Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Crônica: Adam Sandler: ou COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ, por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

8/10 – Adam Sandler: ou como se fosse a primeira vez

 

 

                Fui convidado pelo Bonecão, cronista criado pelo napolitano, toscano, calabrês, piemontês, sardenho, siciliano (tô começando a entender a relação dele com a culinária...), ítalo-português-hispânico-asteca-tupi-guarani brasileiro Roberto Bozzetti, último cacto do lácio, professor apaixonado por cinema, paratagmas e provocações sócio-judaico-cristãs a listar as minhas dez comédias preferidas. Isso já tem mais de um mês. Chego agora à oitava indicação.

Enquanto isso, no decorrer de apenas um mês, o insular e meridional cronista já escreveu 20 crônicas sobre cinema, já produziu 40 pratos diferenciados de alta gastronomia, já arrumou e espanou sua vastíssima biblioteca, já adotou dois gatos, já leu duas teses, já foi banca em duas dissertações, participou de uma live em que discutiu a origem dos cancioneiros e sua relação com a música popular a partir dos vilancetes; escreveu sobre livros fundamentais, pessoas em que daria toalhadas, provocou diversas vezes o professor, seu best friend forever, Marcos Pasche... seguir o líder não é garantia de vida fácil.

Agora, duvido que ele tenha assistido a três novelas inteirinhas na Globoplay (Tieta, Vale tudo e Fera Radical) e maratonado Lúcifer, La casa de papel, Killing Eve, Chuck, Smallville, Friends, Fleabag, The Walking Dead, Supernatural, Grey’s Anatomy, Anne With an E, e Modern Family... Duvido mesmo que ele quisesse fazer isso. Vamos ao oitavo filme da famigerada lista.

O filme de hoje marca a presença de um comediante (ator, diretor e roteirista) proeminente nos blockbusters a partir da segunda metade dos anos 90: Adam Sandler. Escolhi apresentar como marco inicial os filmes COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ (2004),  com Drew Barrymore; e ESPOSA DE MENTIRINHA (2011), co-estrelado pela atriz Jennifer Aniston. As histórias são simples, como, aliás, todas as histórias contadas por Sandler. Situam-se em um dos três eixos de sua produção:

1) Rapaz encontra moça, decide conquistá-la;

2) Sujeito fora dos padrões de “normalidade” aprende as regras do jogo social e o modifica;

3) Sujeito com uma visão idealizada e particular do mundo confronta-se com a realidade.

As décadas de 90 e os anos 2000 trazem a consolidação popular de três comediantes em particular: Jim Carey (O Máscara, Debi & Lóide, Ace ventura, O mentiroso, O todo poderoso, Eu, Eu mesmo e Irene, O show de Truman); o também diretor, ator e roteirista, Ben Stiller (Entrando numa fria, – as continuações:  maior ainda e com a família ao lado de medalhões com Dustin Hoffman, Robert de Niro e Barbra Streisand  –; Quem vai ficar com Mary? Quero ficar com Polly, Um maluco no golfe – com Sandler; Antes só do que mal casado, O Pentelho – como diretor de Jim Carey; a franquia: Uma noite no museu e, ao lado de Dustin Hoffman, na inteligente comédia Família a gente não escolhe ); e Adam Sandler (Um maluco no golfe, O paizão, A herança de Mister Deads, Click, Espanglês, Gente Grande 1 & 2; Cada um tem a gêmea que merece – com participação de Al Pacino, Tratamento de Choque – com Jack Nicholson, Garota veneno – com seu quase inseparável partner Rob Schneider e a comediante Anna Ferris, de Todo mundo em pânico; Eu vos declaro Marido e... Larry, Golpe baixo) e, especialmente, ESPOSA DE MENTIRINHA (2011) e COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ (2004), com Drew Barrymore.  

Em COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ, um rapaz namorador, conquistador e volúvel envolve-se com uma moça e descobre que a final de cada dia ela tem a memória zerada devido a um acidente que deixou sequelas em seu cérebro. E, ao se aproximar mais dela, apaixona-se e tem a tarefa de fazer com que ela se apaixone por ele todos os dias como se fosse a primeira vez. Claro que a moça tem um irmão atrapalhado como alívio cômico, um pai que a ama e protege e tutores por toda a ilha havaiana. Aliás, a beleza e o exotismo das locações são outro dado interessante a ser considerado nas produções de Sandler. O ator volta a contracenar com Drew Barrymore uma década depois na comédia familiar: Juntos e misturados.   

Em ESPOSA DE MENTIRINHA, um jovem judeu (não há filme de Sandler que não tenha pelo menos uma dezena de piadas de judeu), às portas do casamento descobre a traição da noiva. Desmanchado o compromisso, afogando as mágoas num bar, o recém-separado descobre o fascínio que a aliança de casamento e a história da traição desperta na audiência feminina. Passa o tempo e encontramos o jovem judeu formado como cirurgião plástico bem sucedido, riquíssimo e requisitado, dando o mesmo golpe da aliança nas moçoilas incautas.

Sua assistente, divorciada e mãe de dois filhos, pra lá de espertos, vivida por Jennifer Aniston acaba recrutada para viver o papel da esposa de mentirinha quando uma sucessão de mentiras contadas a uma jovem ingênua e belíssima o faz inventar uma esposa de quem estaria se divorciando.

A farsa faz com que a falsa família, a jovem namorada e um amigo do cirurgião passem por uma semana inteira num resort no Havaí onde muita confusão pode acontecer. Como eu disse, roteiros simples. Sem pontos de virada, ganchos... Diversão de comédias de costume gourmetizadas por Hollywood e com o toque pessoal de Adam Sandler. Um jeito de contar história que cativa seu público, atrai o fascínio e o prestígio de celebridades e personalidades do esporte e do entretenimento norte-americano, que se oferecem para participar de seus filmes, e o retorno dos investidores. Uma combinação bastante satisfatória para alguém que pretensamente queira fazer rir e ganhar dinheiro com isso.  

