certo, fizeram só o que lhes ensinaram,

Talvez até revidaram, deram o troco

Pagaram na mesma moeda: “despreza a quem te despreza!”,

Enquanto bancam com o orgulho a conta do seu desprezo.

Ainda há traço de humanidade suburbana e periférica

Na comoção que os meninos descalços e hábeis

Com a bola nos pés e os pés no chão lhes causam.

Há também a espreita de um negócio rentável.

Sua posição não é nem um pouco confortável:

Saíram pra só voltar consagrados

E sempre que voltam

O seu retorno é magoado...

Porque marca algum sonho adiado.

O país que idealizaram os ignora enquanto idolatra seu talento...

O país que abandonaram não melhora.

Alguns deles são só por fora a capa que esconde

O estranho espectro do que são por dentro.

Eles já saíram daqui derrotados!

E sua meta inconsciente

Talvez não seja erguer a taça

E sim, voltar pra casa...

Para realidade de que escaparam.

Por isso não voltam.

 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Poema: "Rapina", de Erivelto Reis

Rapina
Erivelto Reis

Os corvos pairaram hoje...
Uma revoada deles.
Diz-se sobre eles
Que memorizam rostos
E prestam-se a ritos fúnebres.
Por isso a alcunha lúgubre...
Eram lobos travestidos de cordeiro,
Sentiam a muitas léguas
O aroma do dinheiro...
Eram corvos, abutres,
Arrogância, prepotência, embuste.
Os corvos pairaram hoje.
Gafanhotos devorando tudo
Tsunami afogando a todos.
Um bando deles:
Corvos ontem e hoje.
Bicam-nos a íris, antianestésicos,
Mutilam-nos, dilapidam-nos...
Locupletam-se,
Mas não nos cegam mais.
Em plena luz do dia,
Os corvos pairaram por aqui hoje. 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Texto: "É preciso reverenciar “Narciso”: Caetano Veloso – 80 anos", de Erivelto Reis

 

É preciso reverenciar “Narciso”: Caetano Veloso – 80 anos

Erivelto Reis

 

Caetano é ou pode parecer ou pode assumir a postura de caricatura crítica contra um país em muitos aspectos sem autocrítica, careta, conservador.

Caetano é o mais decolonizado compositor brasileiro de uma visão periférica que pretende colocar a alma mística e múltipla das sensibilidades da arte brasileira em evidência. Traçou e executou dezenas de expedições de resgate e reconhecimento aos grandes ícones da arte brasileira, de nosso pensamento mais genuíno e criativo. Aguçou, ampliou e compartilhou horizontes de nosso olhar. De Guimarães Rosa aos irmãos Campos; de Glauber Rocha a Oswald de Andrade; de Luiz Gonzaga a Roberto Carlos; de Londres a Santo Amaro; de Realengo ao Haiti.  Soube, com generosidade e intensidade, ler os poetas de seu tempo e os que vieram antes e lhes pontuou a ambos o epicentro de seu fazer poético. Em alguns, simplesmente, emulando a essência, ou o perfume de suas palavras. Em outros, mergulhando e reposicionando metáforas esquecidas e incompreendidas. Ele próprio, enquanto poeta da composição, autor de metáforas de mil matrioskas.

Foi rebelde, foi cirúrgico, foi abusado, foi e é generoso com os novatos. Estabeleceu alianças em favor da música, reverenciou o pop, o samba, o rock, o baião, o axé. Tem um som que é inconfundível e uma voz cuja melodia, entre o falsete e o cristalino da emissão, parece oscilar fora do controle de seu emissor. Mas é só uma impressão: uma assinatura vocal. Caetano controla tudo que é seu talento. Um canto com doçura de voz materna a embalar os filhos ecoa na entrelinha de cada nota.  Universal e circunstancial. Se queres ser universal, canta a tua aldeia, tomando por empréstimo Tolstói. Ou vire um meme, um viral. Caetano já passou atravessou essa estrada que nunca passou.

