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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 22 de março de 2021

Poema: "Lacrado", de Erivelto Reis

 

Lacrado

Erivelto Reis

 

Estou cansado de ficar vivo

Para não conseguir viver...

Em estado de coma, lúcido,

Aterrorizado,

Estarrecido,

Suspenso entre qualquer coisa

Semelhante ao ato de respirar

E o de tentar escapar da morte...

Da dor não é possível escapar!

Nem do medo e da tensão...

Sou uma pessoa em guerra civil,

Apavorado, na trincheira,

Coberto pela sombra do inimigo

Que vem matá-lo.

Sei de milhares de compatriotas

Que se alistaram na horda

Dos que nos querem mortos,

Lobotomizados ou humilhados...

Nessa ordem de prioridade e caos.

Trazem consigo armas, mentiras e versículos deturpados.

E podem atirar em mim a qualquer momento.

São letais e estão próximos demais.

Trazem a ética corrompida (como o DNA de um vírus).

Sou uma pessoa em estado de sítio,

Que assistiu tantos irmãos sucumbirem

Ao extermínio em massa

Dos de sua própria terra...

Mortos pela doença

E pela atrocidade feroz

De um governo composto por assassinos,

Covardes e estúpidos.

Estou interditado, silenciado.

Sobrevivente, por enquanto apenas,

Sepultado sem velório todo dia um pouco

E a cada dia mais...

Não existe céu, somente o cheiro de éter

E a dor do reconhecimento

Do corpo de um ente amado,

Embalado,

Depositado sobre a mesa fria em uma morgue.

Há um calendário que se cumpre,

Uma ordem estabelecida.

Brasileiro:

Morto comum, caixão lacrado,

Ou executado ainda em vida.

 

terça-feira, 16 de março de 2021

Crônica: "Sobre o judiciário brasileiro", Erivelto Reis

Sobre o judiciário brasileiro

Erivelto Reis

    O judiciário brasileiro é, em sua grande maioria branco, fundamentalmente educado segundo uma visão eurocêntrica do mundo, formalmente atrelado, seduzido ou postulante aos padrões culturais e de comportamento de uma elite privilegiada, calcada em possuir, consumir e em estar ou encontrar meios de colocar-se acima dos desígnios e do alcance da leis. Ainda que para tal intento, subrepticiamente, tenha de modificá-las ou interpretá-las sob patrocínio dos mais inominados conluios com os que legislam e os de sua casta que detenham o controle dos meios de produção.

            A aberração de seu juridiquês, suas togas e impáfia, não são símbolos de objetividade, austeridade e firmeza de convicção. Antes, ensinados desde os primeiros passos de suas vidas que o poder a eles pertence, através de palavras ou ações, empertigam-se e mesmo se forem descendentes das costumeiras raias dos mais pobres, dos mais vulneráveis, tendem a se colocar na fronteira inexistente (porque trata-se de um abismo) entre a classe média e a classe rica.

            A classe dos que lecionam, no entanto, contundente e predominantemente formada pelos que pertencem, descendem diretamente ou que optaram por trabalhar pelos mais pobres e mais vulneráveis não conhece qualquer privilégio, pouco ou quase nunca desfruta de reconhecimento verdadeiro da sociedade ou das elites que governam, além do que mecanicamente significa entender que o Professor, como engrenagem, cumpre o seu papel. A estes e estas pobres não é dado poder, influência ou condições superiores de trabalho. Conhecem apenas o mínimo que seja para que sigam trabalhando. E alguns, nem o mínimo conhecem.

            Entre a madeira nobre que orna os tribunais, ou a arquitetura moderna com que se construíram e a formalidade dos paletós com que se vestem os avatares desse teatro e o espaço predominante precário da sala de aula há dois universos num balé sombrio, inexorável: o poder e as regalias que possuem os homens poderosos que podem deferir como legítima a morte de qualquer utopia e a escassez de respeito e boa vontade em favor de todo e qualquer professor ou professora, pessoas que podem ensinar verdadeiramente a liberdade e o desejo por ela às pessoas.

            Não são os tribunais que tornam um indivíduo livre. Haja visto que em alguns a justiça e a verdade não entram. O espaço da liberdade é o da sala de aula, é o da educação.

