ADAM
LINK: OU A BREVE ANATOMIA DOS ROBÔS
Prof. Dr. Erivelto Reis
Para Cícero César, Ronaldo Lima
Lins e Cinda Gonda.
E
todas as pessoas reais de carne e osso, sonhos e disposição para a luta...
I
INTRODUÇÃO
...Se
a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os louros da vitória não
esteja a capacidade humana de imaginar um mundo melhor e de fazer algo para
concretizá-lo? E que liberdade é essa que desestimula a imaginação e tolera a
impotência das pessoas livres em questões que dizem respeito a todos. [...].
Em Busca da política.
(Zygmunt Bauman, 2000, p. 09).
O objetivo desse artigo
é apresentar uma breve leitura de uma prática de comunicação através das redes
sociais que é a disseminação de ideias através de perfis falsos criados e
ativos na rede social Facebook na produção, veiculação e acompanhamento de
temas políticos, ligados à figura do atual presidente brasileiro, Sr. Jair
Messias Bolsonaro, desde o período anterior à sua eleição.
A
justificativa para esse artigo se apresenta como necessária mediante a
identificação da simulação de perfis de pessoas reais com a finalidade de
promover e disseminar conteúdos na rede social que os comporta, realizar sua
assimilação e transição por/para grupos fechados e promover a capilarização de
conteúdos notadamente de campanha e militância política centrada principalmente
em: 1) promover a figura de Jair Bolsonaro; 2) atacar constantemente a
esquerda, principalmente, o Partido dos Trabalhadores, entre os quais
especialmente os dois últimos ex-presidentes, Sr. Luís Inácio Lula da Silva e
Sra. Dilma Rousseff; 3) servir como propaganda governista em todos os setores;
4) promover uma pulverização da capacidade de articulação, foco e resistência
da oposição, da militância partidária contra
as ações do atual governo e a percepção, por parte do próprio eleitorado, dos
enganos, das falhas e dos danos e incoerências do próprio governo.
Os perfis falsos ou
robôs verificados para esse artigo chegam a “disparar” e compartilhar até 36
posts, ou seja, realizam até 36 publicações de peças de propaganda,
pseudoinformação, ataques, em um espaço de 8 horas em horários bem definidos,
são comandados por programas de computador que leem algoritmos, ou seja,
sequências predeterminadas de comandos para executar determinados processos.
Na rede social, por
exemplo, para cada vez que alguém (pessoa real ou outro robô) escreva/publique,
por exemplo, “fora Bolsonaro” etc., os robôs estão programados para inundar a
rede com outros posts com expressões como “mito”, “Lula na cadeia” “Tchau,
querida”, “Brasil acima e tudo”, e, dentro da mesma dinâmica, as imagens, e
arquivos de áudio e vídeo de mesma temática são publicados e compartilhados.
Essa
publicação se deve à leitura que é realizada e identificada por algoritmos que
cruzam dados a partir de informações codificadas. Sejam elas de reconhecimento
facial, marcação de localização geográfica, seja através de palavras-chave, marcação
onomástica, e que funcionam como hiperlinks, ou portas de acesso para os nomes
e imagens marcados, segundo a mesma orientação de algoritmos e do programa.
Não se desconsidera que haja
apoiadores reais do atual governo que produzem e compartilham materiais. Há, no
entanto, uma oferta de peças, e textos e vídeos – muitos desses materiais com
visível qualidade profissional de produção e acabamento que suscita o
questionamento. Este artigo é um recorte com um breve estudo de perfis públicos
de usuários no Facebook. Não é um estudo de análise do discurso, embora, como
fenômeno de comunicação e mídia, mereçam um estudo adequado e oportuno; não se
trata de um estudo semântico ou semiótico.
O recorte para esse
breve estudo de caso foi feito a partir da percepção de comentários em matéria
de um site jornalístico com o uso de expressão específica e que me suscitou
várias perguntas sobre a agressividade do comentário, o possível autor do
referido comentário e o uso da expressão específica, propositalmente crítica a
figura e/ou ao que se associa a uma leitura de uma metodologia presente na obra
de Paulo Freire, que sistematicamente, tem sido rejeitado, criticado e
associado ao fracasso da educação promovida pelos recentes governos de esquerda
no Brasil.
Os perfis verificados estão
identificados nesse texto apenas pelas iniciais. Entendo que embora todas as
características dos usuários apontem para os perfis de robôs (criados e
administrados, provavelmente por empresa (s) de comunicação ou de marketing),
ou seja, perfis falsos, perfis fakes, seja necessário, eticamente,
resguardá-los. Não por falsa prudência, mas por supor que ainda quando expostos
publicamente na própria página (de um robô, uma simulação do perfil real de uma
pessoa), tais páginas poderiam se valer da imagem de terceiros ou possuir
coincidência com nomes de pessoas reais.