Talvez seja um exagero supor – além dos três eixos de recorrência dos enredos de Sandler – supor que suas produções se repitam, mas os traços das personagens – uma visível verborragia à maneira de Jerry Lewis e uma visível consciência da própria inadequação das personagens à maneira de Eddie Murphy – constantemente se aproximam ou se equiparam. O ator possui um público fiel, especialmente no Brasil, embora, em termos comerciais tenha um rendimento de bilheteria considerado mediano com retorno de 3,2 para cada dólar investido. Em outras palavras, trata-se um investimento de retorno baixo, porém de retorno garantido, dada a sua popularidade. E desde 2015, tornou-se um dos poucos atores/roteiristas de cinema com contratos exclusivos para produção na gigante do streaming Netflix. Seus três últimos filmes pela distribuidora: Os seis ridículos (uma comédia no melhor estilo faroeste), Mistério no Mediterrâneo (essa comédia também em parceria com Jennifer Aniston) e o drama (surpreendente atuação do ato) Joias brutas estiveram entre os campeões de streaming da Netflix.

Assim, comédias besteirol como as das franquias Todo mundo em pânico e American Pie, as sátiras e paródias (não é mais um besteirol americano, Inatividade paranormal, etc.), e esses comediantes mantém o gênero em evidência. Claro que comediantes como Woopy Goldberg, Cris Tucker (em parceria com Jackie Chan), Roman Atkinson (o Mr. Bean, Johny English), Rick Moranis (Os caça-fantasmas, Os flintstones, Spaceballs, Querida encolhi as crianças), Mike Myers (da franquia Austin Powers, Quanto mais idiota melhor, Sherek), constroem uma filmografia bastante significativa em termos de gênero. Naturalmente, em se tratando de cinema norte-americano, principalmente em termos de mercado.

Ocasionalmente, Wood Allen vai produzir marcos cinematográficos, como Poderosa Afrodite (1995), Meia-noite em Paris (2011) e Para Roma, com amor (2012), que a meu ver, tonam-se cults quase imediatamente e reposicionam crítica e tecnicamente o gênero durante o período.

Observa-se ainda a “sobrevida” de mestres da comédia como Steve Martin (12 é demais 1 (1991) & 2 (1995); e Eddie Murphy (Dr. Dolittle, A creche do papai, Norbit, O professor aloprado, Sou espião, Meu nome é Dolemite) e a produção de obras pelos comediantes Martin Lawrence (A vovozona, um Tira no pedaço, Loucuras na idade média), Os irmãos Wayans (O pequenino, As branquelas,); Jack Black (Marte ataca, O amor é cego, A escola do Rock e Nacho Libre, As viagens de Gulliver).

Há a ocorrência e a inserção eventual de outros gêneros na comédia, tornando-a híbrida, como mencionado em crônica anterior, em filmes como: Um tira no jardim de infância, O último grande herói, Herói de brinquedo, com Arnold Schwarzenegger; Sherlock Holmes, com Robert Downey Jr; A máfia no divã, Entrando numa fria, Hora do Show, com Robert de Niro.

Merecem menção ainda as comédias protagonizadas por Robin Willians, especialmente em, Uma babá quase perfeita, O homem bicentenário, Jumanji, Uma noite no museu 1 e 2, por proporcionarem um repertório de blockbusters que aqueceram as bilheterias, videolocadoras, serviços de assinatura e, finalmente, os streamings.

Evidentemente que não me compete exercer um juízo de valor estético e crítica sobre os filmes. Trata-se de uma lista, de impressões de espectador e do gosto duvidoso que faz com que uma lista iniciada por Chaplin, caminhe por tortuosos caminhos, não equiparando as obras, mas talvez desconstruindo as certezas e registrando as memórias afetivas de quem escreve sobre elas com indisfarçáveis gerúndios de quem ainda esteja formando os conceitos, pensando sobre eles enquanto escreve como se fosse a primeira vez.

                A arte culinária é do guru da ONU e do Brejo para assuntos de cinema e boa mesa, Roberto Bozzetti.  Eis um Risoto de polvo produzido em 25 de agosto de 2020 pelo dândi facebookiano kafkaesca e concomitantemente à reforma e reorganização de sua biblioteca de aproximadamente 5.000 títulos afora as apostilas e xeroxes...



Sandler e Barrymore
(2004)

Sandler e Aniston (2011)

Risoto de polvo produzido em 25 de agosto de 2020 por Roberto Bozzetti.

Biblioteca Brasiliana

Roberto Bozzetti durante a "friaca" de agosto de 2020.



Quem consola suas esperanças?, por Erivelto Reis


 

Poema: "Dalí, Buñuel, Pulitzer, o Monge e Bergman", de Erivelto Reis

 Dalí, Buñuel, Pulitzer, o Monge e Bergman

Erivelto Reis
Sentado sobre uma encruzilhada
A meio caminho de nenhum lugar
O Brasil está na posição de lótus
O corpo todo inflamável...
A qualquer segundo
Ou todo dia há um fósforo,
Uma imagem, um discurso
A nos imolar...
Talvez um Pulitzer ou um Bergman
Ajudem-nos a questionar como e por que
Surreais chernobis, aushiwitz,
Brumadinhos e pandemias desimportantes
Aos líderes de pindorama acontecem.
Há crianças morrendo de frio nas calçadas
Gente pobre e negra sendo executada...
Quase nenhum trabalho, quase nenhum direito,
Quase nenhuma comida na marmita.
Há o sacrifício de um monge budista vietnamita
Na história imoral de cada mão mal lavada.
Quang Duc...
Tem o coração intacto preservado
Embora tenha ardido!
Há momentos em que cristãos e cristais
Só vão servir de souverniers
E falsos mártires.
E isso é mais surreal
Que Buñuel, Bergman e Dalí.
Explode de novo Voyager...
Hoje não vale um vintém,
Hoje não vale um Pulitzer.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Poema: "A cigarra e a formiga", por Erivelto Reis

A cigarra e a formiga

Erivelto Reis

A porta como
Um périplo intransponível.
O telefone
Pode cantar feito cigarra
Do outro lado ninguém escutará!
Há agora uma única formiga
Atraída feito um imã
Para a borda do sangue doce que escorre,
Mancha todo o lençol, depõe,
Não tem amanhã nem depois:
Confesso, não finge...
E já a ninguém pertence.
Do lado de lá nasce o sol
Produzindo sombras
Sobre o hirto de silêncio, gritos
E esfinge.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Crônica: TODO MUNDO EM PÂNICO: ou o retrovisor dos 80, por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

7/10 – TODO MUNDO EM PÂNICO: ou o retrovisor dos 80.

