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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Texto: "A balada dos falsos revoltados", de Erivelto Reis

A BALADA DOS FALSOS REVOLTADOS

Erivelto Reis

 

            Tenha revolta contra qualquer privilégio que qualquer privilegiado já tenha: por exemplo, se um senador da República se aposenta após 2 mandatos com o teto do salário e todo apoio do erário público para seu apartamento, viagens, gasolina do carro, salário de assessores, plano de saúde, e ainda vota contra os teus direitos como trabalhador ou como cidadão, esse tipo de situação merece sua revolta. Ou ainda, se um juiz que ganha um excelente salário e ainda tem auxílio paletó, auxílio moradia e auxílio escola para seus filhos, sendo que o salário que ganha já é suficiente para que arcasse com seu próprio vestuário, sua própria moradia e com a educação de seus filhos, essa situação merece a sua revolta.

            No entanto, qual é a coisa que tem chocado você? Haver a possibilidade de um mínimo auxílio emergencial para famílias em situação de vulnerabilidade social durante uma pandemia mundial.

            Gente morrendo aos milhares por uma doença para a qual já há vacina não revolta você, criança sendo explorada e trabalhando em sinal não revolta, escola sucateada para grande parte da população não revolta. Salário de exploração pago ao professor do seu filho não revolta... miséria, desemprego em massa, violência, fascismo e corrupção não revolta. Militares de alta patente e comprovada incompetência loteando estatais não revolta... Entreguismo não revolta.

            A buzina do motoboy passando próximo ao retrovisor do teu sedã te revolta.  O atraso do teu empregado, humilhado e massacrado no execrável transporte público te revolta. A tua empregada desejar ter uma assinatura na carteira de trabalho te revolta. O filho do porteiro ser colega de turma  de seu filho na Universidade pública em que ambos estudam e são tratados com respeito e igualdade de condições te revolta. Uma revolta apenas menor do que se o seu filho não tivesse entrado para a Universidade pública e o teu porteiro pedisse folga um dia para ir à formatura...

            Vai amadurecer, vai estudar, vai aprender a ter empatia... depois vem falar em revolta. Não é extremismo o que você tem. É fetiche pela covardia e pelo extermínio dos mais pobres. Não é extremismo, não é polarização. É mediocridade mesmo.

            Não é uma guerra de narrativas. É apenas crueldade de pessoas violentas enrustidas que contam histórias em que os corruptos, privilegiados e exploradores lhes pareçam heróis.

            Eu fui aos correios hoje... e pelo que lá eu vi, como proposta de gerência e metodologia de trabalho, desconfio que boa parte do povo do Brasil nem saiba que a adaga risca o ar compondo um réquiem para sua falência, para sua morte.

            Obrigam os próprios trabalhadores a abrirem buracos no casco do navio. O naufrágio é quase certo. Os prejuízos, irreversíveis. Vão entregar o sistema hídrico, energético, de saúde, de transporte, de educação - tudo o que a Constituição diz que o governo deveria garantir como soberania de nosso país.

            Se teremos que pagar pelos principais serviços, a preço de mercado, à iniciativa privada, com tarifas cotadas em dólar, por que compete ao governo nos extorquir através de todo tipo de impostos, uma vez que ele abriu mão de fornecer os serviços, embolsou o dinheiro dos impostos, não reinvestiu e ainda vendeu o patrimônio que gerações de brasileiros ajudaram a construir?

            Sua revolta é seletiva. Você não está revoltado, está abalado pela ideia de igualdade entre as pessoas. Pela ideia de que todo seu dinheiro e toda a sua network não conseguem impedir os mais pobres de sonharem e de realizarem. Mesmo que ainda lhes possam adiar os sonhos. O uso de um vocabulário politicamente correto é teu habeas corpus, teu verniz mais frágil, tua empatia de mentirinha. Daí as palavras ‘meritocracia’, ‘berço’, ‘estirpe’, ‘mimimi’, ‘fatalismo’, ‘coitadismo’, ‘lulismo’, ‘empreendedorismo’ espumam pelo canto de sua boca como a saliva de um cão raivoso.

            Sua revolta é revoltante. Sua revolta nem é revolta. É preconceito mal disfarçado. Você é um velho e encardido ursinho de pelúcia esquecido no porão dos poderosos, uma passadeira dos ricaços, um boneco de ventriloquismo dos canalhas, um títere dos onanistas do erário público.

