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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Poema "Soleil", de Erivelto Reis


Soleil
Erivelto Reis

Que este poema é um circo
só o público,
se houver público, não sabia!
Gargalhadas são ouvidas
enquanto as metáforas-palhaço
tropeçam na gramática
perecível da palavras
poema, poesia,
respeitável...
Lá no alto da lona
o poeta vai à lona,
o leitor vaia
e aplaude com as pálpebras,
eventualmente,
com um sorriso esboçado
com uma lágrima derramada.
Há um trapezista apaixonado
escrevendo confissões
que chama de poemas.
Entre uma queda amorosa e outra
que pode, por força da inércia do amor
e da gravidade de amar,
muito bem ser a última...
Há um domador de feras, criador de jaulas,
tentando domar a si mesmo,
fera humana de sarcasmo,
autopiedade e egoísmo...
Nesse número, muitas feras são sacrificadas
e muitos domadores morrem.
Ninguém é feliz por mágica,
não tente fazer isso em casa.
Que este poema é um circo
só o público,
se houver público, não sabe ainda!
Ninguém nota...
Outra forma de espetáculo
é observar a lástima
julgando-se a salvo (por enquanto).
No céu da boca
ocorre o equilibrismo dos silêncios
e o malabarismo de não precisar
prestar atenção às ironias
que mastigamos e engolimos como pipocas!
Não é show o amor que para,
que não continua...
Indócil, já outra plateia se insinua.

Poema "Poli", de Erivelto Reis


Poli
Erivelto Reis

“Sólido limitado por polígonos”,
Ignorância e fascismo
Mas “tudo que é sólido desmancha no ar”...
Um objeto com várias faces
E nenhuma identidade
Com a Democracia, a Educação e a Liberdade...
Poli
Conte sua versão do horror
Da pluralidade
Duas caras: ensinar a pensar,
Não pensando?!...
Tô aqui pensando:
Tenho asco e luto!
Sei que o medo entre os boçais será maior.

Poema/paródia "Jair", de Erivelto Reis - sobre poema "José", de Carlos Drummond de Andrade


Jair
Erivelto Reis

E agora, Jair?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, Jair?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que é perverso,
que odeia e confessa!?
e agora, Jair?

Não valoriza a mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode se esconder,
continua a tramar,
a ruína dos pobres,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
veio a distopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, Jair?

E agora, Jair?
Suas estúpidas palavras,
sua quadrilha de filhos,
seu torpe guru,
sua idioteca,
sua sanha por ouro,
suas fake news,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer entregar o país,
tem gente que não deixa;
tem de se exilar,
nem se incomodou;
quer ir para Minas,
Brumadinho não há mais.
Jair, e agora?

Se você pensasse,
se você entendesse,
se você respeitasse
quem fosse diferente,
se admitisse,
sua canastrice,
se se comovesse...
Mas você não se comove,
você é duro, Jair!

Sozinho no escuro
sua mente é um vácuo,
sem categoria,
não assume a culpa
de não saber governar,
cercado de assessores
que tramam outro golpe,
você marcha, Jair!
Jair, para onde?

José
Carlos Drummond de Andrade (1942)

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Poema "Deprê", de Erivelto Reis

Deprê
Erivelto Reis
Depressão é um vazamento eterno,
por vezes intenso, 
da paz que deveria nos bastar.
Nada sacia, nada conforta,
nada alimenta:
nem a alma, nem os sonhos.
Os sorrisos são braçadas descoordenadas
Num mar de afogamento
E desespero.
Depressão não é covardia,
Preguiça ou ódio da vida.
É um grito silencioso por ajuda,
Carinho e conforto.
Um grito nem sempre percebido.
Outro dia foi uma dose a mais,
depois um porre.
Outra hora é a insônia, uma ansiedade,
Um pânico...
O dia raiando na noite de nossa angústia
E a sensação de não servir pra nada,
Não haver produzido nada,
Uma mágoa inflamada, latejante
E prolongada.
Um desejo de se desculpar
Aliado a uma culpa que não se explica
E que não quer passar.
Não é vício, não é perversão,
Não é soberba, nem timidez!
É depressão.
É um inquilino de sua alma
Sublocando compulsivamente seus
Pensamentos à melancolia e ao isolamento.
São traumas se recriando
No oculto vazio da espera.
Uma sombra sob a retina,
As mãos arranhando o tempo
O tic-tac obsceno do coração
Como uma bomba-relógio...
É um sofrer que se diz exagerado,
É um viver que se pressente como farsa.
É assistir o rascunho de si mesmo...
Realizar a revisão
Do próprio necrológio.

sábado, 20 de abril de 2019

Poema "Acontecimento", de Erivelto Reis

Acontecimento
Erivelto Reis
Tecer a revolução é diferente de tramá-la.
Amá-la não é tecê-la 
é adivinhar colher os frutos
que dela se esperam.
Urdi-la, com o silêncio estrondoso
de quem arma de poesia e arte
cada consciência entorpecida,
cada cabeça cheia de conceitos
cada alma.
Tecer a revolução é vivê-la previamente em sonho
expectativa e em ações individuais
que de tão eficazes se façam coletivas.
Tecer a revolução não é tramá-la
é admirar seu rosto
no formato imaginado de nuvens
nas pegadas na areia
no futuro que se constrói
com lágrimas, sangue, vísceras
algumas vitórias
e prováveis perdas e esquecimentos.
Tecer a revolução não é amá-la
de forma voluntária
é viver a vida com os mesmos ideais
de quando (se quando) ela não fora necessária.