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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 8 de abril de 2023

Poema: "Senhora minha, Estrela Dalva"

 

 

Senhora minha, Estrela Dalva

Erivelto Reis

 

A você devoto o meu apreço,

Pequeno gole sorvido de um imenso rio,

Talvez um fio de poesia.

Uma estática admiração brejeira,

Tal qual um menino antigo que viu um dia

A trupe do circo surgir na rua da feira,

Malabarismos, dramas, rugir do coração

Em seu peito, cidade perdida pros lados do interior.

Flâmula da música popular brasileira,

Devoto a você a emoção

Que sua voz provoca em minha alma.

Uma perpétua comoção que surgiu

De repente, tão espontânea,

Maria Bethânia,

Senhora minha, de minha alma agreste.

Ouvi dizer que você só pode crer

Num amor que se traduza em canções,

Poesia e prece.

Eu quero agradecer

Por toda vez que o som da sua voz

Encheu de esperança a minha vida,

Estrela Dalva, constelação,

Caminho, trilha, ilha, lumiar...

Por toda vez que o som da sua voz

Curou minha alma

E me fez acreditar no céu, no amor, no mar.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Poema: "Endereçado", de Erivelto Reis

 

Endereçado

Erivelto Reis

 

Não me venha com essa

Ladainha:

Procurar um cristo que more

Apenas na igreja aberta.

Deixe de conversa...

O cristo estava faminto,

Descalço, caído,

Assustado na calçada:

Perdido no tempo na porta do templo...

Não me venha com essa:

Procurar um cristo delivery,

Estrela eurocêntrica da decadência ocidental

Ou pregado e obediente, atendendo de quinta a domingo...

A guarda municipal passou ainda há pouco

E o restituiu à condição de

Morto insepulto, semimorto,

De ser invisível e semideus natimorto.

Ele estava com fome, maltrapilho,

Sem pai, sem mãe, sem filho e sem nome...

Não venha bancar o culto,

O esclarecido, o fraternal...

O cristo mesmo mora na orla do desemprego,

Na falta de leito no hospital,

Na mãe solteira e sem trabalho,

Sem creche e sem direito

De dizer o que quer para si mesma

E para o seu próprio corpo.

O cristo não mora na igreja:

O cristo é o alvo que você tanto apedreja

Com teu preconceito,

Teu comportamento de bando, de seita...

O cristo está onde você

Não quer enxergar que ele esteja.

O cristo está na sexta-feira

Sem amor, sem pão, sem janta e sem paixão

O cristo não mora no mesmo

Endereço que você que não tem compaixão.

Ele sabe do teu fetiche pela violência

E pelo linchamento desde o mais antigo testamento.

O cristo resiste e não escuta a tua cantilena

Disfarçada de falsa oração.

O cristo não mora na igreja:

Ele está na luta por igualdade, ao lado dos humildes e humilhados,

Distante dos trapaceiros, dos vendilhões e escroques.

O cristo não é bélico, não é banqueiro, nem mercenário.

O cristo está no trabalhador explorado,

Na chaga dos oprimidos e cansados.

O cristo não mora na igreja:

Perambula por entre

Uma arquitetura urbana e hostil, uma réstia de sol

E uma hóstia distribuída em lugar de terra

Para semear o trigo para produzir o pão.

O cristo não mora, não amole!

Quanto mais você pede,

Mais ele fica de fora, menos ele te socorre.

Ele não frequenta a casa de corrupto,

(Você pode até ficar puto),

Fingindo três dias de luto...

Guardando dinheiro no cofre

(Arrecadado na tua empreja).

A riqueza é o teu real rosário.

Ele não mora na igreja,

No ouro dos altares, no volume dos louvores,

No vermelho sangue do vinho caro,

No interior do teu carro importado e blindado,

Nas imagens de escapulários.

Ele está na dor dos que são refugiados,

No silêncio dos desenganados,

Naqueles que você despreza,

No coração dos que você explora,

E na existência dos que você rejeita!

Ele não mora na igreja,

Ele está onde o amor resiste.

Mas é só ver você que ele corre,

É só ver você que ele morre.