                                                                               Para o Marcos Pasche...

 

                Fui convidado a listar as minhas comédias preferidas pelo Bonecão, benfazejo realejo, operado por Roberto Bozzetti. Eis que a lista vai se afunilando e já deixou de ser lista faz tempo.

            Devido ao sucesso comercial que alguns filmes de comédia alcançam, acabamos por nos acostumar a percebê-los não isoladamente, mas como a abertura de franquias, aquelas obras de continuação praticamente certa. Algumas anunciadas inclusive nos trailers ou nos créditos finais.

            À reboque de comédias como “Apertem os cintos...”, que satiriza os filmes-catástrofe; “Corra que a polícia vem aí”, que satiriza os filmes policiais-noir; TODO MUNDO EM PÂNICO  (2000), pretende satirizar os filmes de terror e suspense com a paródia não apenas de seus vilões e principais clichês, como ainda, se valendo de outras produções de grande alcance de bilheteria para com elas sustentar a sua comédia.

            Os irmãos Wayans (aqueles de As branquelas e O pequenino), Anna Ferris, Charlie Sheen encabeçam o elenco que conta com participações especiais, sósias de Michel Jackson, de celebridades americanas como Tom Cruise e Oprah Winfrey e tem em filmes como O Chamado, Pânico (naturalmente) O Grito, Sinais, A vila, Sexto sentido, Os outros, O exorcista, A bruxa de Blair, Jogos mortais, Poltergeist, O iluminado, Sexta-feira 13, Eu sei o que vocês fizeram no verão passado seus jogos metaficcionais preferidos para a sátira e a paródia ao longo dos cinco filmes da franquia.

A ideia de compor um novo roteiro de paródia a partir da subversão de fragmentos, menções, releituras de cenas de filmes clássicos ou dos recentes sucessos de bilheteria já aparecera em Top Gang (1991) e Top Gang II, com elementos extraídos de filmes como Top Gun: ases indomáveis, OO7, Rambo e com elenco encabeçado por Charlie Sheen e com direção e roteiro de Jim Abrahams, o mesmo de “Apertem os cintos...”  e “Top Secret: superconfidencial” (1984), parodiando Elvis Presley e os filmes sobre a Segunda guerra, também de David Zucker e Jim Abrahams.

Assim, os anos 80 e 90 assistem as comédias de sátira, de filmes de comédias-românticas adolescentes como Porkys (1982), (também uma sátira aos filmes dos anos 50, estilo James Dean) Picardias estudantis (1982), O último americano virgem, (1982), gatinhas e gatões (1984), O clube dos cinco (1985), Admiradora secreta (1985), Namorada de aluguel (1987) Te pego lá fora (1987), entre os quais, seguramente, Curtindo a vida adoidado (1986) e De volta para o futuro (1985) são ícones, e aos filmes que misturam ação e doses de humor e comédia (alívio cômico, trocadilhos, bordões, frases de efeito, humor de testosterona) como Indiana Jones (1981), Um tira da pesada (1984), Os caça-fantasmas (1984), Goonies (1985), O rapto do menino dourado (1986), Duro de matar (1988), Inferno vermelho (1988), Tango e Cash (1989), Alta tensão (1990). Claro que os anos 80 não se resumem a isso em matéria de comédias híbridas e blockbusters. Há ainda obras muito populares como Um príncipe em Nova York, Trocando as bolas, Como eliminar seu chefe, Três solteirões e um bebê, Quero ser grande, Um dia a casa cai, Os fantasmas se divertem.

Ao mesmo tempo, comediantes tidos como clássicos do cinema, da Televisão, do teatro como entretenimento e do one showman / stand-up, durante os anos 70, como Dudley Moore (Arthur, o milionário, Arthur, o milionário fracassado e Crazy people: muito loucos), Steve Martin (Roxanne, Três amigos, Antes só do que mal acompanhado), Jon Candy (Quem vê cara não vê coração, Spaceballs – também uma sátira a Starwars, Splash: uma sereia em minha vida e Quem é Harry Crumb?), Chavy Chase (Férias frustradas – e continuações – e Clube dos pilantras) embora tenha uma produção mais sistematizada e segmentada e menos êxitos de bilheteria, o que não significa menor qualidade, talvez padeçam de uma falta de percepção da transição para o hibridismo e a pretensa modernização da nova linguagem cinematográfica. Aqui não se fala ainda em inclusão, politicamente correto e representatividades. É um estilo de comédia que, ao ser relido, soaria como racista, sexista, machista, misógino, xenófobo e preconceituoso. Eram os anos 80, portanto.  

Queria falar e falei de filmes de comédia que me são muito caros. Principalmente de comediantes pelos quais tenho grande admiração como Steve Martin, Eddie Murphy e Dudley Moore. Se é possível rir e levar susto ao mesmo tempo com TODO MUNDO EM PÂNICO, não tem como não se assustar com um texto desses...

A arte culinária, pasmem, é do Bonecão cosmopolita astroclimaliteratogastronômico Roberto Bozzetti. Moqueca de jaca. 6 de março de 2019. E a imagem em que Pasche vê Bozzetti na tela de seu computador é uma fotomontagem surrealista intitulada "Les amis".

Cartaz do filme (2000)

Na imagem pode-se ver os professores Marcos Pasche e Roberto Bozzetti (na tela).
Trata-se de uma fotomontagem intitulada "Les amis".

Moqueca de jaca. 6 de março de 2019.

 

 

           

Crônica: "Ladainha Pública", por Erivelto Reis

LADAINHA PÚBLICA

Erivelto Reis

 

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja causado por professores e professoras...  