            Tudo o que os mais pobres possam ter de bom, apesar do quanto se lhes ofereça de ruim, te deixa revoltadíssimo. Sua ignorância, vendida como opinião ponderada, moralista e ética, é uma sentença de morte diária, em branco contra qualquer um que seja pobre e sem a responsabilidade formal da sua assinatura.

            Você não é um vencedor, a porta do cofre já estava escancarada. Não é excêntrico, é soturno e pedante. Não é justo. Ninguém em sua posição o é. Não é nada, mas seu espelho grita as loas que você tanto gosta. Quando muito, você é corrupto, herdeiro de corrupto ou fechou os olhos para esses dados ao fazer negócios semi ou pré ou pós ilícitos com corruptos ou filhos de corruptos. Você só não roubou, não corrompeu, não trapaceou oficialmente, porque pagou pessoas para que alterassem as leis que provariam ou que te impediriam de roubar, de corromper e de trapacear. Você atropelaria a ética, sóbrio, em uma reta, à luz do dia e fugiria do local do crime, sem exceder o limite de velocidade, sem olhar pelo retrovisor e sem prestar socorro. A lei que não te alcança é prova do teu crime. A cadeia que não te detém ou não te alcança é a moradia do seu verdadeiro eu.

            Te revolta saber disso, não é?! E todo mundo já sacou quem é você.

 

 

  

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Texto: "MINISTRO DA EDUCAÇÃO: IRRESPONSÁVEL, OMISSO E CRIMINOSO", de Erivelto Reis

 

MINISTRO DA EDUCAÇÃO: IRRESPONSÁVEL, OMISSO E CRIMINOSO.  

 Erivelto Reis

 

            Notem que além do indisfarçável desprezo pela vida de professores/as, alunos/as, profissionais da educação e seus familiares, as premissas práticas de sua fala criminosa e desprezível não explicam quais investimentos serão feitos na segurança dos atores da vida escolar no ensino presencial. Antes, vergonhosamente, omite que o governo do qual faz parte não deu a mínima para a educação ou para a vida das pessoas. Além disso, considera a coexistência de ensino remoto e presencial sem qualquer tipo de remuneração para os profissionais da educação. Ou seja, depois de explorar nossos recursos por mais de um ano e meio e de 540.000 mortes de brasileiros e brasileiras, prepara-se para nos explorar ainda mais e nos expor a nos tornarmos agentes transmissores do vírus e de sua nova cepa e ainda açula prefeitos, governadores e a população contra a categoria, sob pretensa preocupação com o ensino das crianças e dos jovens. Poupe-nos de seu cinismo. VERGONHOSO DISCURSO.    

            Conheçam a realidade de uma escola pública no país para perceber que o governo quase nada fez em um ano e meio que garantisse minimamente as condições que diz prezar para o retorno ao ensino presencial, além da flagrante disposição de dobrar, triplicar a jornada de trabalho dos professores e professoras sem, no entanto, desembolsar um centavo a mais por isso ou que o governo do qual o senhor toma parte tenha investido um real sequer nessa modalidade híbrida que compensasse o que os profissionais da educação já fizeram do seu próprio bolso, ou facultasse equipamento e acesso virtual aos milhões de alunos/as brasileiros/as, sobretudo das camadas mais vulneráveis socialmente de nossa sociedade, ou haver comprado e distribuído a vacina quando foi o tempo correto já nos teria poupado da dor da perda de amigos, colegas de trabalho, familiares ou teria garantido cobertura vacinal e imunização para uma parcela bem mais ampla da população.

            Que há um "efeito devastador do fechamento das escolas" e evasão escolar todos sabemos. De quem é a responsabilidade? E o que os responsáveis fizeram em um ano e meio? Esses processos são fruto do gigantesco abismo social que a política de desemprego, violência, corrupção do governo do qual esse ministro faz parte tem implementado no Brasil.

Não joguem a responsabilidade mais uma vez nas costas do professor. A responsabilidade pelas coisas que Ministros, Governadores, prefeitos e secretários não fazem porque não têm competência ou interesse em fazer.

            Nesse período de pandemia, preocuparam-se em colocar mais um degrau rumo à privatização do ensino com o desmantelamento do ensino médio.