A hipótese é a de
incompatibilidade e inconsistência nos dados que pudessem atestar a veracidade
dos perfis. Os critérios para atestar incompatibilidades e inconsistências
foram:
1)
impossibilidade de verificação de existência anterior ao processo eleitoral; 2)
inconsistência, lacunas e incompatibilidades entre os dados de usuários
informados;
3)
nenhuma publicação de natureza estritamente pessoal e particular;
4)
sistematização de publicações de campanha, militância, ataque a adversários
(pessoas e partidos) e divulgação de dados ou de pretensas informações reais
favoráveis ao atual governo, aos seus integrantes e ao presidente e seus
familiares;
5) inexistência de práticas de atividades cotidianas,
pessoais, educacionais, culturais, familiares, de lazer, de leitura;
6)
alguns poucos registros de atividades tais como canais, sites, curtidas ou
programas de TV estão diretamente ligados aos apoiadores do atual governo;
7)
a qualidade gráfica, de edição e de produção do material veiculado, bem como o
teor do conteúdo selecionado com recortes, descontextualizações, extrapolações,
focalizações específicas visando a interferência nos possíveis sentidos do
material eventualmente extraído de notícia “verdadeira”, via de regra para
neutralizar, naturalizar, disfarçar, enaltecer o atual governo e desmoralizar,
desmentir, atacar, agredir, reagir, rechaçar a oposição e/ou suas figuras e
partidos, com extensão de alcance para a militância;
8)
simulação e emulação do que poderiam ser características e comentários de uma
pessoa real;
9)
duplo fake: em muitos casos, nem o
conteúdo veiculado é verdadeiro, como também quem o publica e compartilha é, a priori, uma pessoa real.
Entre
as razões para a identificação dos materiais estão características específicas
que me pareceram organizadas segundo critérios e finalidades específicas. Entre
as quais destaquei como objetivos principais da presença dos robôs (perfis
falsos) no Facebook:
1)
formar uma imagem e marcar presença sistemática (como uma peça de propaganda e
de publicidade) passível de migração e compartilhamento não apenas no Facebook,
como também nas demais redes sociais;
2)
marcar presença, lotear, manter-se presente e atuante como campanha política;
3)
mapear apoiadores e opositores;
4)
produzir e veicular material que possa ser compartilhado como propaganda em
tempo real, conforme os acontecimentos do atual governo e os eventos da
situação ou ligados à oposição, inclusive migrando para redes restritas e
privadas como as de grupos de Whatsapp,
por exemplo;
5)
servir como “noticiário” de campanha ou de realizações. Muitas vezes veiculando
notícias falsas ou interpretações de fatos, bem como relacionar projetos como
já concretizados;
6)
permitir a comunicação direta do atual governo com seu eleitorado, ou mobilizar
a atenção de opositores para intenções reais ou não do governo mediante a
natureza do material veiculado.
Este artigo não é
partidário. Pretende-se isento. Mas parte do princípio de que simular uma
pessoa real para veicular qualquer opinião é isentar-se de responsabilidade
para manipular a terceiros. Não parte da premissa de que outros partidos não se
utilizem da mesma estratégia. Não desconsidera o fato de que pessoas reais
possam produzir materiais de campanha ou de militância por si mesmas ou que
compartilhem os materiais fornecidos por perfis falsos sem concordar com eles
ou verificarem sua veracidade e autenticidade.
Espera-se demonstrar um
fenômeno midiático na política moderna – provavelmente apenas uma “pontinha do
iceberg”, e suas recorrências de uso na rede social específica.
Embora não se pretenda
apurar “responsabilidades” ou se desejo confrontar o “real” com o “falso”, me
parece fundamental destacar que muitos políticos autorizam a veiculação e
produzem vídeos (o próprio presidente, em suas lives), “vazam informações”, “notícias” para uso de seus militantes
e correligionários.
Outro ponto que merece
reflexão é pensar em quem autoriza a página fake,
o robô que se passará por uma pessoa? São empresas? Que empresas? Quem paga por
isso? É pago legalmente? (Investe-se em propaganda via empresa, mas esse
investimento não entra na contabilidade ou declaração de campanha, porque se
simula uma publicação espontânea de uma pessoa de carne e osso, de um
correligionário...).
Seria ético concordar
com a criação de perfis falsos, se passando por pessoas para veicular material
político, de “opinião”, de campanha? De que forma os robôs poderiam estar
influenciando no comportamento de nossa sociedade, em nossas escolhas?
II
“O CÉREBRO ELETRÔNICO FAZ TUDO. FAZ QUASE TUDO”
[...]
A reflexão crítica é a essência de toda autêntica política (enquanto distinta do meramente “político”, isto é,
do que está ligado ao exercício do poder).A política é um
esforço efetivo e prático para subjugar instituições [...] E a democracia
é um local de reflexão crítica que extrai sua típica identidade dessa reflexão.
[...] Em Busca da política. (Zygmunt
Bauman, 2000, p. 90).
Os versos da letra da
canção “Cérebro eletrônico” (1969/2003), de Gilberto Gil, que dão título a esse
e ao próximo capítulo desse artigo poderiam ser úteis à ideia de que “máquina”
e “robô” (tão associados em relação aos perfis falsos), teriam sua pretensa
capacidade de simular ou de se aproximarem da magnitude da compreensão das
emoções e sentimentos humanos e que reagiriam às sensações. Era outra época.
O filósofo Zygmunt
Bauman, na obra Em busca da política
(2000), convida-nos a pensar sobre a importância da reflexão crítica e sobre as
estratégias de usos e manipulação política das ideologias na modernidade.
A propósito de uma
matéria compartilhada via Facebook, que circulou no dia 02 de fevereiro de 2020
– dia de Iemanjá –, publicada originalmente por um site de notícias da Bahia sobre
palíndromos numéricos. A partir da curiosidade provocada pela coincidência da
data capicua 02/02/2020, acabei me
detendo nos comentários (matéria da agência Folhapress que “Comercializa e
distribui diariamente fotos, textos, colunas, ilustrações e infográficos a
partir do conteúdo editorial do jornal Folha de S. Paulo, do jornal Agora e de
parceiros em todos os Estados do país.”), posteriores à publicação, tão comuns
nas nossas relações de interação via redes sociais, especialmente neste intenso
avançar do século XXI.
