Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Croniqueta: Da atração do fascismo, de Erivelto Reis

Da atração do fascismo
Erivelto Reis

Horrenda é a atração magnética entre os fascistas e o poder. Não há nenhuma outra forma para disfarçar (e nem eles pretendem) a brutalidade de seus intentos e o desprezo que possuem pelos que não frequentem seus restritos círculos de poder, cabotinismo e bajulacão. Rechaçar é necessário o tempo todo. Fascistas mesclam bobagens superficiais e sem fundamento, populismo, pretensa defesa da moralidade e da nacionalidade com ameaças e perseguição. Escolhem seus alvos e contra eles se lançam ferozmente como uma matilha de lobos famintos e selvagens. São uma malta. Entre querer o poder e tê-lo fazem pactos com Deus e o diabo, supondo que o primeiro não os atinja e sabendo que o segundo os habita.

Crônica: "Quando os bárbaros governam", de Erivelto Reis

Quando a barbárie toma de assalto uma sociedade, nenhum grupo fica a salvo de sua crueldade. 
Nem os que a apoiam e legitimam, por convicção e interesse; nem os omissos e "neutros", nem os seus opositores políticos e ideológicos, nem aqueles cuja pretensa moral e valores ela alega defender, nem os excluídos e as chamadas minorias, nem as instituições democraticamente constituídas, nem os pacifistas e religiosos, nem as elites e os seus interesses que, ou constituem o núcleo central do poder que manobra a barbárie e a coloca em movimento com o próprio trabalho, com a própria cara ou manipula o desejo, a vontade e a percepção de uma parcela da sociedade sobre si mesma e sobre seus irmãos, para que determinado grupo realize o trabalho sujo e bestial de suas convicções hediondas, excludentes, subserviente aos mais poderosos que ela, entreguista, nauseante e preconceituosa, adula e serve. 
Quando os bárbaros governam, a violência e a estupidez marcam suas palavras e atitudes e o povo ao qual governa não passa de formiga em trilhas contra as quais exercem suas astúcias covardes e criminosas de manipulação, tortura e extermínio. 
Quando os bárbaros governam, os valores do que é belo, respeitavelmente cultural e educacionalmente relevante são escolhidos no rol do que não permita contestação pela estética, pela diversidade, pela pluralidade e pelo teor das mensagens e imagens que evoque, não legitime a qualidade, o vigor e a importância das instituições e espaços onde a cultura possa resistir como crítica, refrigério e marco de identidade, marginalizando pessoas, o conhecimento, as experiências de aprendizado e quaisquer manifestações. 
Quando os bárbaros governam, tendem a copiar, plagiar, ameaçar, desmantelar e disseminar mentiras e a distorcer a História, a importância da Arte e a oferecer os direitos básicos, que sequestram institucionalmente, de acordo com seus interesses e de modo a atenuar a resistência e a condicionar permutas políticas e espaços de enfrentamento, pautando a agenda democrática conforme seus desmandos, até inviabilizar as mais corriqueiras e democráticas práticas desde o debate de ideias até a manutenção de ações que promovam o trabalho, o direito, a saúde, a soberania, a proteção pela assistência social ou quaisquer ações afirmativas. 
Quando os bárbaros governam, o ódio, a intolerância e a censura escapam de seus discursos estúpida e hipocritamente formulados.

Poema: "Prelúdio para João Ricardo", de Erivelto Reis



Prelúdio para João Ricardo
Erivelto Reis
De manhã, nasça,
À tarde, permaneça,
À noite, aconteça!
De manhã, aconteça,
À tarde, nasça,
À noite, permaneça!
Nascendo, lhe sobre a vida,
Que você partilhe e use para transformar;
Acontecendo, que você seja luz,
Para que outros em você se espelhem e por você se orientem;
Permanecendo, que você encoraje a outros e a si mesmo,
Para o bem, para a beleza, a ética e a retidão,
Que são marcas de sua conduta humilde e inspiradora.
Sua voz e sua memória prodigiosas
Emprestam valor ao que não tem quase utilidade
E por isso mesmo seja tão importante:
Ler o mundo, ler o outro para criar e dialogar.
Que amor e trabalho não lhe faltem
Que sua saúde e criatividade transbordem...
E que você não se perca de suas responsabilidades
Na construção de um mundo justo e democrático.
Que o poder não lhe corrompa, nem o dinheiro lhe satisfaça
Para que desista de sua vocação e de seus melhores propósitos.
Que sua alegria se transmita como
Um perfume, um gosto ou uma palavra
Que encanta e cativa mesmo aos mais desalentados.
Espero que você encontre o que busca
E que busque aquilo que lhe realize.
Não se esqueça do seu amigo
Que lhe escreve esse prelúdio
E conte comigo, caso precise.
Que a gratidão e a admiração das boas pessoas
Em você encontrem refúgio.