E nas grandes redes de TV, quem corrobora com o ministro, ainda que outrora tenha sido professor ou professora, há muito que se vendeu ao deus capital em troca de milhares de reais de conglomerados econômicos que querem se apropriar dos bilhões do FUNDEB ou daquilo que por direito deveria ser investido em educação pública, ou simplesmente de se ver afastado da sala de aula através de um cargo político com um nome "pomposo".

            Os coniventes são cinicamente constantes no assédio que seus superiores não fazem pessoalmente porque sabem que é crime e sempre respondem a questionamentos com "eu já estive no seu lugar e entendo que... porém, essas propostas, esses projetos precisam ser implementados".

            Mais uma vez ouve-se um discurso sujo. Ele parte do político e sua malta, da austeridade simulada, da hipocrisia dessas pessoas e seus asseclas, de quem não percebe que vai ser uber do vírus, da contaminação e da morte entre a sala de aula e seus familiares. Rodízio de alunos, distanciamento de um metro, álcool em gel, superfícies sanitizantes, intervalos para higienização, permanência da utilização de máscaras...

            Vão ver os diários on-line das prefeituras dos municípios dos grandes centros e das periferias e subúrbios, cinquenta alunos e alunas inscritos/as numa turma de sexto ano... nem presencialmente e sem pandemia esse modelo se sustentaria para desenvolvimento adequado dessas crianças... O que os professores e professoras realizam é um milagre de abnegação ante o horror, o despreparo e o descaso de prefeitos, secretários, governadores... além da odiosa conivência de determinados profissionais da educação...

            Há dias que não há papel higiênico nas escolas... internet, computadores, conectividade... esqueçam... Há dias em que os alunos revezam sapato, e camisa de uniforme (quando há) para poderem estudar... que dirá máscaras trocadas a cada duas horas... há dias em que os que podem e estão no presencial, por não reconhecerem na escola e nos profissionais qualquer motivo para admiração, cordialidade e respeito, ostensivamente recusam-se a seguir as medidas mais simples da civilidade ou da organização como cumprir horário, fazer as atividades ou um simples bom dia ao ingressar na aula, que dirá cumprir protocolos de saúde...

            MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CÍNICO E CANALHA E OS, COMO ELE, defensores de um discurso e de práticas que mais uma vez vilanizam e diminuem os educadores e profissionais da educação e desviam o foco da incompetência, do desinteresse e do desprezo pela educação da população enquanto, sorrateiramente, empurram a educação pública para o controle dos grandes conglomerados econômicos. Criminosa é a sua atitude e a do governo do qual o senhor faz parte. Nojo e revolta.

 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Poema: "Halo", de Erivelto Reis

 

Halo

Erivelto Reis

 

E foi tão diferente ver você de longe

Um halo de névoa sobre os seus cabelos

E os olhos enxergados a distância

Traziam qualquer brilho,

Qualquer luz de decifrar impossível...

E foi tão diferente ver você de longe

Como se eu não fora mais quem eu era

Como se você outra pessoa fosse...

Mais misteriosa, mais linda, mais doce!

Mas distante,

Tornou-se um sabor imaginado

De beijos antigos, uma recordação, (um leve arrepio),

De carinhos suspensos, de caminhos desencontrados.

E foi tão diferente ver você de longe

E foi tão claro que você soubesse que eu senti medo,

Que eu fiquei sem rumo, que eu fiquei sem graça,

Fiquei sem compasso, fiquei sem enredo.

E voltei pro nada, ao redor da orla de mim, precipício!

E foi tão diferente e foi tão estranho e foi tão difícil.

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Texto: "Sobre a reabertura das escolas do Estado durante a pandemia", de Erivelto Reis

"Sobre a reabertura das escolas do Estado durante a pandemia"

 Erivelto Reis

           

            Nesse exato momento, há mais de 50 municípios do Estado do Rio de Janeiro cujas escolas da rede estadual estão sendo usadas como propagadoras do vírus da Covid.

            Seus funcionários e funcionárias, professores e professoras, alunos e alunas sendo submetidos/as à exposição, à propagação ao contágio e à doença. Quem será responsabilizado por isso?

            Entre a casa e a escola, o vírus vai na mochila, no uniforme, na máscara usada de forma inadequada, subtraída ou ausente até que, num teatro patético, seja colocada diante do portão da escola para burlar grotescamente as recomendações mais básicas de saúde pública.