Não
sei se por minha contínua dificuldade com os números, pela curiosidade em
relação à data ou pelo uso incomum da palavra “capicua”, fui lendo cada um dos
comentários para perceber as reações dos leitores. Deparei-me com outras
pessoas questionando se outras possíveis combinações de datas não seriam também
palíndromos, no que eram elucidadas por outros leitores.
Não eram muitos os
comentários, mas um entre eles me pareceu bastante agressivo e usava a expressão
“analfabetismo funcional paulofreireiano”. Responsabilizando implicitamente as
ideias do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire pela confusão dos
leitores em relação aos palíndromos numéricos.
Qual explicação
plausível para aquele comentário? Por que tanta agressividade em relação a uma
confusão de terceiros sobre datas que nada acrescentaria à vida daquele que fez
o comentário, por que uma matéria prosaica sobre coincidências de calendário
gregoriano, pautada na curiosidade de recorrências poderia interessar aquela
“pessoa”? Alguém que se interessasse por essa curiosidade seria capaz de tanta
agressividade virtual contra pessoas que estariam também mobilizadas pela
curiosidade e pela raridade dos palíndromos capicuos?
A
questão do algoritmo é complexa para os leigos como eu, mas é simples em
aplicações práticas nas redes sociais. Nas redes sociais, as palavras podem servir
como hiperlinks, passagens de transição, portais, chaves para assuntos e temas
coligados ou associados ao que escrevemos, pensamos, consumimos. Os algoritmos
fazem essas associações e desenham nosso perfil com base no que escrevemos,
assistimos, pesquisamos na internet.
Assim, algoritmos
específicos de identificação e compartilhamento de posts com orientação a
atingir um público específico e potencializar o seu alcance, visando à formação
de uma tessitura ideológica em vigência, ou a aparentar que haja uma em
discussão, bem como a identificar simpatizantes e/ou opositores a tais ideias. Como
quando você pesquisa, por exemplo, informações sobre um determinado produto,
bem ou serviço no Google e logo em seguida, ou a partir de então, por um
determinado período, tanto seu e-mail, como sua navegação no Facebook passam a
exibir informações de bens, produtos e serviços idênticos, similares, ou
associados ao que foi pesquisado para dar uma “ajudinha”, um reforço na sua
decisão de consumo. Para manter você pensando ainda naquela possibilidade de
compra.
A expressão
“analfabetismo funcional paulofreireiano”, publicada nos comentários revela e
atrai a atenção de quem se interesse pela educação pela obra de Paulo Freire,
como também de contrários ao educador brasileiro, bem como de pessoas que
discordam de seu uso e do que ela signifique, como eu, por exemplo.
A questão é que os
robôs virtuais, que são basicamente programas de computador que leem esses
algoritmos de identificação de padrão de ideias e consumo podem se passar por
pessoas com perfis falsos ou emprestados por pessoas reais- cujas inúmeras
contas ficam sob administração de empresas de tecnologia e marketing
específicas para essa finalidade (os disparos de “notícias”) - criados em redes
sociais e dessa forma disseminar informações, posts, comentários, verídicos ou
não, produzidos por agências de marketing e propaganda. A quantidade da atuação
desses robôs poderia produzir uma ideia de contrariedade ou de apoio a um
determinado fato, situação, governo, bem ou serviço.
Poderia se prestar a
convencer do absurdo de um fato ou a naturalizá-lo em um determinado contexto,
responder e tentar neutralizar uma insatisfação real seja em relação a um
produto, a uma empresa, a um governo, a uma notícia... Poderia gerar a ideia de
que há um número de pessoas que apoiam a atitude de uma pessoa, ou uma empresa,
sem que esse número e esse apoio sejam verdadeiros.
Pelo uso dos algoritmos,
identificam-se partes, pontos de uma mesma rede de base ideológica e de consumo
comum ou de afinidade seletiva e se pode direcionar com maior ou menor fluxo e
investimento a propaganda a oferta de uma ideia ou de um produto. E ainda mais,
estabelece-se uma rede de compartilhamento de que transita do fake (falso – falsa informação) tanto
para alguém de base favorável, ou seja, alguém que se imagina concordará com
aquela informação, como também chancela – quase que provoca quem a receba a
repassá-la como uma resposta possível a um provável opositor.
O livro de Isaac Asimov
(1920-1992), Eu, robô (1950/2014) é composto
por uma Introdução, na qual são apresentadas as “três leis da robótica” e mais nove
contos “Robbie”, “Andando em círculos”, “Razão”, “É preciso pegar o coelho”,
“Mentiroso!”, “Um robozinho sumido”, “Evasão!”, “Evidência” e “O conflito
evitável”.
Nessa obra do escritor
russo, cujo título fora extraído, a contragosto do autor, a partir do conto dos
irmãos Binder (Earl/Eando e Otto) “Eu, Robô”, de 1939, publicada na Revista Amazing Stories, se descortinam as
inquietações que serviriam de base para a anatomia narrativa de Asimov.
Tal estruturação
narrativa baseia-se em desenhar personagens robóticas com cada vez maior
capacidade de emular sentimentos e sensações em convívio com os humanos e os
conflitos decorrentes desse processo. A quem interessaria que robôs se
parecessem com humanos e os compreendesse? Haveria um momento em que os robôs
se emocionariam e decidiriam para além de sua programação? Seriam capazes de
perceber o mal e de se tornarem maus deliberadamente? Essas questões retornam
em tempos nos quais a política se utiliza de robôs para simularem perfis
verdadeiros nas redes sociais.