Sua aguçadíssima inteligência, aliada a uma erudição que faz conversar o cinema, com a filosofia, com as artes plásticas, com a literatura, com a história resulta na plasticidade de cada apresentação tornando-as únicas experiências de imersão e deleite: Caetano tem uma semiose particular pra letra, pra música e para a apresentação que faz nos palcos ao vivo ou pela internet ou pela televisão. É o conjunto do que o artista propõe a apoteose de sua performance. Isoladamente, cada componente pode gerar no público a percepção de que o artista ou está se inventando ou avançando em seu projeto de brasilidade: um projeto antropológico de investigar e denunciar o belo, o abstrato e o periférico que há na alma brasileira. Não como uma espécie de antropofagia ou uma anarquia artística: “o que me doeu naquele momento foi perceber que eu me expressava numa língua cuja literatura ainda não é suficientemente conhecida no mundo”, disse certa vez o artista –, mas como uma consagração do culto à força da palavra, da música e da interpretação.

Polêmico quando preciso, resistente e corajoso. Caetano sobreviveu à violência psicológica da ditadura e a denunciou. Virou símbolo de resistência e continuou denunciando um país cujos poderosos são violentos, preconceituosos, corruptos e se escondem na barra dos discursos conservadores e hipócritas.

Reverenciou e colocou o rei na pauta da MPB, tropicalizou, lacrou, confundiu-se às vezes, e não cancelou ninguém. Sempre abriu espaço para o diálogo com as mais diversas vertentes da música popular. Transitou entre o barroco e o realismo, exaltou amigos, bateu de frente com a crítica reacionária e mal-intencionada em festivais da canção. Respondeu com humildade aos desaviados, e com força e ironia aos teleguiados. Vê-lo conversar é ter a certeza de que ele pensou mil vezes antes de falar e que, no exato momento em que fala, está descobrindo um novo caminho para o pensamento.

Ao lado de Gil, seu amigo, eternizou uma grande parceria artística, marco de grande resistência contra o obscurantismo e a prepotência dos arrogantes, de seus lacaios e dos poderosos.  Tornou-se um símbolo do Brasil no mundo: “Futebol”, “Rio de Janeiro”, “Praias”, “Bossa Nova”, “Caetano Veloso”, talvez não nessa ordem.

Múltiplo, mais do que ser utilizado como um modelo ou parâmetro para os novos compositores, compor como Caetano, ou compor algo de que Caetano gostasse ou mesmo gravasse – “caetanear o que há de bom” – não é tarefa fácil, tornou-se uma meta, um acontecimento. Caetano sabe disso, e abraça pelo canto, pela participação e pela reinterpretação de canções. É a forma de parceria que oferece mais continuamente. Além de expressar apreço por seus contemporâneos e, por vezes, surpreender em suas regravações como nas ocasiões em que gravou cantores e compositores “populares/popularescos”.

Que difícil deve ser montar um set de show para o artista! Tantas canções fabulosas! Algumas que são ícones de resistência e coragem como, por exemplo, “Alegria, alegria” (pode chamar de “sem lenço, sem documento”); ou símbolo do mais profundo e comovido lirismo como “Coração vagabundo” ou “Cajuína”.

Debaixo dos caracóis dos cabelos do artista, ativista e multitalentoso Caetano Veloso há muitas histórias pra contar de mundos distantes, mas também da trajetória brasileira ao longo do século XX. E nem vale para o seu aniversário a expressão: “Caetano soube envelhecer bem”. Apesar dos muitos cabelos brancos em sua fronte: “o tempo não para e, no entanto, ele nunca envelhece”.