Poema "Andorinha", de Erivelto Reis

Andorinha
Erivelto Reis
Uma andorinha
Sozinha
Faz uma revolução...
Nem que seja
Pra si mesma.
Vocês verão.

Poema "Lacrimogêneo", de Erivelto Reis

Lacrimogêneo
Erivelto Reis

Todo dia uma bomba.
Dispersão,
Susto,
Tumulto,
Um insulto constante.
Corre, gente!
Morre gente.
À bala, doente,
Morrem direitos.
Especialidade da direita
É ruir direitos.
Lacrimosos,
Inalamos gás e pus,
Depois, medo!
(Já imaginou ter medo
De incerta gente que fala em nome de...)
Jesus!!!
E uma coragem
De entender e enfrentar
Um fundamentalismo
Penteboçal à talibã ...
Não sei se adianta
Publicar
Um novo stories no Instagram.
Ou escrever um poema,
(Mas é o que sei fazer!)
Ou promover um Slam,
De repente,
Tudo é bater de frente ou perecer
Ou desaparecer da timeline:
Um suicídio virtual
Cada vez mais corriqueiro
E habitual.
Enquanto o Le monde, o Times
E o Expresso, de Portugal
Noticiam o avanço
Do nosso retrocesso,
Consumimos Isordil e Gadernal
Para enfrentar o capitão do Mato,
O general, a depressão e o funeral
Do sonho de uma grande nação.
Todo dia uma bomba
De gás lacrimogêneo
Para intimidar atitude
E restringir o pensamento.
Esse foi o nosso passado,
Esse é o nosso hoje:
Fratura exposta
Bomba de Napalm,
Pra queimar tudo que é vital:
Democracia, Educação
Arte e qualquer atividade
Que requeira liberdade
E pluralismo de Cultura e de intelecto.
Nos agridem e ainda reprimem
Nosso protesto.
Tem gente que luta,
Tem gente que foge...
Todo dia uma bomba
De gás lacrimogêneo explode.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Poemas dispersos, de Erivelto Reis

Ciranda... (14-19)
Erivelto Reis

Outubro em dezembro, 
novembro em fevereiro, 
dezembro em março, 
janeiro em abril. 
Março em maio, 
maio em julho, 
junho em agosto. 
Julho em setembro. 
Outubro em dezembro...



Os corvos
Erivelto Reis

Os corvos
Bicam e devoram
Os olhos, as vísceras e os sonhos
Dos que ainda estão vivos... dilacerados,
Mas ainda vivos.
Não são abutres por questão de horas...



A que destino vos condena 
nos condenando a todos 
com o peso de vossa incompetência? 
A história vos saberá julgar com desgosto e paciência.