No conto, o robô Nestor,
inspirado na personagem Adam Link, também um robô, cujas diversas histórias
foram publicadas entre 1939 e 1942, já expressa o que poderia ser entendida
como uma preocupação por uma convivência que transitaria da subserviência
cooperativa e funcional para a igualdade existencial facultada por uma série de
paradigmas que visariam à preservação do bem estar dos humanos e à coexistência
pacífica entre robôs e pessoas. Dessa forma, os robôs não fariam mal aos
humanos (a despeito de sua inteligência artificial, força, durabilidade,
autonomia, capacidade e especificidade laboral ou mimetização da figura humana)
e estes não os desabilitariam por não se sentirem ameaçados.
A convivência entre humanos e robôs – a
mímesis da forma humana e a emulação de seus sentimentos e emoções, os
excluiria da categoria de máquinas/objetos/ferramentas –, posicionando-os num
estado de permanente heterotopia (para usar o conceito extraído da geografia
humana e das alteridades, de Michel Foucault), entrelugar não hegemônico,
passível de ter o seu status de real, verídico ou verossímil, questionado.
Naturalmente, a
mitologia já legou para a humanidade as questões relacionadas ao convívio entre
humanos e mitos e as religiões estabeleceram dogmas sobre isso. Mas são, os
entraves e limites éticos da interação entre humanos e robôs os parâmetros que
servirão de base para a formulação no contexto da obra (grosso modo, conflitos
entre humanos e robôs) o conceito que ficou mundialmente conhecido a partir da
obra de Asimov, embora já fossem percebidas nas características da personagem
Adam Link, do conto dos irmãos Binder, em 1939, como “As três leis da
robótica”, que são:
1) “um robô não pode ferir um humano ou permitir que um
humano sofra algum mal”;
2) “os
robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens
entrem em conflito com a primeira lei”;
3) “um
robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com
as leis anteriores”.
Será necessário
abstrair o conceito físico predominantemente encerrado à época para a expressão
ferir para que possamos entender que os robôs / algoritmos / perfis falsos que
disparam mentiras, peças publicitárias, informações – pretensamente
verdadeiras, interpretações, para convencer, identificar e mobilizar as massas
através das redes sociais poderiam estar contradizendo as “leis da robótica”,
embora estivessem mimetizando e simulando perfis e figuras e prováveis
alteridades humanas – mediante situações verificáveis ou não –, e ferindo,
desde indivíduos até sociedades inteiras, ao nos violentar com informações que
pela forma e pelo conteúdo podem nos levar a tomar decisões equivocadas ou
desproporcionais.
Os robôs emulam pessoas
e alteridades, ou seja, simulam, se fazem passar por pessoas reais, e que
disparam conteúdos, orientados por algoritmos, sempre terão a “inteligência” e
os interesses de pessoas e corporações e empresas e partidos em sua atuação que
pode estar nos tornando – aos indivíduos e às sociedades –, em portadores,
compartilhadores, praticantes – no mínimo, espectadores –, de uma violência nos
discursos e nas práticas de interação virtual que vai gradativamente
transitando para os locus das
práticas sócio-interacionais e linguísticas no mundo real, nas nossas relações
cotidianas.
Evidenciam-se questões
ligadas ao direito, à ética, à moral e à real responsabilidade pelos atos
decorrentes da ação dos robôs da internet, especialmente por sua atuação
através das redes sociais. Se alguém
toma uma decisão pautada unicamente na informação criada, veiculada por um
robô, de quem será a responsabilidade pelas consequências? Do próprio
indivíduo, se insinua, talvez, veloz a resposta. Porém, se isso ocorrer a um
grupo, a uma sociedade, em detrimento de encobrir um fato real, uma informação verdadeira,
ou desmobilizar, ou manipular, ou intimidar, discriminar outro grupo ou
sociedade, em favor de interesses específicos, como confrontar, como nos
defender, como punir os responsáveis?
Todos sofrem, todos
vigiam e punem a todos o tempo todo enquanto
uma “força” (uma pessoa, um governo, um partido, uma ideologia, uma
empresa, um bem, um produto, um serviço), hábil, capaz de operar a mudança de
ideais e humores por meio da interação virtual realiza, incólume, uma flanerie, um passeio pelo lamaçal, pelos
espólios do conflito que possivelmente a mantenha no lugar que planejara
atingir, sabe-se lá por quais interesses.
Não vos parece
aviltante, degradante, ilegal, imoral e antiético que isso possa ocorrer a uma
sociedade? Ser articulada desde e a partir das redes sociais e ser mobilizada
pelo erro, pela informação falsa, descontextualizada, desvirtuada,
reinterpretada para escolher o que lhe prejudique, para tomar para si um
discurso que lhe seja para a própria natureza, para a própria biografia, contraditório,
violento, excludente, preconceituoso, para neutralizar, naturalizar, blindar,
desviar atenções, fragmentar oposição, parecer fortalecer e endossar ações, e
assim favorecer a terceiros?! Que fique claro: a quaisquer que sejam esses
“terceiros”.
III
“CÉREBRO ELETRÔNICO NENHUM ME DÁ SOCORRO”
[...]
Os poderes totalitários não tolerariam qualquer experimentalismo, pela razão
mesma de ser experimental, quer dizer, um espinho na carne dos governos
totalitários monolíticos e cruéis; menos ainda aceitariam visões que não se
coadunassem com as realidades que já tinham concretizado e controlavam [...] A
única liberdade que os regimes totalitários estavam preparados para oferecer
aos intelectuais e artistas era a liberdade de ouvir, de tomar nota e obedecer.
Obedecer ou morrer. [...] O direito de
criar a realidade, assim como de decidir o que é real o bastante para ser
representado, permaneceria prerrogativa exclusiva dos governantes. [...]. Em Busca da política. (Zygmunt Bauman,
2000, p. 100).