            Pais e mães negacionistas, assintomáticos, convalescentes da doença vão à porta das escolas de bicicleta, a pé ou de carro, e alguns aproveitam e usam do mesmo expediente de usar a máscara apenas para fingir submeter-se a uma exigência legal, e não por respeito à vida dos profissionais da educação, ou às vidas humanas, para solicitarem atendimento na secretaria das escolas ou junto às equipes de direção e de coordenação. O vírus circula poderoso e onipresente como um deus da morte. Quem vai responder por isso?

            Na saída da escola, depois de um turno de aula, dezenas de alunos subtraem as máscaras, se aglomeram, se cumprimentam e esperam o ônibus que os levará e aos vírus de volta para as suas casas, direto para a destruição dos pulmões de seus familiares ou para a ruína de famílias inteiras.

            Pressionados pelas coordenadorias metropolitanas, colegas convocam colegas a comparecerem às unidades escolares em municípios onde as taxas de contágio estão altíssimas para que retirem ou tenham contato com avaliações em papel, oriundas de casas e de lugares onde possivelmente haja exposição ao vírus. Esses papéis são arremedos de avaliação apenas para livrar a cara do governo, de seu secretário e assessores quanto à ineficácia, ineficiência e desinteresse pela educação pública. Quem vai responder por isso?

            Assim, o professor tem sua jornada duplicada, triplicada, seus recursos particulares – seu computador, seu celular, sua internet, sua eletricidade, por exemplo –, utilizados pelo governo sem qualquer compensação, sua jornada de trabalho ampliada indefinidamente conforme a demanda – trabalha na escola, na plataforma on-line, no celular, na correção de material impresso e na correção dos trabalhos virtuais, em reuniões as mais diversas.

            Verifica-se que a categoria profissional fica dividida, categorizada, rotulada – os cordatos e empáticos X os criadores de caso e briguentos/as – explorada, fragmentada pela ação de colegas que se veem obrigados/as a reproduzir discursos em grande parte sem qualquer fundamentação didática ou pedagógica e com altíssima característica de assédio moral ou de demagogia política (alerta de spoiler: pode haver casos de profissionais que reproduzam tais discursos porque concordam com eles), mas que disfarçam com o uso de mensagens tóxico-positivas e textos passivo-agressivos.

Quem vai responder por isso?

            Nesse momento o governo se aproveita mais ainda para atacar o funcionalismo, para criar mecanismos para nos punir ostensivamente ou através de retaliações. Fecha turmas, registra de 12 a 15% a mais de alunos e alunas do que a legislação permite a cada turma nos diários das turmas virtuais (e olha que a legislação em educação pública no Brasil está entre as mais perversas do mundo). Isso significa que a cada dez turmas o governo fecha uma. Mas eles vão chamar a isso de “otimização”.

            Enquanto o contágio se espalha e ainda não há vacina para todos, o governo diz à população que está pagando auxílio-tecnologia para os professores,  enquanto obriga colegas a trabalharem diuturnamente para manterem as escolas abertas. Assim, os profissionais permanecem sob risco elevadíssimo de contágio, cumprindo funções burocráticas, administrativas inerentes não apenas à gestão da escola, como também a carências de apoio a questões de seguridade social que o governo cumpre mínima e forçadamente através da exploração da mão de obra desses profissionais, tendo as unidades escolares como referência.

            Abandonados, há um grupo gigantesco de alunos e alunas excluídos/as, cujas famílias os querem em segurança e sabem que seu futuro está comprometido pela omissão histórica e pela ausência absoluta de uma política inclusiva de educação remota no contexto pandêmico.

            E há aqueles e aquelas que já não estavam nem aí para a ideia de educação e escola como uma via real de acesso à formação, à cidadania e à inclusão. Influenciados por líderes os mais diversos, por mentiras, fake news... Para esses casos registram-se práticas tais como, qualquer coisa, trabalhos feitos e entregues de qualquer jeito, fuga das aulas remotas nas plataformas virtuais, nenhuma leitura, pouquíssima escrita, práticas seletivas de exclusão de matérias específicas e direcionamento para as quais vão se dedicar, copia e cola da internet sem qualquer aprendizado ou construção de sentido ou a omissão completa desde que, ao final do segundo ano letivo seguido durante a pandemia possa constar no sistema a palavra "aprovado/a". E pouco importa se presencial ou remota, pois a escola e a educação não lhes interessam de fato. Quem vai responder por isso?