Para mim, Caetano foi, primeiramente, o artista debochado que cantava “eu sou a filha da Chiquita bacana” ou “O leãozinho” em participações no programa de humor d’Os Trapalhões. Depois transitou pelo meu imaginário no cenário do pop-rock nacional com “Eclipse oculto” e “A gata comeu”. Passeou pela pretensamente romântica “Baby” e pela sensual “Você é linda”. Depois, ao ouvir os discos de Bethânia, frequentemente, as canções de que eu gostava era composições de Caetano, como por exemplo “Ela eu eu” ou “Drama”.  Até se consagrar em meu imaginário como sinônimo de talento, erudição e como grande compositor brasileiro. Em parte, a compreensão da dimensão mítica da importância do artista se deu em função das aulas de História e de Literatura na escola pública brasileira. Oportunidade que sistematicamente os governos vêm tentando tirar de meus alunos. Mas que eu não vou deixar. Caetano é uma força de resistência contra a opressão e injustiça através de sua arte, de seu testemunho e de seu discurso.

Entre as minhas preferidas daquelas que Caetano interpreta estão “Fora de ordem”, “Haiti”, “Sampa”, “Podres poderes”, “Mora na filosofia”, “Não enche”. “Terra”, “Língua”, “Objeto não identificado” ... são dezenas de canções e composições lapidares.

E “Força estranha”, “Dom de iludir”, “Reconvexo” e “A dama do cassino” entre as que compôs. Salve Caetano Veloso em seus 80 anos apontando para a expansão do universo. Artista, qual Narciso que aprendeu a admirar o que é imagem e o que é espelho.

Registrei aqui algumas memórias rápidas, alguns flashes de minha relação com o artista e sua obra e minha homenagem pela passagem de seus 80 anos. Evidentemente, quem entende desses parangolés todos não sou eu. Vão ler Roberto Bozzetti, Cícero César, Rafael Julião, Eucanaã Ferraz e mais uma turma de bambas que estudam e entendem profundamente a obra do artista e dos meandros da música popular brasileira e de sua formação para o imaginário cultural brasileiro, além de serem ouvintes sensíveis e atentos da obra do intérprete.

 

 

sábado, 23 de julho de 2022

Poema: "Morrente", de Erivelto Reis

 

Morrente

Erivelto Reis

 

Porque eu nunca vi você,

Mas li sua tese e pensei que...

 

A morte é perder tudo

O que a memória não pode mais tocar,

Tudo o que a alma não pode mais sentir...

A morte é perder sem competir.

Precipício sem princípio e sem fim,

Um portal pro antes e o depois de cada um de nós,

Um grito estarrecido e sem voz

Na consciência do que nós só somos quando nos vemos sós.

A morte é o ocaso de todos os sóis.

Eu estava caminhando no quintal do mundo,

Numa trilha de sonhos sem imaginação que eu criava,

E de repente a sua imagem assaltou meu dia:

Era o jeito como você falava, o jeito todo seu de só ficar na sua.

A morte é ser o único menino sem infância no raio da sua rua,

O único insone na noite das inquietações da vida.

Irmão na dor de desconhecidos,

Esquecido na dimensão de seus sofrimentos.

Ator representando mal o drama de seus infortúnios.

Senhor de nada, expulso de seus domínios.

Choro, mas não escorre a lágrima,

Dói em mim a falta de quem vive,

Dói em mim a presença de quem morre.

Peço ajuda, silencio, escrevo e sucumbo porque a vida para!

Um vinco de erosão e tristeza

Marca para sempre a estrada da minha cara.

Alguém estranho ou conhecido não me venha dizer

Que o tempo cura tudo e que tudo sara...

A morte é o estado de sítio, de coma e de choque

Daquilo que era um mundo

E desmorona aos primeiros acordes,

Não importa a melodia, a semântica, a sintaxe,

Da notícia da trágica verdade anunciada.

Eu estava longe e estava perto quando eu soube:

E depois disso eu nunca mais soube direito de nada.

Perdi o rumo da vida, perdi o rumo de casa.

Implodi, ruí, caí, cabum!

Depois disso, nem mais um minuto,

Nem mais um segundo! Nenhum...

A morte de quem amamos não nos redime,

Antes, define o fim da pré-história

Na vida de cada um.