Voltemos à questão do
comentário na página do jornal que motivou a reflexão sobre Adam Link e os
robôs que atuam nas redes sociais. Como
o comentário atribuído a uma pessoa com perfil na rede social do Facebook me chamou
a atenção, fui verificar o perfil da “pessoa”.
Por uma questão ética
não mencionarei nomes, mas sugiro a reflexão e, no mínimo, a verificação antes de
compartilhar qualquer tipo de postagem daqui pra frente. Lembre-se de que mesmo
que a pessoa que tenha enviado o post seja alguém conhecido, de sua confiança,
o texto, a imagem, o áudio, o vídeo, são produtos que podem ter sido
manipulados por um robô para alterar a sua percepção de um fato ou para
fomentar o pânico, o desânimo, o descrédito em pessoas, grupos, entidades,
instituições em nossa sociedade.
Vamos ao perfil.
Chama-se S.B. (escrevo aqui apenas as iniciais de um nome que lá no Facebook
está identificado, em nada extravagante, diferenciado ou curioso. O nome de uma
pessoa comum.). A página traz como foto de capa um post de 12-3-2019 intitulado
“Família imperial Bolsonaro”, com o presidente e seus filhos homens, associando
cada um deles a um ano eleitoral (2018, 2026, 2034, 2042, 2050), espaços de
intervalo associados ao cumprimento de dois mandatos de quatro anos cada, escrito
em destaque sobre cada um dos que está na foto, projetando-se até o ano de
2050; como a primeira data está associada ao atual presidente, insinua-se que
os demais também poderiam ser eleitos e reeleitos para o mesmo cargo ao longo
desses ciclos eleitorais; e, no canto inferior direito da imagem, está em
tamanho menor a foto de uma menina, possivelmente a filha do presidente, (à
exceção do atual presidente, não os conheço a ponto de identificá-los, embora
os dois mais jovens claramente não estejam no exercício da vida pública), com a
inscrição: “E se reclamar [sic] a gente elege a Laurinha em 2058”. Há apenas a
opção compartilhar.
Na legenda, estão
marcados com hiperlinks os nomes (quando se marca alguém em hiperlink no
Facebook significa 1) que a pessoa tem um perfil e que 2) ela será notificada
de que você, específica e inequivocamente
a marcou). Em se tratando de pessoas em interação via Facebook, apenas um post
em que alguém foi marcado. Se considerarmos um post em um perfil de um robô,
trata-se de um recibo de uma tarefa cumprida.
Além de tentar caracterizar tratar-se de uma pessoa e não de um
algoritmo, um produto, um veículo.
Você precisa saber que
é possível criar páginas no Facebook, quantas se deseje, desde que cumpridas
algumas exigências onomásticas, visando, sobretudo, à proteção de marcas e
copyright, e basicamente ligadas a nomes sugeridos ou já em uso e a um e-mail
considerado válido. Há algumas poucas restrições a símbolos e a slogans. O
regulamento completo pode ser consultado na própria página do Facebook. Apenas isso. Em teoria não seria possível
criar, por exemplo, uma página com o nome de “Coca-Cola” (em função do
Copyright), mas se pode criar uma página com nome de Machado de Assis, desde
que haja um e-mail (podem ser criados às centenas por pessoa), considerado
válido. E isto porque estou me referindo
apenas ao Facebook. Imaginem em redes como Twitter ou no aplicativo de
mensagens como Whatsapp.
Outro dado bastante
impressionante: no dia 26 de janeiro de 2020 S.B. realizou 36 postagens a favor
do atual governo e/ou ridicularizando e acusando a oposição, especialmente o
Partido dos Trabalhadores. Nenhuma fonte confiável, ou dado verificável foi
fornecido em nenhum dos posts. Também não há nenhuma publicação particular,
pessoal, íntima, cotidiana de nenhuma natureza. As postagens, seguem ciclos por
horário em número de três a quatro posts por ciclo de publicação.
Ainda na página de
S.B., na foto de perfil, que é menor e fica localizada no canto inferior
esquerdo da foto de capa (de maior destaque), há uma caricatura personalizada
do atual presidente Jair Bolsonaro, caracterizada ao estilo dos personagens da
série internacionalmente conhecida Os
Simpsons.
Na caricatura o
presidente está fazendo um sinal característico de uma empunhadura de arma com
os indicadores em riste alinhados em paralelo e com os óculos escuros, que na
linguagem da internet, especialmente nos memes, são símbolo da “lacração”, ou
seja, quando alguém deixa o outro sem resposta. Lacra. Dá uma “invertida”. O
que equivale a ser superior em argumento, astúcia, agilidade, importância, nas
mesmas bases daquele ou daquela que se lhe sirva de contestador ou oponente.
Assim esses óculos
escuros, dão um ar blasé, irônico, sarcástico ao serem atribuídos em um meme,
numa imagem, numa charge, num desenho e simbolizam uma supremacia de argumento
ou de posicionamento, ainda quando momentaneamente.
Das 65 fotos
localizadas, todas partem do período eleitoral que culminou com a eleição do
presidente Jair Bolsonaro. Todas. Não há acontecimentos ou fotos pessoais,
cotidianas antes desse período. Não há.
A primeira, de
30/03/2018 traz um gráfico associado às intenções de votos, supostamente
apurado em Minas Gerais, colocando as intenções de voto dos mineiros na
proporção de 29,1% para Jair Bolsonaro. Não há uma fonte oficial informada para
a suposta pesquisa, nenhuma origem oficial dos dados informados. A escolha das
fotos dos outros adversários citados: Marina Silva, em segundo; Ciro Gomes, em
terceiro; Geraldo Alckmin, em quarto e Álvaro Dias em quinto. Fernando Haddad
não é mencionado. Presumo que se tratasse na época de intenções de votos em
possíveis candidatos.
