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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 31 de outubro de 2020

Poema: "Eviscerado", de Erivelto Reis

 Eviscerado

Erivelto Reis

 

Quando a morte vier me pegar,

Vai ficar desapontada!

Vai cumprir o seu dever,

Mas vai ficar transtornada.

Não haverá nenhum ai,

Nem bônus, nem um plus...

Não importa quem seja seu pai:

Não poderá se queixar ao diabo,

Não poderá se gabar pra jesus.

 

Quando a morte vier me encontrar,

Quando eu me quedar morto...

O que ela encontrará é quase nada:

Metro e meio de um corpo, arbusto apenas,

Já sem fruto, ao largo de qualquer estrada.

Não haverá alma para aproveitar,

Não haverá nada a compreender,

Tudo já terá sido dito, vivido.

Não haverá nada porque se arrepender.

 

Quando a morte vier, soberba, altiva

Minha palavra estará dispersa, antes tão dispersiva,

Travesseiro de penas,

Eviscerado na janela do mundo.

Mesmo que ninguém conheça, leia ou ouça

O que escrevi e o que me esforcei pra explicar,

Minha vida, esse inútil bibelô de louça,

Útil apenas pelo que significar

Para mim mesmo ou para quem bem me queira.

Vai deter-se na orla do meu não mais ser e do que jamais serei,

Vai ficar de fora de tudo quanto eu inventei.

 

E pouco importa se não houver céu,

Se eu não for troféu, cebola no olhar de ninguém...

Emoção ferida, saudade sentida,

Lenda, lição de vida, piada pronta

Que nunca fez ninguém rir.

Destroço de acidente no calendário:

“É... foi nesse dia que ele morreu”.

Se o outro não se comove, como logo eu,

Morto, haverei de sentir?!

 

Poupem-se os eufemismos

Para os que os merecerem

Para os que perecerem em vida...

Quando a morte vier, à maneira de Bandeira,

Estarei de saída, desde que iniciei a lida,

Mas não a cumprimentarei, não haverá saudação.

Serei uma corrida perdida.

Ela voltará para sua casa, na cidade de pesadelo,

Dirigindo puta, o carro uno de sua fúria,

Maldizendo o fato de não ter-me visitado antes.

E terá plena certeza de que perdeu

Um cara de sorte.

Que ela maltratou bastante,

Tirando pessoas muito importantes

Do rol de minhas convivências.

Mas nunca de minha memória e de meus afetos.

Chocada, constatará:

“Não pude matar o Erivelto”.

 

Quando a morte vier,

Decrépita em seu intento

Já não poderá tocar-me.

Terei partido

Infenso às suas garras e seu tempo.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

EPÍSTOLA 3 - PARA CÍCERO CÉSAR

 

Aqui, 30 de outubro de 2020.

 

Prezado Cícero César e seus companheiros e companheiras:

 

Não vai ser a última vez que assistiremos a uma ebulição popular dessa magnitude como a que o povo chileno mostrou ao mundo. Tampouco, receio que essa manifestação não desperte em nós o sentido de mobilização, em face à corja que nos governa. Mudar as leis, chantagear trabalhadores e trabalhadoras com o sequestro e aniquilação de seus direitos mais básicos; apresentar o estado como inimigo do cidadão e o contribuinte como dependente de esmola, beneplácitos do poder público. A depender de quem governe, nem o ar que respiramos será saudável.

Não tenho esperança na empatia da elite pela classe de trabalhadores/as. Seu asco ao intelecto dos que servem é como um preconceito pós-colonial jamais curado. Antes, quando não havia um celular em cada mão e uma rede social de fuga e marcha – às vezes pra lugar nenhum ─, silenciar a voz do empregado, do contratado, do “classe média baixa”, do professorado era só uma questão de demissão simples, de mudar de andar, de repartição, de chefia, de função: agora é preciso aniquilar a honra, humilhar publicamente, corromper os de entorno e vender caro ou barato – pouco importa ─, a tranquilidade de seu sono e de sua estabilidade econômica, psíquica e emocional.

Para tamanha crueldade estatal, privada e/ou institucional, a propaganda, os conchavos, os conluios, a desvalorização do discurso e a supervalorização da hierarquia têm servido aos seus propósitos. É sentar-se na cadeira e supor-se o cargo que ocupa. Raros homens e mulheres distinguem-se ou recusam funções em que precisem afrontar seus próprios princípios e subjugar e vender e trair seus semelhantes. Nem tão comuns são os profissionais que na coisa pública, no serviço público, se dedicam com a qualidade que pretendem demonstrar no setor privado. E tantos têm sido os que, ancorados na vida pública, a degradam, denigrem e a usam para compor uma ópera de escárnio contra terceiros, desafetos e divergentes de suas nefastas práticas.

Também me lembro do filme O Carteiro e o Poeta, do Antonio Skármeta e de como me emocionei ao vê-lo, recentemente, no filme do Selton Mello O Filme da Minha Vida, também baseado em sua obra, no livro Um pai de Cinema. O personagem Mario Ruoppolo, o carteiro que aprende a força das metáforas e ensina ao poeta que a poesia é de quem precisa dela, torna-se gradativamente, à medida que tem contato com a arte da literatura, um ser político, crítico. Seu primeiro poema: “as redes tristes de meu pai”, escrito em homenagem ao pai que era pescador, empresta-nos a dimensão de que nossa dor só pode ser arte, depressão ou revolução quer a expressemos ou não.

Este é um tempo de ausências e de exílios. Temo que seja pior ainda para os nossos filhos. Temo por nossa profissão, por nossos alunos e pela escravidão hi-tech do desprezo à arte, ao outro e suas experiências subjetivas, à ciência, à escola e à democracia. Trocam-se afetos reais por likes por impulso e por ocasião, imaginação, por nudes e microvisualização, dias de sol ou nublados pela luminosidade do ecrã da tela.

Vi A Liberdade Guiando o Povo, de Delacroix na imagem da manifestação recente que mobilizou o Chile e que correu o mundo. Penso, no entanto, que muita gente não entendeu quase nada.  Penso que só quando alguém - entre os infames que partidarizam a questão -, for injustamente acusado e falsamente julgado e for preso por corruptos mal intencionados é que as pessoas entenderão o teatro de horror do nosso país. Também me lembrei do impactante Democracia em Vertigem, da Petra Costa e do documentário Uma noite em 67, do Ricardo Calil e Renato Terra. Nossos medos conversam no Brasil e no mundo através da história da democracia nos países da América do Sul. E as histórias que contam são de tortura, assassinato, trapaças e corrupção. Os ricos desses lugares têm ojeriza aos mais pobres. Roubam seu tempo, mesmo se pagam por ele.

Vivemos na época explícita do racismo, machismo, da violência, da corrupção e do clientelismo. Sinto, às vezes, que a estupidez parece mais insistente do que a sabedoria.  Não há antibióticos para o fascismo.

Já faz um ano e vivemos as mesmas coisas todo dia.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

MINHA VIDA EM IMAGENS 8














 

MINHA VIDA EM IMAGENS 7











 

MINHA VIDA EM IMAGENS 6






























 

Poema: "Postiço", de Erivelto Reis

 

Postiço

Erivelto Reis

 

Serviço

Os santos e os dias santos sabem

Que eu não tenho culpa alguma nisso

Vício

Os santos e os dias santos sabem

Que eu não tenho culpa alguma nisso

Compromisso

Os santos e os dias santos sabem

Que eu não tenho culpa alguma nisso

Viço

Os santos e os dias santos sabem

Que eu não tenho culpa alguma nisso...

MINHA VIDA EM IMAGENS 5