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja por causa dos conteúdos...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja por causa do número de disciplinas...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja por causa de uma possível “quantidade exorbitante” de horas destinadas a disciplinas como Português, Literatura, Matemática, Filosofia, Sociologia, Artes em muito superiores ao que se pratica em escolas consideradas de ponta na Rede particular de ensino...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja por causa do pacote de internet que o governo NÃO disponibilizou às famílias dos alunos e alunas e dos computadores e tablet’s e celulares que ele NÃO emprestou para que os alunos e alunas pudessem ter acesso on-line, full time às aulas durante os horários de seus respectivos turnos...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja devido à qualidade dos equipamentos e das conexões de internet que o governo também NÃO forneceu aos professores e professoras para que pudessem trabalhar...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja a falta de empatia dos professores e professoras por uma minoria de alunos e alunas que, podendo estudar remotamente, abrem mão de fazê-lo, em detrimento dos MILHARES que dependem da escola e da educação e não podem fazê-lo por absoluta falta de recursos...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja o fato de que os professores e professoras não ficam à disposição dos alunos por horas a fio na hedionda plataforma sem sequer receber um bom dia, ou receber a devolução de atividades em branco, ou não receber qualquer retorno...

Porque há quem suponha que se pressionando e assediando-se moralmente os profissionais de coordenação e direção para que particionem e “dourem a pílula” do que continua sendo assédio moral entre sua equipe docente em reuniões, posts, publicações e chamadas em grupos de Whatsapp, exaurindo física e mentalmente toda a equipe, se possa “melhorar” os resultados...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro, caracterizado por grande exclusão do governo do corpo discente, sem condições de acesso on-line, não seja caso de representação aos conselhos tutelares, ministério público, sindicatos, secretarias de governo...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro seja quantidade de conteúdo, afinidade com professor, ou meritocracia dos poucos que têm condições de acesso e/ou real interesse...

Porque há quem suponha que o problema do acesso ao Google Classroom por parte dos alunos do Ensino Médio no Estado do Rio de Janeiro não seja fruto do desempoderamento da escola, de seus profissionais e da vergonhosa situação salarial e das precaríssimas condições de trabalho a que sistemática e historicamente têm sido submetidos, mesmo durante a pandemia, em que o governo descaradamente particiona a despesa com a educação pública entre os de seu quadro docente e administrativo, em detrimento da qualidade e das condições mínimas de ensino e inclusão, que são direitos da população...

Porque há quem saiba e sinta na pele e veja in loco tudo que eu relato, mas opte pelo disfarce, pelo silêncio, por lavar as mãos, por esperar o tempo que falta para escapar do pesadelo, por compor um quadro, por concordar com tais premissas, por indiferença, por carreirismo, por entender no serviço público apenas uma fonte “confiável” e “segura” de renda...

Porque há quem pense diferente e não se coloque de forma franca para o debate, preferindo a maledicência, o conchavo e a intriga. Como também há quem pense igual, mas permita que as forças e a imagem de um/a (pessoa ou grupo) sejam exauridas por sempre pretender defender a necessidade de se pensar e discutir uma educação libertadora, equânime e justa até ser tido como pária, inconveniente e ser afastado/a ou afastar-se...

Porque há quem finja não ver o atropelo e o desmantelo sucessivo das legislações visando tão somente eximir-se das responsabilidades futuras e compor quadros de combinações de capital político favoráveis...

Porque há quem suponha que com, apesar e depois do “ENSINO REMOTO”, do período da pandemia, que algum dia será possível voltar ao “normal”, por considerar que a falta de investimento, de interesse de muitos alunos e suas famílias, de respeito para com a educação e os profissionais que a compõem, a superlotação das salas de aula, a diminuição brutal do número de horas destinado às disciplinas de formação, do cerceamento e da intimidação pela violência das ações e discursos algum dia possa ter sido chamado de NORMAL...

Porque há quem nunca e sempre e também...

 

 


sábado, 22 de agosto de 2020

Crônica: CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ: UMA ANEDOTA NOIR, por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

6/10 – CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ: uma anedota noir...

 

                O Bonecão, alter ego do culinarista e agricultor, farol e oráculo cinematográfico dessa quarentena, Roberto Bozzetti, me convidou a listar as minhas dez comédias. Este já é o sexto título elencado.

Com a semelhante premissa imperativa no título, a exemplo de Apertem os cintos... o piloto sumiu!, CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ (1988), foi uma das comédias mais interessantes que já assisti. Traz maior destaque para o engraçadíssimo Leslie Nielsen e repete a fórmula da sátira de Apertem os cintos..., só que desta vez, relacionando a gozação, a subversão visual e narrativa aos filmes policiais especialmente, àqueles do cinema noir, (expressão criada em 1946 por Nino Frank) francês e norte-americano – uma estética ou um ciclo que se coaduna ao gênero policial, agregado de uma narrativa de acontecimentos de destacada tensão, e com forte suspense centrado ou provocado pelas atitudes de uma misteriosa femme fatalle (Laura, Gilda, Rebecca,  Jéssica Rabbit), bem característicos das décadas de 40 e 50.

Entre os franceses destacam-se: “Expresso para Bordeaux” (1972), “Vício Maldito” (1958) e “Como fera encurralada” (1960). E entre os norte-americanos dos quais Billye Wilder e Alfred Hitchcock foram grandes mestres: “Marca da maldade” (1958) “Farrapo Humano” (1945), “Pacto de Sangue” (1944) e “Crepúsculo dos deuses” (1950). Aliás, o Bonecão poderia maratonar e listar os melhores filmes noir do cinema. Que tal?

Como traços predominantes no cinema noir, explorados na comédia dos irmãos Zucker,  especialmente se destacam a narrativa em off (uma voz que dialoga e elucida parcialmente a linha de pensamento que o policial/detetive/investigador vai seguindo ao longo da trama), no clichê de apaixonar-se ou envolver-se sexualmente com aquela que será a principal suspeita, diálogos na viatura, encontros fortuitos e o embate com o – em geral, surpreendente criminoso/a.

A equipe de produção daquela que se tornou uma franquia com três filmes CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ; CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ 21/2 (1991) e CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ 331/3 (1994) já vinha trabalhando junta desde a série Police Squad (Esquadrão de polícia, 1982), é a mesma de Apertem os Cintos...: David e Jerry Zucker e Jim Abrahams.