As demais fotos seguem
o mesmo padrão. São peças de uma campanha política. Militância, posts
ridicularizando opositores, dados sem fonte e sem referências, tabelas, fotos,
fotomontagens ridicularizando opositores, contestando informações e
estatísticas, reproduções de prints de postagens do Twitter, citações de Olavo de Carvalho (um dos articuladores
“intelectuais” do governo de Jair Bolsonaro) ou a ele atribuídas via Twitter.
Há uma foto de 07 de
setembro de 2019 em que os presidentes do SBT e da Record TV aparecem com
membros de suas famílias em pose ao lado do presidente. É uma das poucas fotos
com pessoas, as demais são gráficos, desenhos, charges, caricaturas, tabelas,
reprodução de posts. Não há uma vida pessoal em ocorrência. Há uma apenas uma
simulação. Uma campanha permanentemente construída para se parecer com
postagens de um militante real.
Curiosamente, em 06 de
maio de 2018, há um post com a foto de uma gata, falando de seus filhotinhos e
fornecendo um número de celular para adoção. S.B. é um nome de página feminino.
No entanto, o gênero declarado nas informações do usuário no Facebook para este
usuário é masculino. Na seção apelido que a página permite que o usuário
informe está escrito: “Bolsonaro governará oito anos”. Esse é o apelido.
Curioso, não?!
Em 30 de abril de 2018
há uma suposta capa do jornal alternativo francês Charlie Hebdo com uma caricatura machista, misógina e violenta
intitulada “Pavillon de la corruption”
sobre a deputada federal e líder do Partido dos trabalhadores Gleisi Hoffman. A
legenda de S.B. para o post é “Uma imagem vale mais que mil palavras” e há a
marcação (hiperlink) do nome da própria deputada, para que ela ou seus
assessores recebessem a informação do post. Um dado interessante é que essa
imagem é falsa. É agressiva e falsa.
O jornal francês em
questão jamais a publicou. Inclusive há uma alerta de informação falso sobre a
imagem que foi compartilhada 11 vezes a partir desse post. Há ainda um ranking
de queimadas atribuído ao INPE, com 20 compartilhamentos, posts de divulgação
de palestras, uma nota de esclarecimento atribuída à polícia federal, uma lista
de realizações do Presidente.
Não posso deixar de
mencionar que a citação favorita de S.B. (ela/ele) não sei, informada em sua
página no Facebook é a seguinte: “Assim diz o SENHOR [sic]: com a mesma unção
de Moisés, ungi a Bolsonaro [sic] para libertar o Brasil do faraó deste tempo”.
Até a Bíblia foi emulada nessa citação.
O vídeo de
retrospectiva do Facebook para tudo o que S.B. postou e compartilhou em 2018 menciona
4989 amigos. Um número bastante considerável de amigos para alguém que não tem
rosto ou vida cotidiana. Apenas faz campanha. Não há nenhum membro mencionado
em sua família e nenhuma informação sobre relacionamento. Boa parte de seus “amigos”
seguem o mesmo perfil de militância e compartilhamento e nenhum traço, dado ou
informação biográfica que possibilite verificação de que se trate de uma vida
real.
Entre eles, pode-se
destacar: S.L., que teria estudado na UFRJ, gosto e acredita na inocência de Michael
Jackson e torce pro Liverpool. Nenhuma foto pessoal, nenhum trabalho, nem um
evento. Só campanha – nesse caso, voltada em boa parte contra o PT, a favor de
intervenção militar e pró-Bolsonaro. S.L. que não existe e apoia intervenção
militar possui 2954 amigos no Facebook.
Não é estranho ter
preocupação ética com preservar a identidade de um robô? Sei apenas que seu
programa preferido é o Balanço Geral Interior e que ele nunca nasceu e nunca
morou em lugar nenhum, segundo o Facebook. Não há foto de seu rosto, mas sua
foto de perfil traz a silhueta de um militar prestando continência, tendo ao
fundo uma parte da bandeira nacional e a foto de capa maior traz um fundo preto
com a inscrição: “Virou bagunça.”.
Destaco, ainda, V. B.
(mesmo sobrenome do presidente, adotado, segundo me parece, por identificação
ideológica. Há centenas de casos na mesma rede. Mais uma prova de que é
possível criar perfis quantos se julgar necessário para compor uma rede de
veiculação). Diz morar em Taubaté/SP, mas ser Belém do Pará. Não tem foto de
perfil. Sua foto de capa traz a foto de uma rosa cor-de-rosa com votos de bom
dia.
O perfil de suas
postagens oscila entre um cartaz com denúncia de maus tratos a animais, imagens
contra o PT, uma postagem que afirma que
o ministro Gilmar Mendes ordenou que Carlos Bolsonaro fosse expulso de
todas as redes sociais e que por essa atitude o ministro precisaria sofrer o impeachment. Informação
comprovadamente falsa (a informação está no próprio post de V.B.). Ou trata-se
de um perfil novo ou pouco seguido. V.B. tem apenas 389 “amigos”.
Há um vídeo do senador Magno Malta, alertando
para a possível libertação de presos em segunda instância. Criminosos,
estupradores comparados ao ex-presidente Lula. O senador pede o
compartilhamento do vídeo, cita o PT e os seus “puxadinhos”. Perfis de robôs
como veículos, canais de projeção e propagação de seus “recados” e
pronunciamentos. Há também um vídeo de uma visitar do ex-presidente Ernesto
Geisel a São Luís do Maranhão.