            Professores e professoras, funcionários públicos da educação de um modo geral, seguimos sem aumento, reajuste sequer das perdas inflacionárias e/ou decorrentes da não correção de alíquotas fiscais. Antes, temos convivido com perdas salariais, aumento obrigatório do valor de descontos em nossos salários, condições precárias de trabalho, assédio moral, falta de autonomia e respeito à liberdade de ensino, desvalorização, desrespeito e retaliações contínuas.  Nossos colegas de firmas terceirizadas que prestam serviços são demitidos sem qualquer amparo às centenas, ou seus baixíssimos salários são pagos com atraso e descontos inexplicáveis que os colocam abaixo do piso mínimo determinado pela Constituição.  

            Nesse exato momento, em mais de 50 municípios do Estado do Rio de Janeiro, a política do disfarce da incompetência do governador e de seu secretário de educação dá curso a um Rio de contaminação, morte e assédio moral contra servidores e servidoras e principalmente contra a vida de alunos e alunas e das pessoas em seu entorno, através da reabertura das escolas estaduais nesses municípios. 510.000 mortos de Covid em um ano e meio não ensinou nada a essas pessoas. Nem despertou qualquer empatia em seus corações ou temor pela justiça se ou quando ela vier.

 

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Poema: "Apostila", de Erivelto Reis

APOSTILA

Erivelto Reis


Pústula é o que postula

o rigor para delito dos desafetos

inventa delito e manipula fatos

para aplicar uma lei.

Patife é o que se senta à mesa

dos que protege com sua incompetência

e arrogância

com os dois pesos e duas medidas de sua

ganância

seu plano de carreira, seu projeto de poder

ruirá ante a necessidade de constante vigilância

e a impossível fuga de sua mais profunda

ainda quando considerados,

seus equidistantes caráter, ética e consciência.

Pústula patife o que pretende ser sem ser

para ameaçar, condenar e punir a outrem,

sendo apenas em torpe e superficial parecência.

Crônica: "Da inteligência do coveiro", Erivelto Reis

     "Da inteligência do coveiro"

Erivelto Reis

    A lógica do entregador de comida do aplicativo com fome será a mesma do professor formando professores por ead. É só esperar. As pessoas se formando para não ter emprego na carreira que escolheram ou para serem subempregadas, mediante uma lógica de mercado e uma ideia equivocada de educação delivery que as grandes corporações venderão ao Estado a preço de ouro, enquanto pagam ninharia aos que ainda resistirem, porque crianças, jovens e adultos estarão assistindo a um conteúdo gravado há tempos no qual tarjas e atualizações em pop-ups, legendas e blocos de texto serão inseridos por uma máquina. Os computadores estarão corrigindo respostas com base em algoritmos e os tribunais entulhados de processos por plágio acadêmico.

    Em 10 anos a ciência brasileira morre, a universidade como a conhecemos acaba e importaremos inteligência para as coisas mais elementares. Nos tornaremos um país sem autonomia, sensibilidade, ignorante de sua própria cultura, sem capacidade para o debate e com uma ideia remota do que é produzir conhecimento e arte. Vai lá, apoia bastante. (acento irônico!). Inteligente é o coveiro que jamais cava a sua própria cova.


                                                                                                            24/6/2020

Crônica: "Carta de Náufragos (2014)", de Erivelto Reis

 CARTA DE NÁUFRAGOS (2014)