Não basta dizer que Frank Drebin é atrapalhado: ele é atrapalhado, politicamente incorreto e tem muito pouco da perspicácia dos antigos detetives dos filmes policiais. Seu êxito é mais frequentemente decorrente dos desencontros dos seus opositores e inimigos, do que de suas habilidades como policial.

Além da sátira, CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ, vai agregando a cada filme a capacidade de parodiar com perfeição cenas do cinema a sério, clássico ou blockbuster, como na clássica abertura de 331/3 em que a cena do confronto na estação ferroviária em “Os intocáveis” é recriada com ajuda de sósias de líderes mundiais e muito deboche. Ou ainda, a romântica cena de Ghost...  E dica, não tire o olho da tela porque as piadas visuais se sucedem Imperdível. Corra pra assistir.

A arte culinária, evidente, é do Bonecão, Guia Michelin da boa mesa, Roberto Bozzetti.  O prato do dia é Rã. 17 de fevereiro de 2019.


1988



1991

1994

Roberto Bozzetti, criador do Bonecão, prepara Rãs. 17/02/2019 


 

Crônica: APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU!, por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

5/10 – APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU!

 

 

                Fui convidado pelo Bonecão, avatar crítico e emblemático, criado pelo polivalente e talentoso Roberto Bozzetti, a listar as minhas 10 comédias. Não é uma tarefa fácil, mas agora que a aceitei, devo me desincumbir desse desafio listando os filmes mais engraçados que já assisti.

            APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU! (1980), é uma sátira a vários aspectos da cultura norte-americana.  O piloto com trauma de guerra, a aeromoça e os fetiches que incidem sobre sua figura, a própria cultura dos voos e o pretenso status que ele pudesse representar para a classe média norte-americana... e os clichês do terrorista, do estrangeiro que não fala a língua, da família americana perfeita e alguns tabus politicamente incorretos. Religiões, marcos culturais também podem ser encontrados escrachadamente criticados nesse filme. E, claro, Leslie Nielsen. Um incrível comediante com uma expressão e um deboche nonsense que lembram muito o estilo “nem te ligo” do Roberto Bozzetti da rede social. 

            A filmagem durou apenas um mês e satiriza como gênero os filmes catástrofe como Aeroporto (1970), seguido, por incrível que pareça, de Aeroporto 75, 77 e 80: o concorde. Se nesses filmes a premissa é a de que apesar dos inúmeros protocolos de segurança e vigilância, a falha humana poderá expor os americanos a uma tragédia com foco político e nas vidas dos protagonistas até aquele momento, traumas, amores, pretensões, em APERTEM OS CINTOS... a galhofa, o pastiche, o pastelão, o absurdo... Tudo cabe. E o filme ganhou mais uma sequência. Há outro mérito muito próprio do roteirista Jim Abrahams e dos diretores, os irmãos David e Jerry Zucker, as piadas visuais, a sucessão de subversões a ordem estabelecidas como normais, comuns ou cotidianas e as respostas desarticuladas como quando um personagem oferece um cigarro ao outro:

            – Cigarro?

            – Sim, eu sei.

            É preciso destacar ainda que o título “apertem os cintos...” virou uma espécie de frase feita, ditado popular, um bordão usado frequentemente para prenúncio de algo inesperado, inacreditável, desagradável, surpreendente ou fora de contexto. O filme chegou a figurar, em pesquisa de 2007 do American Film Institute, como a segunda maior comédia americana de todos os tempos, perdendo apenas para A Vida de Bryan, do Monty Python, mas isso é assunto pro Bonecão.

            A arte culinária, apertem os cintos... é do Roberto Bozzetti, piloto talentoso dos utensílios, temperos e mistérios culinários, perito em receitas de alta gastronomia.  O próprio Bozzetti apresenta o cardápio: “coleção de salsichas [alemãs] que eu ainda faço acompanhar de legumes passados no azeite, alecrim e orégano, uma lentilhazinha feita com engenho e arte, e mais os verdes do quintal, sem falar no suco de maracujá também aqui a um palmo do meu nariz no quintal”. 1º de maio de 2019.

APERTEM OS CINTOS... O PILOTO SUMIU! (1980)

 


O MESTRE CUCA E CINÉFILO ROBERTO BOZZETTI

SALSICHAS ALEMÃS, LENTILHAS, LEGUMES E SUCO DE MARACUJÁ
1º DE MAIO DE 2019.

 

 

Poema: "Peixes", de Erivelto Reis

 

Peixes

Erivelto Reis

 

Coração de aquário

E vidro transparente

Tem sonhos-peixinhos

Às vezes tem gente.

Coração de aquário,

Cordial espantalho,

Às vezes bate forte

Às vezes ás,

Sem par,

Igual a carta fora do baralho.

Coração de aquário

De represa e pesca

Nem sempre tem isca,

Nem sempre tem festa

Coração de aquário

Às vezes aterro,

Às vezes terrário,

Nem sempre de amor...

Coração de aquário

De líquido vário

E se liquidifica

Liquida e fica a dor.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Poema: "Zum...", de Erivelto Reis

 

Zum...

Erivelto Reis

 

Vai baixando um silêncio na gente

Como um zumbido de existência

Que vai ruindo...

Ruído nenhum,

Vinco no rosto,

Pálpebra pesada,

Alma pesada,

Pensar resulta em (quase) nada.

Existe algum espelho de ouvir clamor?

Vai baixando um silêncio na gente...

Crônica: A DAMA DE VERMELHO: o que houve com o pequeno príncipe e com a fábrica de chocolates?!, por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

4/10 – A DAMA DE VERMELHO: o que houve com o pequeno príncipe e com a fábrica de chocolates?!

 

                Fui convidado para poucas coisas tão difíceis na minha vida como escrever sobre as minhas dez comédias mais marcantes. O Bonecão, cujo criador é o destemido, ambivalente e poliédrico Roberto Bozzetti, quando quer enlouquecer uma pessoa, pergunta sua opinião, só pode. Isso posto vamos ao quarto filme da série.