É perder tudo

O que a memória não pode mais tocar,

Tudo o que a alma não pode mais sentir...

A morte é perder sem competir.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Poema: "Breve estudo sobre o descontentamento da alma", de Erivelto Reis

 

Breve estudo sobre o descontentamento da alma

Erivelto Reis

 

Morava qualquer dia, em qualquer tempo, em qualquer rua,

A não ser quando amava.

Nesses dias o endereço era a alma.

Bastava isso:

Era o que entendia como aura.

Mas houve algo,

Uma chuva, vendaval de lava.

Erupção vulcânica

De paixão em estado de brasa.

A partir daí qualquer distância

Esgotava.

Não era isso o que queria:

Um desejo sem prazer

Um vício sem querer

Experimento de laboratório

Coração triste, cobaia em redoma de vidro.

Alma foi ficando sem brilho,

Sem luz...

Foi ficando calada, calada...

Não é ter o que se quer o almanaque do amor

É amar sem medo de perder.

Um breve estudo provaria a tese.

Depois de saltar o abismo,

Pular pra dentro do abismo

É um misto de desastre, pessimismo

E estoicismo.

Podem fazer a necropsia,

Não vão encontrar vestígio, nem sentido.

Há somente a arcada dentária

Do que outrora foi sorriso...

Um crânio sem um Hamlet,

E uma víscera que pulsava

Agora calcificada e fria

transformada em pedra.

História de amor assim

Só a vida engendra, repete e copia.

Passou um trovador nesse instante

Cantando uma cantiga que glosava esse tema.

Foi um arauto ou um clown?

Talvez apenas alma desencantada,

Viajada, vigiada, viajante, vigilante...
Possa converter o horror ao credo da poesia.

Quem vai saber de cor o amor

Quando o susto do adeus é grande?

Morava qualquer dia, em qualquer tempo, em qualquer rua...

A não ser quando amava!

Nesses dias o endereço

Do começo e do fim do mundo era a alma.

 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Poema: "Escaques"

 

Escaques

Erivelto Reis

 

O que é um ser caminhando

Sorrindo ante uma ideia

Surgida de seu pensamento?

Um apaixonado,

Inspirado,

Um obstinado...

O sangue pulsando na artéria,

O que é um ser caminhando

Sorrindo ante uma ideia

Gestada pela educação e pela sensibilidade?

Um astronauta em si mesmo,

Um oráculo do próprio destino,

Um moço, um mártir, um velho menino.

A chegada da primavera...

O que é um ser caminhando

Sorrindo ante uma ideia

Nascida do bem e da verdade?

Um peregrino, um bem te vi, um bem querer...

Um homem sorrindo,

Com vontade de viver,

Pra ver o fruto de sua esperança acontecer.

Uma mãe embalando o filho,

Um jardineiro deslumbrado

Com as cores e o perfume das flores

Do próprio jardim,

Um lavrador semeando o trigo,

Um dia amanhecendo na alma

Da eternidade de um Deus que libertou-se,

Um palhaço arrancando um riso,

Um ator arrancando aplauso,
Os amigos que a vida trouxe...

O que é um ser caminhando

Encantado por uma ideia?

Uma tela virando um quadro

Apenas um ser entretido

Com a música da natureza e da poesia...

Avança a passos largos,

Talvez tímido, resoluto, inexorável!

Um fluxo de água contínuo,

Uma fé incomensurável na Arte,

Um místico compositor da própria serenidade.

Uma múltipla pétala enigmática e transparente:

Espelho de mostrar gente,

País de todas as gentes,

Berço da fraternidade.

O que é um ser caminhando, autor da própria epopeia:

Enredo pra mil carnavais!

Uma peça única no tabuleiro,

Uma construção que resiste aos vendavais.

Acolhimento, abrigo, incentivo...