Erivelto Reis
    Não sei, pois não me foi dado a conhecer, do ponto de vista acadêmico, as nuances e sutilezas e as bases nas quais se assentam os pilares da forma de se fazer política no Brasil ou nos países que se arvoram como democráticos. Embora não seja, a política no Brasil, em muitos aspectos, me parece construir-se como um palíndromo: daqui para trás e do passado até aqui, vemos muitos se locupletarem dos dividendos do poder e do que eles possam significar.
Política no país parece se fazer com vingança, com raiva, com deboche, com desfaçatez, com medidas sórdidas, amorais, antiéticas… Por isso que os poucos que a não fazem desse modo entram pra história ou são velados com honras fúnebres antes do tempo que a natureza lhes reservara. Ah, se a história fosse outra.
    Nossas crianças são joguetes nas mãos de pessoas inescrupulosas, protegidas em seus gabinetes, em seus palanques, no anonimato de jatinhos, na surdina das secretarias, na eloquência dos discursos vazios de significados e repleto de bravatas.
    Estão decidindo a sorte do povo no pôquer das estatais, na roleta russa dos ministérios, na vispa dos escalões, nos tribunais de apelações. Infringentes embargos que não valem para os que a lei chama de iguais, mas que trata como inomináveis, inotórios, indigentes. Há gente que não fede e que cheira, passando a mão diante do rosto da justiça vendada, como a se certificar de que ela não está entendendo nem enxergando nada. Pobre povo que precisa de paladinos, de justiceiros enquanto os corruptos ostentam gravatas, mansões e negociatas.
     Nesse mês, quantos professores e professoras, pais e mães de família, não receberão seus salários? Que a greve seja grave não me parece um entrave, mas que a corrupção e a humilhação façam parte do jogo, isso é inaceitável, isso dá nojo. Que política social se constrói quando professores ficam sem salário por exercerem seus direitos enquanto políticos covardes entram pra história mesmo sem cumprir seus deveres? É humilhante, é degradante é incorreto. Isso é articular e usar a lei por vingança. Quem vai ler esta carta de náufrago? Aqui a maré não para de subir e o horizonte há muito já desistiu do azul… Pense nisso enquanto educar seus filhos.

Crônica: "Sobre o respaldo de uma sociedade ética e educada", de Erivelto Reis

Sobre o respaldo de uma sociedade ética e educada

    Erivelto Reis

Sem respaldo de uma sociedade ética e educada não existe qualquer garantia de futuro. Desde os elementos mais básicos da civilidade, passando pelo respeito às profissões e às garantias legais de manutenção da sobrevivência dos prestadores de serviço, trabalhadores/as e funcionalismo. O próprio Estado democrático de direito corre sério risco e as suas instituições também. O neoliberalismo se vale da certeza da canibalização de serviços por substituição contínua de mão de obra através de processos tecnológicos que visam à redução de custos e à ampliação das margens de lucro. E vende a ilusão de que o particular tenha melhor qualidade de gestão do que o público.

Não houvesse corrupção e financiamento sistemático da sabotagem e da pilhagem da coisa pública, a realidade brasileira seria muito diferente. Nunca a qualidade real dos serviços para o grande público está pautada. Esta é reservada, de fato à nata, à elite, em resguardo da individualidade, da tradição, da manufatura, da exclusividade de ter, aprender, consumir, saber o que à grande maioria, aos outros, seja interdito, inacessível ou tenha custos que lhes sejam proibitivos.

A possibilidade de o Estado cumprir suas obrigações constitucionais é a última fronteira contra a barbárie neoliberal. Direitos trabalhistas, seguridade social, entre outros direitos e garantias, já os perdemos - não é empreender quando o estado não gera emprego ou desenvolve a educação e a ciência em subserviência a produtos e interesses de outros países -, e o que assistimos durante a pandemia é o horror que isso significa na prática. Trabalhadores sem qualquer proteção ou garantia. A Universidade e a Escola sob constante ataque.

Vejo muitos sorrisos e lives e chats e bate-papos e livros e cursos... já assisti a muitas reuniões de gestores incapazes de entregar uma apostila ou de providenciar internet para os alunos... ou de respeitar a lei e os direitos de seus funcionários. Assediadores criminosos. Não tenho estômago ou paciência para gestores sem competência. E é letal o vaticínio do que essas práticas perversas por apadrinhados políticos e gente inescrupulosa e incompetente pode viabilizar como exemplo na iniciativa privada e no cotidiano das relações profissionais contra os trabalhadores/as.

Tudo informatizado, mas sem conteúdo; tanto conteúdo sem aplicabilidade; trabalhadores tão sem condições mínimas de consumo e dignidade quanto sem acesso aos seus direitos... Essa equação não fecha. Só a corrupção e os conluios mantêm determinadas figuras no poder, seja na iniciativa privada, seja na administração da coisa pública.

                                                                    02/7/2020.

Poema: "Oxida", de Erivelto Reis

 OXIDA

Erivelto Reis

 

Que forma tem um poema

Enquanto vai sendo criado?

Castelo de cartas desmoronadas,

Castelo de areia que a onda do mar afoga?

Casa vazia, pétala orvalhada?

Sabe tudo quem começar a ler um poema

Sem querer saber de nada!

Quem começa a ler um poema

Como alma que sai do corpo

Para dar uma caminhada.

Que forma tem um poema

Quando ele em nós se cala?

Banquete de palavras raras

É roupa de gala alugada?