            A DAMA DE VERMELHO (1984), uma adaptação do filme francês O doce perfume do adultério, de 1976, feita por Gene Wilder, que também atua e dirige o longa-metragem. No filme, que já começa in media res (no meio da narrativa). Um sujeito de meia idade está de roupão, no beiral externo de um edifício a muitos andares de altura. A tomada aérea da câmera vai se aproximando até que se possa identificá-lo.  Não há a menor dúvida: trata-se de Willy Wonka – aquele do meme: “Conte-me como é”?!, melhor dizendo, trata-se da Raposa do Pequeno Príncipe. O brilhante comediante Gene Wilder. E foi apenas isso e não a dama de vermelho que atraiu a minha curiosidade para essa comédia de desencontros com toques de sensualidade. A partir dali, serão apresentadas aos espectadores as intempéries que o levarão até aquele ponto e como se resolverá o impasse de estar no parapeito de um prédio.

Na trama Teddy, vivido por Wilder, é um executivo que basicamente pode ser definido como um sujeito atrapalhado, com uma vida pacata, além de um biótipo curioso, para dizer o mínimo, com seus cabelinhos loiros de molinha, ao melhor estilo Biro-Biro, que fica encantado com a beleza de Charlote, literalmente a dama de vermelho, vivida pela modelo e atriz Kelly Lebroke a quem assiste de dentro do carro, num estacionamento,  julgando-se sozinha, reproduzir a célebre cena do vestido esvoaçante tal qual Marilyn Monroe no filme A coceira dos sete anos,  que aqui foi apresentado como “O pecado mora ao lado” (1955).

Aliás, julgo haver tempo e espaço para render homenagem a Marilyn Monroe por sua atuação no cinema de maneira geral (pouco mais de uma década e tornou-se um ícone do cinema, da moda, das teorias conspiratórias, do empoderamento feminino, da cultura pop no século XX) e, especialmente, em comédias como Nunca fui Santa (1956), sua única indicação ao Globo de Ouro, Os homens preferem as loiras (1953), inspiração para o clipe de Material Girl, de Madonna; Como agarrar um milionário (1953). Sobre o clássicão Quanto mais quente melhor (1959), o Bonecão do Roberto Bozzetti já vaticinou bem vaticinado em sua lista das dez maiores comédias. E se ele falou, tá falado.

Reparem que em apenas duas semanas o marido fiel, o pacato cidadão se vê às voltas com todo o processo de envolvimento e sedução que vai culminar em um encontro fortuito de adultério. A dublagem de Mário Monjardim parece reforçar o histrionismo nonsense do personagem de Wilder que nada tem de galã. Há uma cena em que a esposa, de arma em punho, o assiste receber um telefonema previamente combinado com um amigo, convocando-o para o “trabalho”. Interrompendo (ironicamente para o público), justamente uma conversa em que ela dizia que o marido de uma amiga havia usado essa tática para manter um caso extraconjugal.  Teddy finge não querer ir “trabalhar”, bate o telefone, querendo, esperneando na banheira... fazendo a pantomima do marido fiel. A essa altura com a cabeça completamente virada pela dama de vermelho.

Wilder foi um brilhante ator que entre um momento e outro de sua vida atuou sob a direção de Mel Brooks, um gênio do humor, e ao lado de Richard Pryor, uma lenda do humor em stand-up e do cinema. Em obras como as já citadas aqui: A fantástica fábrica de chocolate (1971), O pequeno príncipe (1974), Banzé no Oeste, O jovem Frankenstein (1974), com o qual concorreu ao Oscar de roteiro adaptado e como ator coadjuvante concorreu em 1969 em Primavera para Hitler.

Com Richard Pryor formou uma dupla notável filmes como: Expresso para Chicago (1976), Loucos de dar nó (1980), Cegos, surdos e loucos (1984) e teriam atuado juntos também em Trocando as bolas (cujos papéis acabaram indo para Eddie Murphy e Dan Aykroyd) e Banzé no oeste (escrito por Pryor e Mel Brooks), no entanto, os problemas de Richard Pryor com drogas acabaram encurtando a parceria entre os atores.

 A DAMA DE VERMELHO concorreu e ganhou um Oscar pela canção de Stevie Wonder. Seu humor reside nos interditos, nas insinuações. A cabeça do público faz o resto. Mas se você pensar na beleza da personagem de vermelho e na impossibilidade do quase, vai da comédia ao drama num segundo.  Penso que falar das comédias tem me levado a revisitar o trabalho a trajetória de grandes atores e diretores. Gente que escreveu e marcou com seu jeito de atuar o que seria um espaço cômico para o humor na linguagem cinematográfica, que diferentemente do que preconiza a linguagem, não necessita de um acordo tácito e prévio e tem nas surpresas e no exagero dos “defeitos” uma qualidade para despertar a graça.

A arte culinária, evidentemente, é do Bonecão, o venturoso Roberto Bozzetti. O prato é descrito por ele mesmo: A arte culinária, evidentemente, é do Bonecão, o venturoso Roberto Bozzetti. O prato é descrito por ele mesmo: Trivial simples. 17 de abril de 2020.

A DAMA DE VERMELHO, 1984

ROBERTO BOZZETTI, PROFESSOR E PESQUISADOR (De vermelho)

O trivial Simples. 17.4.2020

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Crônica: O CANGACEIRO TRAPALHÃO: desculpas para as reminiscências, por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

3/10 – O CANGACEIRO TRAPALHÃO: desculpas para as reminiscências

 

                Convidado pelo inexorável e inexaurível Bonecão metapolifônico criado pelo especialista em parangolés, borogodós, cinema, literatura e culinária, Roberto Bozzetti, aquele, me aventurei a listar minhas dez comédias.

                Esse é um texto de reminiscências. Se for alérgico, não leia. Ou leia do oitavo ou nono parágrafo em diante. Ou leia só o último parágrafo. Se persistirem os sintomas de reminiscências, procure um médico, ou escreva as suas.

Para esse número, confesso que estou como se saísse de pantufas em público, visto que em muitas listas a menção a clássicos e sua influência no mundo das artes e da cultura erudita pode ser uma  tônica e não há qualquer crítica de minha parte a quem o faça. Logo eu?! Resignei-me, portanto, consolando-me sob o argumento racional de que a assombração sabe para quem aparece.