Crônica: "Ouro, incenso, mirra e pergaminho", de Erivelto Reis

Ouro, incenso, mirra e um pergaminho
Erivelto Reis
Se Você (ou alguém da sua família) encontrar esse pergaminho escrito, escondido no fundo falso da caixa de Mirra, leia-o atentamente e pense nisso: o mundo é mal, as pessoas mentem, conspiram e matam. Césares romanos e organizações criminosas, desde que o mundo é mundo, condenam sem provas. Mantenha essa criança longe dos milagres que poderá fazer e dos discursos políticos. Pelo menos, até que ela possa, mas não queira nem precise, se defender. O Império Romano já não gosta dela agora. Imagina quando ficar adulta...
Não é culpa dela! É uma rixa antiga contra o Pai, deuses pagãos e toda sorte de sobrenatural que ameace os que estão no poder na Terra. Acostume-se, no entanto, com o fato de que os refugiados, as minorias e pessoas diferentes penam por conta do desamor de que são vítimas. Não é nada fácil encontrar gente e amor no mundo.
Pães, vinho e peixe tornarão essa criança bem popular no futuro. Mas ela não será um chef. Não cantará. Mas curará, ressuscitará e libertará. Mas nada que fará será aleatório. Não escreverá livro, mas será personagem em milhares deles. Dostoiévski e Lucas (Não será o George. Só Lucas, mesmo) vão representá-lo e ao seu discurso muito bem. Os profetas tinham razão sobre ela. Sua vida será inspiração cultural e seu legado se estenderá por sobre a Terra. Mas ela não será unanimidade. E haverá muita controvérsia em torno de sua simplicidade e de sua missão. Aconselharia colocá-lá na escola e não educá-la somente em casa. Ela poderá ensinar e partilhar e inspirar amor a muitos professores e alunos. Eles também precisam.
Alerto: Defender os pobres, os doentes e as mulheres vai fazer com que a bloqueiem no Twitter e a persigam e a prendam e a matem. Mas ela vai se sair bem. Não os perdoe. Porque eles sempre sabem o que fazem. Não deixe fundarem nenhuma instituição em seu nome. No máximo, alguns museus. Se não puder evitar, cuidado com os que tentarão falar por ela. Esse é o primeiro Natal de vocês. Também o primeiro ano da criança. A essa altura ela já sabe falar através de parábolas e deve estar dando os primeiros passinhos sobre as águas. Espero que José ensine a ela um terceiro ofício que se possa fazer por encomenda, além da carpintaria e dos milagres. De preferência, avise-a para ter cuidado com os que ela irá adicionar aos discípulos do Facebook. Prepare essa criança para as injustiças e covardias do mundo. O espírito é consolador, mas toda carne sangra. Prepare-se também. Por fim, evite e, se não puder evitar, cuidado com a Páscoa. Pelo bem que ela fará e por causa dos maus, essa criança, quando se tornar adulta, vai virar viral.

Poema: "Telhado", de Erivelto Reis

Telhado
Erivelto Reis

Porque o tempo é um presente
Que ganhamos para esculpir a vida,
Para escrevê-la, para pintá-la,
Para dançar com ela...
Para produzir e doar nossos melhores momentos às pessoas que amamos.
Não desperdice seu tempo!
Não desperdice o tempo de quem
Amou você e se doou com tanto afinco.
Assim a alma sente frio...
Enquanto lá fora há um calor
De solidão, de ódio e medo
Que assola e destrói o mundo.
E lança seus raios sobre um
Frágil telhado de arrependimento e zinco.


                                                                     21/12/2019

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Poema: "Cassino", de Erivelto Reis



CASSINO
Erivelto Reis

O ás tantas vezes na manga
O gabão pra fechar o jogo
O sopro nos dados
O esfregar das mãos
Enquanto estão rolando
A queda da torre
Que apavora o rei
A trilha
O ludo ilude
O movimento do gamão
Qual teu próximo blefe?
Fingir amor
Até que a banca aceite?!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Poema: "Holodomor", de Erivelto Reis


Holodomor
Erivelto Reis

[Asfixie...]
Sem ar ninguém resiste
[Humilhe...]
Que fome de ser Homem
─ Ou Mulher –,
Ou o que quiser
É de ser gente.
De ter dignidade de gente.
É uma fome insaciável e latente.
Quem asfixia e humilha e mata gente
Não pode pretender ser tratado como humano,
Não pode pretender ser,
Não pode ser.
É rebutalho, lodo, asco.
Resto, esgoto, refugo, retalho.
Há uma fome que devora o mundo!
Os que matam por asfixia, humilhação e inanição
Supõem-se a salvo...
A História de seus delitos os condenará...
Há uma fome que devora o homem!
E ela é por alimentos, mas também por justiça.
Holodomor!
(O horror!)
Necropatológica política!
Que seus culpados padeçam
E apodreçam exangues...
E que até suas memórias,
Não apenas suas palavras,
Exalem o torpe odor de carniça.