Coração de inigualável quilate,

Um rei a salvo de qualquer xeque-mate.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Poema: "Dactiloscopia", de Erivelto Reis

 

Dactiloscopia

Erivelto Reis

Para o House

 

O luto é a décima primeira impressão digital.

Depois dele, em tudo o que você tocar,

A marca permanece...

É a memória que o Alzheimer não alcança

É o milissegundo em que a criatividade fica inerte.

Arcos, presilhas, verticilos

Um raio explodindo o hipotálamo

O limbo límbico de um adeus em looping...

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Poema: "Parasita", de Erivelto Reis

 

Parasita

Erivelto Reis

 

Não! Ela não é esquisita

Ela não é narcisista

Ela não é egoísta

Ela é empoderada,

Ela é antirracista.

 

Ela não engole teu falso fetiche

Ela tem a manha da periferia,

Da baixada, de Nikiti,

Tem a sabedoria da vida

Ela sabe o valor de Frida.

Você diz ler Fanon, Niketche,

Você pensa que se safa, que agrada, que bomba

Dizendo que lê (sem ter lido) aquilo que está escrito

Nas obras de Grada Kilomba, Djamila, Djaimilia,

Paulina Chiziane, Carolina Maria de Jesus, Bell Hooks,

Maya Angelou e Conceição Evaristo...

Ela entendeu teu cinismo, teu machismo,

Teu falso academicismo...

Ela sabe qual o tempero.

Ela é um oceano inteiro

E você é uma poça d’água.

 

Machão, patriarcal, vê se te manca,

Diz que é homem de bem, cheio de moral

Que tem até amigo assim, amigo tal,

Que até curte ouvir

Lineker, Majur, Emicida,

Elza, Agnes, Gog e o escambau

Ela sabe que tu finge,

No teu X-streaming

Só toca o lixo de tratar a mulher

Como objeto sexual.

Jamais assistiu Rita Von Hunty,

Nem trata mulher com respeito...

O que te define é esse falso verniz

Esse discurso pronto, esse caráter vazio,

Esse assédio descarado em tudo

Quanto é rede social

E esse eterno ajeitar de pau.

 

Disfarçando, à luz do dia,

Ao cair da noite, se embriaga

Em sua ética machista, racista e ultrapassada

Que pela violência e pela força é sustentada

Mas nem pensa, nem tenta,

Que ela não vai ficar intimidada

Venha de onde venha,

Ela te enquadra na Lei Maria da Penha,

Se apega com os orixás, com os santos,

Com a Sororidade, ela te bota na linha:

Ela se enche de coragem,

Pois sabe que não tá sozinha.

 

Não! Ela não é esquerdista,

Ela não é mal amada,

Ela é esclarecida,

Ela não é sexo frágil,

Ela é empoderada.

 

Sustenta a própria família

Ela é cheia de talentos,

Disposição e argumentos.

Ela te quebra na ideia,

Ela te quebra na ginga...

Se bobear, se afrontar,

Te manda um avada kedavra,

Te quebra bonito na palavra.

Não vai botar galho dentro.

 

E ainda leva de quebra,

Um solo da Nina Simone,

Um samba da Clementina, um ponto de Santa Bárbara,

Uma risada espontânea e uma flor no cabelo,

Leva um passa fora, leva um desmantelo,

Leva uns comigo-ninguém pode e umas espadadas de São Jorge.

 

Leva uma pá de poesias

De todas as Minas do Slam,

Leva uma ironizada,

Tu diz que é o bam-bam-bam,

Que tem jeito de artista? ...

Ela sobe no salto,

Ela manda é na lata: “Ah, tá, tô sacando, aham!

Desce do palco,

Para de show, para de zica, parasita!”

 

Vem de mainsplaining, pra ver!

Que leva voadora no peito,

Uma boa desmoralizada,

Nesse teu preconceito, orgulho

De um mau sujeito...

 

Não! Ela não é esquisita

Ela não é narcisista

Ela não é egoísta

Ela é empoderada!

 

Se você não percebeu,

É porque você não entendeu nada.