                Sim, minha infância e minha formação como espectador de cinema passam pelas matinês do Cine Palácio Campo Grande, na rua da Silbene, do Mercado São Brás e da Casa Cruz, ao lado da loja de Calçados Vilma, para assistir aos filmes d’Os trapalhões. Isso ocorria nas férias escolares de julho e nas férias escolares de final de ano. Não escrevi apenas “férias” porque no país da minha infância se trabalhava todos os dias de segunda a segunda, desde as seis da manhã e até a noite. E as idas regulares ao cinema só eram possíveis, vejam vocês, porque meu pai, Sr. José de Arimatéa, era jardineiro na casa do Sr. Haroldo, gerente do cinema, um simpaticíssimo descendente de portugueses que gostava de ouvir as histórias que meu pai sempre contava enquanto trabalhava: causos da roça, piadas intermináveis e croniquetas da astúcia de gente simples, em geral tendo a ele próprio como personagem central, autor sagaz dos desfechos jocosos e mirabolantes. Uma espécie de Pedro Malasartes oriundo da Paraíba.

                Seu Haroldo era gerente geral do Cine Palácio Campo Grande, morava numa grande casa na Avenida Cesário de Melo, onde depois de sua morte, casa demolida, surgiu ali um grande mercado Rainha. O terreno fica em frente à agência do Banco Santander. Aquela foi uma das últimas regiões de construção de antigos casarões dos ricos comerciantes campo-grandenses dos anos de 1960 e 1970.

                A senha era simples. Não precisava sequer enfrentar as longas filas que se formavam em filmes como os d’Os trapalhões. Bastava dirigir-se ao bilheteiro, pedir pra falar com seu Haroldo e dizer que era o filho do “Baixinho” (vão lá agora e um obreiro dá um jeito em vocês). Lá vinha ele de onde estivesse e me recebia, perguntava por meu pai e meus irmãos, se estava tudo bem em casa, se precisava de alguma coisa – precisava-se de muito, na verdade, mas a orientação de casa era incomodar o menos possível e ser educado mesmo se ele dissesse que não podia autorizar a entrada, o que felizmente jamais aconteceu. E pronto: o cinema era meu por uma tarde inteirinha pra assistir a quantas sessões eu quisesse. Na saída, passava na gerência e agradecia e voltava pra casa feliz da vida com um monte de recomendações ao meu pai e a certeza de que ele era muito querido pra que alguém fizesse em nome dele uma gentileza daquelas: imaginem, permitir a entrada pra assistir a uma sessão de cinema, a um garoto pobre, filho do jardineiro, de graça, apenas em nome da amizade... Meu pai era um cara muito querido mesmo. E faz muita falta. Tá vendo aí, Roberto Bozzetti, onde suas provocações cinematográficas fazem com que a memória nos leve! Não entendo como tem gente que não goste de você. Quer dizer, até entendo...

                Pois bem, esse filme em especial, O CANGACEIRO TRAPALHÃO (1983), foi bem marcante porque pela temática do cangaço, meu pai se interessou em assistir e pela primeira vez fomos todos: meu pai, minha mãe e meus dois irmãos. Assistir a esse filme. Na verdade, foi a primeira vez que saímos para passear juntos, desde que meu pai e minha mãe e, consequentemente, eu e meus irmãos começamos a trabalhar como caseiros em um sítio. 

As peripécias circenses de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias nós já conhecíamos do programa de televisão, Os trapalhões, todo domingo às 19h, mas a graça, o humor, era a dinâmica daqueles personagens em situações roteirizadas. Eles já tinham estado no Planeta dos Macacos, nas Minas do Rei Salomão, na Caverna de Ali Babá e os Quarenta Ladrões, na Guerra dos Planetas, na Ilha do tesouro já tinha sido Saltimbancos e sempre com a mesma dinâmica, dispersos em parte da trama e agrupando-se rapidamente conforme o desenrolar dos enredos. Mas sempre resolvendo os conflitos com improviso, alguma sorte e esperteza, que como bem afirmou Ariano Suassuna, “é a coragem do pobre”.

                Em O CANGACEIRO TRAPALHÃO, escrito por Doc Comparato e Agnaldo Silva, com diálogos escritos por Chico Anysio e direção de Daniel Filho, os atores Nelson Xavier e Tânia Alves revivem o casal Lampião e Maria Bonita da minissérie de 1982 e José Dumont (de Morte e vida e Severina, 1981) interpreta um tenente da polícia volante encarregado de prender ou executar Lampião. Em paralelo a isso, uma caixa/matrioska futurista era capturada e a cada investida em abri-la, revelava uma nova caixa idêntica e menor em seu interior. Esses eram os mistérios da trama.

No desenrolar da história Didi/Severino/Lamparino (qualquer que fossem os nomes dos personagens o grande público só os chamava pelos nomes dos personagens do programa dominical), devido a uma pretensa semelhança física com Lampião, acaba paramentado como ele para despistar uma emboscada armada contra o rei do cangaço e, logicamente, seu bando seria formado pelo restante dos integrantes do quarteto trapalhão.  

Há muito de João Grilo nesse personagem que, posteriormente, numa releitura do Auto da Compadecida, Renato Aragão encarnaria.  Não posso deixar de citar que há muitas referências ao filme Casablanca nesse filme por conta da paixão tímida de Didi/Severino pela mocinha da vez (isso acontece também nos filmes do Jerry Lewis, um leitmotiv da narrativa de humor e na composição de personagens desses dois atores), interpretada por Regina Duarte, (há uma beleza de participação de Bruna Lombardi) que acaba trocando o trapalhão por um príncipe – Tarcísio Meira - montado em um cavalo branco. O que é estranhíssimo, porque até a 5 minutos do final do filme Regina Duarte dava a entender que ficaria com Severino/Lamparino/Didi. Desde aquela época ela dava sinais... e o público, paradoxalmente cego, não percebia...

Em seu desfecho [qualquer dos filmes do quarteto] a recompensa, em ouro, em sucesso, em riqueza e prestígio, de um modo geral, algum consolo amoroso em detrimento da expectativa amorosa inicial frustrada, uma visão de uma vida no sudeste, longe da seca e da fome – nos filmes que trabalharam ou se passaram no nordeste, como forma de simbolizar o fim da pobreza, e a série de gag’s e gritinhos e piadocas pra lá de politicamente incorretas para os tempos que seguem.

