Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 30 de julho de 2023

Sobre o assassinato da professora Elisabeth Tenreiro, Texto de Erivelto Reis


 

A negociação pra poder dar aula, texto de Erivelto Reis

Você entra na sala de aula e passa pelo menos um mês negociando - turma a turma, a cada escola em que trabalhe, sobre como vai ensinar, se vão te deixar ensinar do jeito a que você se propõe, no ritmo, na dimensão e com os enfoques a que pretenda. Não por uma limitação da turma, não por uma dificuldade na matéria, não por uma metodologia. Apenas porque há um poder oculto demonstrado em práticas que se desdobram em conjuntos de violências tácitas simbólicas. Logo você descobre que um grupo de alunos e alunas, explícita ou implicitamente, poderá permitir ou não que você exerça sua função. Quando se é bem sucedido na negociação, não se engane, ou se anime demais, pode ser que você descubra que o trato é volátil e deve ser renovado aula a aula e pode ser revogado à primeira contrariedade, unilateralmente, ao primeiro sinal de dificuldade de compreensão. Pode ser que tão logo apazigue e convença um indivíduo, outros se rebelem pelo simples interesse de que a fragilidade e a instabilidade do docente frente à turma permita que eles, pela superioridade numérica e pelas sucessivas e contínuas práticas de intimidação, por desinteresse, falta de educação básica para tratar com o outro deliberada e ostensivamente, mantenham-se no controle.

Há quem opte por não negociar, por se deixar levar, há quem desista e há quem morra tentando ensinar. Literalmente. Infelizmente. 

Vão vendo o silenciamento da Literatura, texto de Erivelto Reis

 O silêncio sepulcral da ABL enquanto os jovens estudantes brasileiros têm seu direito à Literatura negado por governos estaduais no país inteiro, no dia a dia, na supressão do ensino regular da disciplina e das obras nos componentes curriculares e em livros didáticos sem qualquer alusão à literatura ou utilizando apenas fragmentos sem maiores reflexões ou referências, e em avaliações como o SAEB, onde sua ausência é gritante, vai se tornando gradativamente um silenciamento do povo brasileiro, de nossa cultura, dos professores e professoras, um esvaziamento da oferta de Literatura nas Universidades, dos jovens e promissores escritores e escritoras... Até se tornar apenas um silêncio sepulcral de coisa nenhuma.

"Sobre o cansaço escolar de hoje. Só de hoje", Texto de Erivelto Reis

 Quase nada nos separa da barbárie. Uma geração sem criatividade, sem empatia e sem responsabilidade afetiva se insinua nos meandros de tudo quanto já destruíram em termos de educação em nosso país. São hostis e estão em grande número. Sem formação, lastro cultural, capacidade mínima de leitura, escrita e interpretação, tornam-se agressivos quando impedidos de se esquivar de qualquer tarefa com o uso do celular, da internet para lhes dar uma maneira de se livrar da tarefa de responder sem ao menos ter de pensar na atividade ou em sua solução e eventuais aplicações. Repetem e repetem e repetem à exaustão ou o arremedo de vocabulário que insinua as rudezas de que se acham capazes e mantras niilistas, superficiais e jargões que, no tom com que falam e no movimento de seus corpos, auxiliam na mensagem de que nada que se ofereça é bem vindo, importante ou necessário - inclusive você - a não ser que decidam que é e por quanto tempo. Recusam-se a tarefas básicas como serem minimamente gentis e cordiais. Lidam com qualquer tipo de frustração com grosseria, desdém e atitudes e expressões passivo-agressivas. Alguns tentam desesperadamente aprender e construir algo com a experiência letiva, no que são constantemente atrapalhados, e quase suplicam para que não desistamos e enfrentemos a turba de gente pra quem a escola e os profissionais da educação não significam nada. Não é o cansaço de uma vida, de um bimestre, de uma semana... É o cansaço e a frustração de hoje. E na segunda começa tudo de novo.

Poema: "Ilusão de Ótica", de Erivelto Reis

Ilusão de ótica

Erivelto Reis

Ninguém vê você como realmente você é
Quando está deprimido.
Veem o que acham perceber
Não veem você desaparecer
Existindo...
Veem uma ideia antiga
Uma reprise de um melhor capítulo
Que acham ter assistido de você.
Talvez um tosco rascunho sendo bruscamente amassado
enquanto é passado a limpo.
Não veem você em crise:
O silêncio estrangulante,
A ansiedade asfixiante,
Os olhos naufragados
No prato de sopa do jantar...
Um sorrir sem vontade
Uma conversa sem horizonte,
E a memória abrindo todas
As gavetas marcadas com "ok"
Pra impedir você de desabar.
Veem um holograma,
Uma noz, só a casca,
Uma escola desfilando
Sem enredo.
Você vivendo todo dia o mesmo dia,
A mesma hora a noite inteira...
Não são capazes de entender
Que você está morrendo de medo...
Pensam: "amanhã isso passa"…
"Tá infeliz por quê?"...
"Vá (se) foder!"…
"Vá rezar!", "Caçar deus..."
"Vá tomar um tarja preta"…
"Se afastar do capeta"...
"Mas que pessoa grossa, exótica!"
Ninguém vê você
Como você realmente está
Quando está deprimido...
Veem uma ilusão de ótica...
Talvez alguém bem próximo
Tenha até intuído, percebido.
Um pouco apenas,
Até ser tarde demais!
Até que chegue o resgate…
Até você não conseguir voltar,
Ou só voltar com sequelas.
Uma fênix sem milagre,
A vista de uma janela
Quase sem paisagem.

Poema: "I.A.", de Erivelto Reis

 

I.A.

Erivelto Reis

Mãe, não quero voltar pra escola.

Lá eu não posso tirar cola,

Não posso trapacear.

Não posso ameaçar quem eu quero

E sendo muito sincero,

Eu não gosto de estudar.

Pra que eu vou me esforçar

Se tudo aquilo que eu quero,

É só pedir que cê dá.

Mãe, eu não quero voltar pra escola.

Lá tá cheio de otário,

Lá eu tenho que cumprir horário,

Caligrafia, vocabulário eu tenho que praticar.

Não posso xingar, bater e intimidar.

Tenho que ler, respeitar...

A área de um quadrilátero,

Mesmo valendo 10 pontos,

Eu é que não vou calcular.

E se me pedem algum trabalho

É só copiar e colar...

Lá tem um monte de funcionário

Que eu ironizo, desvalorizo,

Desacato e ainda debocho do salário

Já tão difícil de ganhar.

Mãe, não quero voltar pra escola

Eu não quero copiar,

Eu não gosto de ler nada,

Não adianta tentar.

E nem gosto de pensar.

Bom mesmo é dar porrada,

Fazer dancinha com uma sarrada no ar,

Ver vídeos no celular.

Mãe, eu não quero voltar pra escola!

Não liga que eu não estudo,

Que eu reclamo de tudo,

E não conta pro meu pai.

Sabe que no Whatsapp,

Eu falo com os meus parça,

Mas não tu não vem falar comigo,

Lembra do nosso último assunto:

E vi que você tava junto e perguntei:

Qual é a senha do wi-fi?

Não quero voltar pra escola

Eu quero a rua, quero a farra,

Acordar quando eu quiser.

Ver coisa imprópria, apostar,

Quero ver meme, fofoca,

Ficar on-line direto e Minecraft jogar,

Curtir stories, bancar o hater,

E a minha trend postar.

Pra que preciso aprender,

Se na internet tem tudo?

Eu faço igual a todo mundo:

Peço pro Google dizer,

Pra eu fingir que estudo

E logo em seguida esquecer.