Seu programa favorito é o Brasil Urgente. Não
há registro de um trabalho, de família ou de filhos. O gênero informado é o
feminino e o seu interesse são os homens. Não há nenhuma atividade antes do ano
calendário eleitoral de 2018. V.B. não existiu nas redes antes de 2018. E desde
então, basicamente militou a favor do governo que viria a ser eleito e em sua
defesa, após as eleições. Seu perfil, no entanto, mescla informações sobre
crimes, furtos, desaparecidos, notícias veiculadas em jornais específicos,
principalmente as que apontem com aos segmentos da sociedade ligados ao que se
chama de defesa de “ideologia de gênero”, defesa de “criminosos” etc. Nenhum
dos perfis apresentou a informação sobre haver lido livros.
Infelizmente,
não há maiores detalhes sobre V.B. e nada aconteceu em sua vida. No entanto, há
um post de 10/01/2019, contendo uma tabela em que a falta de dinheiro para os
hospitais é atribuída a verbas destinadas para a cultura (filmes, livros,
shows, turnês), numa publicação atribuída ao Portal da Direita, na qual o
“Filme do Brizola”, “Livro do Chico Buarque”, “Peppa Pig”, “Turnê do Shrek”,
“Livro de Poesia de Maria Bethânia” e “Museu Lula” estão responsabilizados. Não
há nenhuma fonte oficial informada para respaldar os números e as obras
apresentadas. Nem as bases legais para relacionar as obras à falta de dinheiro
para os hospitais. Assim como S.B., V.B. também publica posts verificados como
falsos, mas que estão disponíveis como fotos e que foram compartilhados. No
caso de V.B. trata-se de uma publicação sobre ataque chinês a navio brasileiro,
publicado em 16/12/2018.
Não
se devem desconsiderar alguns aspectos:
1) As
fontes de produção dos posts não são autônomas e nem amadoras na quase
totalidade dos perfis;
2) Os
perfis falsos não se comunicam apenas com perfis falsos, mas desta relação se
produz a capilaridade da difusão das publicações;
3) O
Facebook tem servido como aglutinador transmidiático entre o Twitter e o Youtube e promove por acesso e
circulação das reincidências que transitam para os grupos privados via
Whatsapp.
4) Há
conteúdos específicos para Whatsapp que transitam em sentido oposto: do mais
restrito dos grupos focais para o mais amplo e pulverizado do Facebook.
5) Não
há mecanismos de filtragem e inibição da circulação em número e velocidade que
possa coibir ou impedir a circulação de fakes ou a proliferação de perfis de
robôs nas redes sociais.
6) Embora
a origem da produção e matriz da veiculação e circulação possa até ser
identificada, a capilarização provocada pela republicação dos posts dificulta a
inibição de sua veiculação;
7) Algoritmos
e contextos políticos específicos podem determinar um ataque massivo de
publicações;
8) O
que popularmente se conhece como “disparos” ocorre com frequência de dias e
horários específicos entre as 9h e 10h da manhã; das 12h às 14h e das 16h às
20h. Os outros horários acabam capilarizados e cobertos por republicações de
grupos fechados e por confrontações e repercussões dos posts.
9) Os
perfis de robôs têm linhas editoriais bem definidas, que podem sofrer recombinações, segundo
entendemos, e nomeados conforme a predominância de suas interações. A saber:
a. Oposição –
promovem divergência e desconfiança em relação à oposição;
b. Promoção
– responsável por manter ativa e constante a ideia de realização e progressão
dos feitos do governo;
c. Recepção
– Recebe e mapeia as articulações e produz respostas que se pretendam equânimes
em estrutura às questões formuladas pela oposição.
d. Articulação
– Coaduna os perfis anteriores para disparos sistemáticos com a finalidade de
dispersão das linhas de percepção da opinião pública e desarticulação das
respostas e da mobilização da oposição.
O primeiro perfil de
robôs, o de Oposição, se estabelece apenas para manter em pauta postagens,
informações, fotos, fotomontagens, entrevistas, matérias, números, planilhas,
dados (verídicos ou não) desde que possam manter o status de divergência e
desconfiança em relação à oposição. Seja aos chamados “partidos de esquerda”,
“aos de centro-esquerda”, aos dissidentes e às instituições “independentes” que
componham os poderes legislativo e judiciário.
O segundo perfil de
robôs, o de Promoção, se articula para lapidar, divulgar, promover e convencer através
de posts de que o governo realiza ações proativas, assertivas e competentes em
sua gestão. Atua em linhas específicas ligadas aos seguintes temas:
1) combate à corrupção;
2) Combate à esquerda / comunismo / socialismo /
lulopetismo;
3) desarticulação do pretenso aparelhamento estatal
anterior à gestão atual;
4) produzir
material relacionado à gestão econômica, financeira e governança;
5) se ocupa de ações e temas relacionados à moralidade
e religião;
6) relações intragovernamentais com especial
dedicação aos militares;
7) abastecimento das militâncias de bases municipal
e estadual com subsídios estratégicos, de informação, gestão e articulação
econômica
8) articulação com demais lideranças políticas;
9) massificação da circulação dos registros
produzidos pelos perfis de oposição;
10) comunicação institucional do presidente com seus
comandados e correligionários (via comunicados ao vivo, através das redes
sociais);
11) registro das ações e sua montagem em peças
promocionais que permitam a divulgação das ações e a produção de material para
uma eventual campanha à reeleição.