Poema: "Baleia", de Erivelto Reis

 

Baleia

Erivelto Reis

 

Há brasileiros maus, sim. Muito maus.

Não são todos, mas são muitos e são maus.

Marginais não marginalizados.

Criminosos não criminalizados.

Ricos, pseudorricos, pseudointelectuais de raiz...

Interessados em EUA, BMW, ARK

Armados, hipócritas, dogmatizados, teleguiados.

A estes não interessa diálogo, compaixão e respeito:

Sabem que cruzaram um caminho sem volta,

Que apoiaram e traíram seus irmãos e amigos...

Negacionistas com seus sacramentos de preconceito,

Com suas liturgias de violências, traumas e taras.

280.000 almas entoam a ópera trágica de seus nomes...

Mais um dado fundamental entre tantos dos quais são

Completamente ignorantes.

Ignorantes, não inocentes.

Há muito sangue em suas mãos, consciências e dedos.

Há muitos brasileiros maus,

Estão lado a lado conosco...

Mas se julgam melhores que nós.

Nos oprimem, nos olham e nos perguntam

De que é que nós sentimos medo.

Quanto desatino!

Nenhum céu de preás.

Apenas um líder equino.

Ei-los:

Os bons brasileiros maus

E seu mandatário genocida e assassino.

 

segunda-feira, 15 de março de 2021

Poema: "Spotify", de Erivelto Reis

 

Spotify

Erivelto Reis

A partir do mote de Cícero César

 

Uma profusão de agendas,

Pautas para todos os tons.

Cada um que chega

Não parece querer ser mais um poeta,

Cada um que chega não parece

Querer ser mais um irmão...

Parece querer possuir, recriar a poesia,

Parece querer requerer patente, recriar o som...

Há muralhas de cacos e diagramas,

Um mapa mental pra lugar algum,

Uma playlist de notórias lacunas.

Anônimas referências de qualquer ninguém

Dispersas por nenhuma parte.

Enxergar, ouvir e ler de fato o outro,

Suas incoerências e sua arte:

Hercúleas tarefas que quase ninguém faz!

Pode não haver nenhum filme inesquecível

Na Netflix do teu pensamento,

Uma ausência programada em série.

Eis que nada nos salvará da selva

Narcísica, egoica, agônica, tecnológica, voraz.


Existe uma história que só se conta em silêncio:

Não existe amor no Spotify!


quarta-feira, 10 de março de 2021

Poema: "Irremediável", de Erivelto Reis

Irremediável

Erivelto Reis 

 

Se eu não chegar a receber a cura

Se eu não for capaz

De atravessar todo o túnel, 

Se eu não conseguir,

Se eu me perder daqueles que mais amei...

Tem um poema guardado em algum lugar:

Um manuscrito que eu não terminei...

Tem um dia inesquecível

(Dos muitos que tivemos)

Que me vem à memória

Cada vez que o amor é mencionado.

Tem aquela foto que eu tirei

Com os nossos filhos

Na cidade das Flores

E que tanto me faz pensar

Na vida como um Rio Verde...

Tem aquele livro que eu ganhei do Primitivo,

Alguns bons amigos tão queridos...

Um pôr do sol que assistimos em Monserrate

E o meu silêncio estúpido

Diante do túmulo de meu pai e minha mãe.

Se eu não puder conhecer a terra mãe de nossa Literatura,

Com seus deuses e mártires,

Há tanta história preservada e que talvez não possa ser contada.

Há um maço de cartas, confissões apaixonadas...

Há talvez alguma pessoa

Que se lembre que eu a incentivei.

E uma dedicatória especial...

Há a casa de minha infância, um nome

O meu nome, nascido da admiração

E da crença humilde de meu pai

Num mundo de música e de arte,

E que se vai perdendo, irremediável...

Há uma biblioteca que ganhei de presente

O talento para a vida

Que os meus descendentes têm...

E as vezes todas que eu e o meu amor

Adormecemos de mãos dadas.

Se eu não chegar a ver a luz no fim do túnel,

Que meu sonho seja luz, dia claro,

Esperança e incentivo aos que ficarem

Para que a felicidade seja o ponto de partida,

O meio do caminho e a linha de chegada.