Nascente de água contaminada

Sensação de calor,

Loucura, frio e febre?

Deve matar a sede ou nos matar de cólera?

Será capaz de distinguir entre perfume e éter?!...

O que há de estranho por detrás de um poema?

Intenção, premonição,

Inspiração, técnica, testemunho...

Todo poema é um rascunho

Do poeta, redivivo, às vezes cínico,

Arauto, pantomímico,

Que o assina, assassina e lança.

Puérpera dança, sina, verve...

Que gosto tem um poema?

Cafetina a palavra,

O poema bebe o poeta

Como uma taça de vinho,

Como um gole de café,

Cicuta, chá ou vinagre.

Tanto mais instável é o poema

Quanto mais é palatável...

Não acalma e não socorre

E ainda põe de porre

Quem da poesia duvida.

Por capricho ou por birra,

O crítico, o poeta e o leitor,

Bom ou mau, seja como for,

A qualquer pessoa que dele se sirva,

Sem saber se está servida, nota:

Azinhavre, fel, zinabre, avinagre,

Por semântica, pela química ou por milagre,

Seja nessa ou noutra vida,

Palavra por palavra,

O poema gradualmente oxida.

Poema: "Pífio epitáfio do bom professor", de Erivelto Reis

 Pífio epitáfio do bom professor

Erivelto Reis


Quando eu morrer,

Hei de deixar o meu diário pronto!

(nada de morrer em sala, a não ser na de casa),

As notas já lançadas,

As médias perdidas e recuperadas calculadas,

Um relatório pedagógico,

Um planejamento estratégico,

Uma avaliação diagnóstica,

Quatro modelos distintos de provas digitadas,

Duas apostilas xerocopiadas e encadernadas.


Ao meu velório não comparecerão

Os meus amigos e amigas,

Companheiros de profissão e de estrada,

Pois estarão dando aula

E suas híbridas salas virtuais

E presenciais estarão lotadas,

E a escola, afinal, não pode ficar fechada.



Deus me livre de morrer

Ou pior: de deixar uma tarefa escolar inacabada...

Pois há uma reunião agendada,

Um COC, uma BNCC a ser implementada...

Tem um PNLL, três PDFs por fazer,

Um ofício, vinte e-mails pra responder,

Uma ocorrência e seis evidências

Para enviar por Whatsapp, nem que seja de madrugada.

Tem 20 maços de provas de 20 turmas diferentes

Em quatro escolas concorrentes, de três redes escolares,

De três municípios adjacentes

E em três turnos subsequentes...

Nas quais eu trabalho diuturnamente para sobreviver,

Tendo os supervisores em meus calcanhares

E dezoito projetos urgentes

Em uma dinâmica excelente que não se pode interromper.



Quando eu morrer,

Que minha caligrafia seja boa,

Para que qualquer um possa entender.

Que minha senha seja fácil

E a nuvem seja baixa

Para o download dos meus arquivos

Não demorar e não ocupar lugar em novo HD.

Todo esse back-up, a cópia no pen-drive, via porta USB,

O comunicado ao RH, à metro, à CRE e ao DP

E a desocupação do meu armário

(Como era organizado esse funcionário!)

A minha viúva ou mesmo um dos meus filhos poderá fazer.



Quando eu morrer,

E mesmo que não haja concurso para me substituir,

Eles vão superlotar mais as turmas

E dizer que estão trabalhando para evoluir.

Promoverão hibridismo, empreendedorismo

Esquecerão Paulo Freire e Jean Piaget

E em seus lugares, porão, EAD,

Ensino remoto, vídeo do Youtube e monitoria,

Desprezarão pedagogos e estudos comprovados,

Afirmarão, sem ter estudado, inventarão dados,

E sem haver lecionado nem sequer um dia,

Dirão que o aluno não aprende

Porque a escola está ultrapassada e não provoca empatia.



Vomitarão tablets imaginários, chips e celulares fictícios,

Plataformas e aplicativos superfaturados,

E a velha conversinha de internet para todos e computador!

Dirão que estão organizando

Um novo ensino médio,

Que é o máximo de tão retrógrado e cerceador...



Quando eu morrer, se prepare,

Porque o futuro é estarrecedor!

Mesmo tendo sido uma boa pessoa,

E tendo trabalhado sempre com amor,

Essa gente não é de sentir pena, de se comover à toa!

Afinal, eu era apenas um simples professor...