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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Poema: "Sobre Vândalos e Vassalos", de Erivelto Reis

 Sobre vândalos e vassalos

Erivelto Reis
A religião dos omissos é a subserviência aos poderosos...
Seu credo é jagunçagem,
Seu passatempo é a aparência,
Seu objetivo é fazer o mínimo
Pra garantir o máximo.
Ostentação pra essa gente
São os cargos que amealham
Enquanto sua falta de capacidade
E formação claudicante
Vão sendo naturalizadas,
Como num esquema de pirâmide
Ou de lavagem de dinheiro,
Só que com a própria biografia.
Seu preconceito, capacitismo,
E sua idiossincrasias
São superados apenas
Por sua falta de autocrítica.
E pelo tom de moralidade
E demagogia.
A religião dos omissos
É a subserviência!
Seu testemunho
É levar vantagem
Porque alguém vai levar.
Sua certeza é suspeita
Irrestrita e matreira.
Seus deuses exalam favores
Com um odor naftalínico,
De água de colônia
Produzida por ditadores.
Quer apostar como
Dormem tranquilos?!
Quer apostar que não dormem?
Quer apostar como fazem
Do assédio e da violência
Um fetiche de satisfação
Autorreferencial?
Quer apostar como
São seduzidos por
Discursos de meritocracia
Nos quais a hierarquia
Dos seus comandados
Faz com que todas as suas
Capacidades sejam inferiores, comuns
E banais?
A religião dos omissos
Não se abala
Enquanto se julgarem
Como os escolhidos,
Os preferidos.
Seu hinário
Tem cânticos de vassalagem,
Entoados desde as campinas
Até os pântanos.
O contraditório lhes causa
Espanto...
Um verdadeiro escândalo
Passível de exorcismo.
Os que os contestam
São insubordinados,
Desempregados,
Desalocados, desajustados
Ou vândalos.

Poema: "A Memória (in)finita", de Erivelto Reis

 

A memória (in)finita

Erivelto Reis

Para Maite Alberdi, Paulina Urrutia e em memória de Augusto Góngora

 

Se eu perder a memória, terei perdido o caminho?

Ou o caminho há de se perder em mim?

Se eu perder a memória

Até para os traços mais singelos

Da adoração de meus afetos:

Minha companheira, minha filha, meus filhos,

Meus amigos, meus filmes, minhas músicas e meus álbuns preferidos...

O que farei com esse resto de estrada?

O que farei com esse resto de caminho?

Se eu perder a memória,

(Fora a arte, o amor e a saudade),

A senha master que destrava

O milagre que eu sou, que eu fui, (que eu pensava ser)

E dá acesso ao mundo subjetivo e inquieto que há em mim,

O que farei com essa procura incógnita

De alguém que já não reconheço o reflexo no espelho?

O que farei com o lusco-fusco do esmaecimento

Que vai caiando de uma luz apenas branca e difusa

O muro de minhas lamentações,

E desmontando o pódio de minhas

Conquistas pessoais?

Que alegrias darei aos que tiverem o carinho

E a misericórdia de cuidar de mim,

De me lembrar de quem sou – talvez não sendo mais,

De quem fui, do que fiz de importante

Aos que compartilham comigo os traços,

Os genes, os memes e o semblante,

Ou aos meus irmãos e irmãs de uma pátria

Em luta, enlutada em permanente levante?

Se eu perder a memória,

Estarei abastecido, protegido pelo amor

Que eu tenha inspirado aos meus companheiros e companheiras

E aos meus descendentes

Ou que pela humana sensibilidade neles exista

E possa haver triunfado?

Se eu perder a memória no asilo finito da carne de meu corpo,

Repentino ou gradativo filho eterno do amor de meu amor

E do cuidado e sobressalto de meus filhos,

Antiga fotografia, esquecida entre as páginas

Do mais remoto livro,

Que rasuras farão do meu destino?

Se eu perder a memória,

Se ela me for proibida, inacessível, inescrutável,

Ainda poderei supor

Que algum exemplo que tenha partido de mim permanecerá,

Trêmula bandeira rota do país democrático pelo qual lutei?

Que perguntas morrerão pra sempre no silêncio de mim mesmo,

Que respostas eu jamais terei?