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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Crônica: "Apelo - Dia dos professores de 2023", de Erivelto Reis

Apelo - Dia dos professores de 2023

Erivelto Reis

    Eu quereria abraçar meus companheiros e companheiras de jornada e dizer-lhes que tudo ficará bem. Eu quereria que os meninos e meninas seguissem sua caminhada e que pudessem chegar e fossem bem recebidos/as nas universidades, no mercado de trabalho e onde mais quisessem estar. Eu quereria não adoecer da alma, de medo, estresse e de ansiedade a cada vez que entrasse em sala. Eu quereria não ter de lidar me esquivando e tentando evitar o tempo todo as violentas práticas e ameaças veladas e simbólicas. Eu quereria não precisar ensinar toda hora, a cada nova turma, que todas as pessoas merecem respeito. Eu quereria que a fraternidade e o afeto não fossem sentimentos estranhos a tantos/as jovens.

    Eu quereria não valer menos que o ecrã de um dispositivo eletrônico, um aplicativo ou uma conexão de internet. Eu quereria poder apenas construir com eles e elas as fantásticas transformações que o conhecimento proporciona, ao invés de ter de combater desinformação, convicções baseadas nas distorções vis de dogmas, da ética, das relações de poder e de valores. Eu quereria que entre os/as de nosso meio coexistisse e que prevalecesse sempre o real entendimento e prática das melhores ações. Eu quereria ser e me sentir feliz constantemente pelo exercício de minha profissão, pela perspectiva do bem que ela possa fazer à sociedade e às pessoas individualmente em lugar da permanente pressão, desvalorização e de apenas eventualmente sentir que alguém reconheça o mérito do meu trabalho. Eu quereria que a escola fosse um porto seguro e jamais um campo de guerra, uma cidade devastada pelo desleixo político, um cemitério onde vão morrer os sonhos.

    Eu quereria coisas que não posso esconder e sofro de desilusões cotidianas que marejam meus olhos, me atemorizam e me pedem pra não desistir. Há uma eloquência silenciosa nos desastres que testemunhamos e mesmo o cálice das pequenas vitórias diárias que eventualmente saboreamos tem uma nota final de amargor. Eu quereria que meu texto de hoje fosse lido como uma declaração de amor e que servisse como um alento, sinal de que as dores que calamos e os percalços que enfrentamos não são nossa culpa e que não estamos sós. No entanto, somos atravessados por um sistema que nos quer submissos, desmotivados e amedrontados. Por isso resistimos. Por enquanto, resistimos. Por honra aos bons que nos precederam, por amor à profissão que escolhemos e por crer num ideal de igualdade, democracia e liberdade.

Crônica: "O Silêncio dos indolentes", de Erivelto Reis

O Silêncio dos indolentes

Erivelto Reis

A escola é partilha. Meus alunos quase não disseram nada pela passagem do dia dos professores e professoras. Mas a direção da escola também não disse, mas a secretaria de educação também não disse, mas o ministério da educação também não disse. E seria uma grande surpresa se dissessem. E foi uma grata surpresa que alguns tenham dito. Não algo que eu quisesse ouvir ou achasse que merecesse. Ou algo coletivo que empoderasse nossa categoria...Mas algo grandiloquente que viesse de cada um dos que gerem educação ou que nascesse dessa comunidade, que brotasse naturalmente como um gesto de real reconhecimento ou de gratidão. Fazem mil reuniões de tudo quanto é coisa, horas e horas do mais amargo licor de COC, querem esfregar portarias que não são políticas democráticas de educação em nossa cara... mas com que rapidez estéril nos saúdam pelo dia que devia ser de festa. Um feriado pra alma. Que mais do que uma felicidade aparente, poderia ser uma fraternidade sincera. A escola é partilha. Não posso estar entusiasmado por esse sistema. Nem podem querer que eu vos louve por fazerem o que não fazem ou por fazerem como o fazem o que não deviam fazer como escolhem ter feito. A escolha é partilha. Partilhemos nossa solidão comovida. Nossa solidão como vida. Viva. Ehhh...

17-10-23

Poema: "Halloween", de Erivelto Reis

Halloween

Erivelto Reis
Tanta gente por aí que age e fala como se gostasse da escola pública
Mas não gosta nada...
Nem liga...
Gosta de mentira, gosta é de mentiras.
Como se fingisse gostar de um parente,
De um vampiro, de uma múmia,
Como se gostasse de um purgante,
De uma dor de dente.
De uma topada,
Do lobisomem, de um duende
De uma diarreia,
De um gnomo, de uma bruxa má,
De uma enchente,
De perder uma aposta,
De pisar na bosta.
Tanta... Tanta gente.
Dizendo por aí
Que se preocupa com a escola pública.
Preocupa nada.
Na hora que a escola precisa
(E a escola sempre precisa!),
Diz que tá ocupada,
Que está cansada,
Em oração...
Que é só tirar da tomada,
Que é problema de conexão.
Que é falta de porrada,
Que a escola deve ser privatizada.
Tanta gente por aí que
De escola pública não entende nada.
Estão nas escolas, na administração, nos gabinetes...
Com suas mordomias e marionetes.
Estão nos ministérios,(mistério!)
Nas licenciaturas, na graduação,
Na TV, nos sites, nos meios todos de comunicação...
Coordenando fundações e projetos pretensamente benéficos à educação.
Mas que gente mais prestativa
Quando o assunto é emitir opiniões,
Inventar falsas soluções,
Apontar culpados, monstros e vilões.
Criticar o esforço alheio,
Dizer que não é pai nem mãe
De um filho malcriado, de um filho feio,
Puxar o saco do governo...
Mentir que a escola pública está nadando no dinheiro!...
Tem muita gente por aí
Mentindo que gosta da escola pública.
Mas gosta mesmo é da crise e da fofoca, da violência e do assédio
Enquanto a escola vai sendo
Sufocada, desacreditada, desmontada
Até virar um prédio vazio
De vida, de sonhos, de alma.
Até que os alunos
E os profissionais da educação
Se vejam transformados
Em fantoches, em fantasmas,
Em fachadas, em zumbis,
Mortos-vivos com medo,
Sem voz e sem vez.
Sem ter um lugar para ir,
Que ninguém quer saber.
Capachos maltrapilhos
Humilhados...
Assombrados.
Halloween é para os fracos.
As coisas todas do nosso dia a dia
São pra essa gente
Como ficção, terror de um filme B...
Apenas resquícios de um pesadelo.
Tem gente que diz que gosta da escola pública,
Gosta nada!
Gente vazia do coração de gelo.