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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 23 de julho de 2022

Poema: "Morrente", de Erivelto Reis

 

Morrente

Erivelto Reis

 

Porque eu nunca vi você,

Mas li sua tese e pensei que...

 

A morte é perder tudo

O que a memória não pode mais tocar,

Tudo o que a alma não pode mais sentir...

A morte é perder sem competir.

Precipício sem princípio e sem fim,

Um portal pro antes e o depois de cada um de nós,

Um grito estarrecido e sem voz

Na consciência do que nós só somos quando nos vemos sós.

A morte é o ocaso de todos os sóis.

Eu estava caminhando no quintal do mundo,

Numa trilha de sonhos sem imaginação que eu criava,

E de repente a sua imagem assaltou meu dia:

Era o jeito como você falava, o jeito todo seu de só ficar na sua.

A morte é ser o único menino sem infância no raio da sua rua,

O único insone na noite das inquietações da vida.

Irmão na dor de desconhecidos,

Esquecido na dimensão de seus sofrimentos.

Ator representando mal o drama de seus infortúnios.

Senhor de nada, expulso de seus domínios.

Choro, mas não escorre a lágrima,

Dói em mim a falta de quem vive,

Dói em mim a presença de quem morre.

Peço ajuda, silencio, escrevo e sucumbo porque a vida para!

Um vinco de erosão e tristeza

Marca para sempre a estrada da minha cara.

Alguém estranho ou conhecido não me venha dizer

Que o tempo cura tudo e que tudo sara...

A morte é o estado de sítio, de coma e de choque

Daquilo que era um mundo

E desmorona aos primeiros acordes,

Não importa a melodia, a semântica, a sintaxe,

Da notícia da trágica verdade anunciada.

Eu estava longe e estava perto quando eu soube:

E depois disso eu nunca mais soube direito de nada.

Perdi o rumo da vida, perdi o rumo de casa.

Implodi, ruí, caí, cabum!

Depois disso, nem mais um minuto,

Nem mais um segundo! Nenhum...

A morte de quem amamos não nos redime,

Antes, define o fim da pré-história

Na vida de cada um.

É perder tudo

O que a memória não pode mais tocar,

Tudo o que a alma não pode mais sentir...

A morte é perder sem competir.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Poema: "Breve estudo sobre o descontentamento da alma", de Erivelto Reis

 

Breve estudo sobre o descontentamento da alma

Erivelto Reis

 

Morava qualquer dia, em qualquer tempo, em qualquer rua,

A não ser quando amava.

Nesses dias o endereço era a alma.

Bastava isso:

Era o que entendia como aura.

Mas houve algo,

Uma chuva, vendaval de lava.

Erupção vulcânica

De paixão em estado de brasa.

A partir daí qualquer distância

Esgotava.

Não era isso o que queria:

Um desejo sem prazer

Um vício sem querer

Experimento de laboratório

Coração triste, cobaia em redoma de vidro.

Alma foi ficando sem brilho,

Sem luz...

Foi ficando calada, calada...

Não é ter o que se quer o almanaque do amor

É amar sem medo de perder.

Um breve estudo provaria a tese.

Depois de saltar o abismo,

Pular pra dentro do abismo

É um misto de desastre, pessimismo

E estoicismo.

Podem fazer a necropsia,

Não vão encontrar vestígio, nem sentido.

Há somente a arcada dentária

Do que outrora foi sorriso...

Um crânio sem um Hamlet,

E uma víscera que pulsava

Agora calcificada e fria

transformada em pedra.

História de amor assim

Só a vida engendra, repete e copia.

Passou um trovador nesse instante

Cantando uma cantiga que glosava esse tema.

Foi um arauto ou um clown?

Talvez apenas alma desencantada,

Viajada, vigiada, viajante, vigilante...
Possa converter o horror ao credo da poesia.

Quem vai saber de cor o amor

Quando o susto do adeus é grande?

Morava qualquer dia, em qualquer tempo, em qualquer rua...

A não ser quando amava!

Nesses dias o endereço

Do começo e do fim do mundo era a alma.

 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Poema: "Escaques"

 

Escaques

Erivelto Reis

 

O que é um ser caminhando

Sorrindo ante uma ideia

Surgida de seu pensamento?

Um apaixonado,

Inspirado,

Um obstinado...

O sangue pulsando na artéria,

O que é um ser caminhando

Sorrindo ante uma ideia

Gestada pela educação e pela sensibilidade?

Um astronauta em si mesmo,

Um oráculo do próprio destino,

Um moço, um mártir, um velho menino.

A chegada da primavera...

O que é um ser caminhando

Sorrindo ante uma ideia

Nascida do bem e da verdade?

Um peregrino, um bem te vi, um bem querer...

Um homem sorrindo,

Com vontade de viver,

Pra ver o fruto de sua esperança acontecer.

Uma mãe embalando o filho,

Um jardineiro deslumbrado

Com as cores e o perfume das flores

Do próprio jardim,

Um lavrador semeando o trigo,

Um dia amanhecendo na alma

Da eternidade de um Deus que libertou-se,

Um palhaço arrancando um riso,

Um ator arrancando aplauso,
Os amigos que a vida trouxe...

O que é um ser caminhando

Encantado por uma ideia?

Uma tela virando um quadro

Apenas um ser entretido

Com a música da natureza e da poesia...

Avança a passos largos,

Talvez tímido, resoluto, inexorável!

Um fluxo de água contínuo,

Uma fé incomensurável na Arte,

Um místico compositor da própria serenidade.

Uma múltipla pétala enigmática e transparente:

Espelho de mostrar gente,

País de todas as gentes,

Berço da fraternidade.

O que é um ser caminhando, autor da própria epopeia:

Enredo pra mil carnavais!

Uma peça única no tabuleiro,

Uma construção que resiste aos vendavais.

Acolhimento, abrigo, incentivo...

Coração de inigualável quilate,

Um rei a salvo de qualquer xeque-mate.