O terceiro perfil de
robôs, o de Recepção, funciona como um radar ao que outros perfis de usuários
estejam publicando contra o governo e suas ações. Entre outras funções, requer
habilidade de leitura dos discursos e respondê-los através de silogismos, de
identidade visual correspondente à provocação, de axiomas, de sofismos, de
ilações, de adequação do discurso, semântica, sintagma e semioticamente para
que se torne similar ao que se pretenda responder, da apropriação de tipologias
como manchetes, layouts de circulação. Parte de premissas que sequer dependem
ou encontram possibilidade de confirmação:
1) Lula e as esquerdas compõem um grupo de altíssima
periculosidade (em oposição às relações da situação com organizações
paramilitares criminosas);
2) a corrupção foi a marca dos governos anteriores
(em oposição às diversas acusações de lavagem de dinheiro e corrupção no atual
governo);
3) ideologia de gênero, liberalismo sexual,
promiscuidade, contrariedade às religiões são defendidas pela oposição;
4) funcionalismo público, educação básica e
universidades, pautas inclusivas, violência urbana e criminalidade, crise
econômica e desemprego seriam heranças malditas de práticas e políticas
orientadas e estruturadas pela esquerda, leia-se governos Lula e Dilma;
5) a arte e a produção cultural estariam ligadas à
imoralidades, à desordem, ao ataque às instituições – principalmente, ao
executivo –, e à corrupção, notadamente em função das leis de incentivo, em
especial, devido à Lei Rouanet;
6) as pautas trabalhistas e administrativas precisam
ser realinhadas e o empreendedorismo seria o ponto de salvação do Brasil;
7) os militares e sua história são demonizados pelos
esquerdistas / comunistas / socialistas;
8) os opositores do governo caracterizam-se por
defensores de bandido, ateus, pervertidos, conformados, servidores públicos
improdutivos e privilegiados.
9) Lula é um criminoso e se não o fosse não teria
sido condenado (não importa as base do processo, a ausência de provas, as
articulações entre juiz e promotores, o copia e cola das sentenças e a promoção
do juiz que o condenou a ministro da justiça);
10) Dilma foi criminosa (as pedaladas inexistentes),
por isso foi alvo do impeachment.
Assim,
para cada questionamento que se faça ao atual governo, imediatamente aparecem
posts como “Lula tá preso” (quando estava), “Dilma corrupta” (vídeos com a
prolixidade da presidenta, sob ilustração de uma pretensa incapacidade);
“Ladrão de estimação”, “o PT quebrou o Brasil” etc.
O
quarto perfil de robôs, o de Articulação, coaduna os perfis anteriores,
recombinando-os e mantendo-os em constante círculo de alimentação. Dessa
maneira:
1) potencializa pontos de combate da
oposição, esgarçando e pulverizando sua capacidade de diálogo e mobilização;
2) estabelece para a militância a ideia
de que o governo possa estar sob ataque e que por isso medidas antipáticas e
muitas vezes extremas precisam ser tomadas;
4) produz uma sensação de ruptura entre
eles e nós, polarizando a população, categorizando-a e alimentando animosidades
entre os setores;
5) dificulta o acompanhamento das reais
pautas do governo e de seus possíveis impactos na vida social;
6) produz propaganda direcionada de
baixíssimo custo final, uma vez que os posts acabam sendo cíclicos e atuam em
frentes que o governo precisaria gastar ainda muito mais em publicidade,
liberando recursos para emendas negociadas diretamente com os presidentes e
integrantes de partidos.
7) gera um fenômeno midiático que
transmigra para uma fenomenologia da História, ainda quando em trânsito, não
por grandiosos feitos, mas por conta da intensidade e da frequência de suas
desconstruções;
8) intensifica as ações de truculência
executiva, ruptura e controle diante das autarquias estatais como uma resposta
aos pretensos ataques.
O
Brasil precisará ainda de muito tempo e muita pesquisa para entender o fenômeno
pelo qual passou e que culminou com a eleição da extrema direita sem debate e
sem discussão das agendas fundamentais para a soberania do país. O fenômeno dos
disparos de mensagens eletrônicas de posts, a aceitação humana de afirmações e
informações carentes de prova, de embasamento e a libido pelos discursos de
ódio a minorias e grupos específicos, a ferocidade dos discursos e o
acirramento da pobreza, da miséria e da desigualdade como resultado de interações
virtuais que colocaram no poder um grupo subserviente aos poderosos econômica e
politicamente e que servirão para o serviço sujo de descontruir e varrer, sob a
égide do neoliberalismo, o Brasil para os quadros da indigência internacional.
Para
Asimov em, Eu, Robô, as leis da
robótica impediriam que os robôs machucassem os seres humanos. Mas como
proceder quando os robôs são portadores virtuais de um discurso preparado para
nos desarticular e dominar, programado por pessoas nada “humanas” a serviço de
pessoas, partidos (de esquerda, de centro, de direita e demais coalisões),
empresas e corporações? Adam Link se preocupava em não ferir os humanos e foi
acusado de um crime que não cometera. Talvez tenha sido um dos poucos robôs a
proceder dessa forma.
A
História a ser escrita vai nos contar. Guardem seus prints. Os robôs e os
políticos não sentem remorso (têm cada vez mais se assemelhado a máquinas) Já os
humanos... Poderão, talvez, herdar o remorso de uma consciência que jamais
tiveram.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASIMOV,
Isaac. Eu, robô. Traduzido por Aline
Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014.
BAUMAN,
Zygmunt. Em busca da política.
Traduzido por Marcus Penchel. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2000.
GIL,
Gilberto. “Cérebro eletrônico” (1969). In.:
RENNÓ, Carlos (Org.).. Gilberto Gil:
todas as letras. (Edição revista e ampliada). São Paulo: Cia das Letras,
2003, p. 112-113.