Insinuava-se também repetidamente a figura de Didi/seus personagens em cada um dos filmes como a de um palhaço triste, o cara que ajudou todo mundo e no final termina sozinho enquanto todos se congraçam... é uma imagem forte que já foi usada também por Jerry Lewis.

Lembro que já saía do cinema na expectativa pelo próximo filme e dos meus colegas duvidando que eu tivesse assistido ao filme. Alguns, porque acabara de ser lançado e outros porque me sabiam bem pobre. Ficava pensando  também em como seria triste o dia em que aqueles atores morressem. O Zacarias, o Mussum... Hoje penso que pior destino ainda têm aqueles/as cuja reputação chega a termo enquanto ainda estão vivos... Eu contei pra vocês que nesse filme tinha o Renato Aragão e a “Namoradinha do Brasil”?!

A arte culinária, é claro, é do irrefratável Bonecão, Roberto Bozzetti. Risoto de aspargos, cardoncellos e presunto espanhol. Arroz arbóreo e queijo pecorino. Seival touriga da Miolo pra acompanhar. 30 de março de 2018.


O CANGACEIRO TRAPALHÃO, 1983

O CRIADOR DO BONECÃO, ROBERTO BOZZETTI.
TOMANDO GUARACAMP AO VIVO

Risoto de aspargos, cardoncellos e presunto espanhol. Arroz arbóreo e queijo pecorino. Seival touriga da Miolo pra acompanhar. 30 de março de 2018.


 

 

 

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Crônica: "OU VAI OU RACHA: meu primeiro road movie", por Erivelto Reis

 

CINEMA COM PIPOCA E GUARACAMP

O BONEQUINHO DEGUSTOU

2/10 – OU VAI OU RACHA: meu primeiro Road Movie

 

                Convidado por Roberto Bozzetti, o titeriteiro que manipula o Bonecão e que sabe tudo de cinema, exceto aquilo que vai descobrindo enquanto revê o que já sabe, estou listando as 10 comédias mais marcantes que já assisti. Não há uma ordem específica de importância, talvez apenas uma mera preocupação com uma pretensa cronologia, mas não posso garantir que não se atropelem as datas em uma desordem sistematizada.

                O segundo filme é Hollywood or bust (1956), aqui no Brasil: OU VAI OU RACHA, estrelado por Jerry Lewis e Dean Martin. É preciso destacar que fui formado como espectador e fã dos filmes de Lewis nas sessões de cinema de sábados e domingos à tarde e, eventualmente, em reprises sucessivas na sessão da tarde. Adorava tudo, desde os títulos, que como vocês já perceberam, não precisam ser literais. Tudo me chamava a atenção: “Ou vai ou racha”, “O bagunceiro arrumadinho”,  “Bancando a ama seca” (protótipo de 3 solteirões e um bebê), “O meninão”, “O fofoqueiro”, “O cinderelo sem sapato”, “O delinquente delicado”, “O terror das mulheres”, “O professor aloprado” (esse, refilmado por Eddie Murphy), entre outros. Confesso ainda que “Bancando a ama seca” foi um dos que mais me fizeram rir, mas este Ou VAI OU RACHA, além de muito divertido, incutiu em mim uma mística em torno de Hollywood como a terra das estrelas de cinema.

                Revendo para escrever, percebo que se trata de um Road Movie, ou seja, um filme em torno da progressão de uma viagem de carro (praticamente toda produzida em estúdio com imagens se movimentando ao fundo) e de um filme parcialmente metalinguístico que traz o personagem de Lewis, Malcom Smith como um cinéfilo de memória prodigiosa e nenhum senso de realidade (as ações do quarto final do filme se passam em um estúdio de cinema da própria Paramount). Malcom é dono de um cachorro gigante (olha aí o cachorro de novo na história, desde Chaplin, viram?), Sr. Bascon e ganha o sorteio de um belo carro com o qual pretende ir para Hollywood a fim de conhecer a atriz sueca Anita Ekberg (vista aqui imediatamente antes do clássico “Guerra e Paz”, com Audrey Hepburn; e quatro anos antes de La dolce Vita, de Fellini).

Ekberg aparece interpretando a si mesma, mas já havia sido contratada pela Paramount especialmente para contracenar com a dupla Lewis-Martin desde “Artistas e Modelos” (1955). Acontece que o trapaceiro Stevie Wiley, interpretado pelo cantor e ator Dean Martin, falsificará o bilhete premiado e assim dividirá o prêmio com o real ganhador. E para que a divisão ocorra, Stevie concorda em ir até Hollywood – na verdade pretendia apenas se livrar do verdadeiro ganhador na primeira oportunidade e essas tentativas não apenas rendem bons momentos de humor, como permitem que a mocinha Terry, uma corista a caminho de Las Vegas se junte ao trio.  

Jerry Lewis e Dean Martin contracenaram em dezesseis filmes entre 1949 e 1956 e este foi o último filme que fizeram juntos. Por questões econômicas e por ego as relações entre os astros foram se deteriorando até que em VAI OU RACHA, os atores sequer se falavam a não ser em cena. Desfeita a dupla, ambos seguiram carreiras solo no cinema, mas já sem o mesmo sucesso.

Hoje sei dessas coisas, mas na época eram as caras e bocas de Lewis (influenciaram atores como Jim Carey, por exemplo), o seu jeito atrapalhado, desengonçado e a dublagem brasileira que emprestava uma identidade única aquele personagem (Nelson Batista – que não foi o único a dublar, mas cuja dublagem ficou reconhecida como clássica para os personagens de Lewis),  foi quem melhor reproduziu com seu timbre anasalado, o frenético ritmo de fala e os cacoetes vocais de Lewis). Observem que não havia um único personagem em vários filmes – como o vagabundo Carlitos de Chaplin – mas um padrão de personagem solteiro, ingênuo, verborrágico e atrapalhado que se repetia ao longo de diversos filmes e que, via de regra, se apaixonavam pelas mocinhas que ou não correspondiam, ou quando se interessavam, aí eram os personagens inocentes e ingênuos que não percebiam.

Lewis, que morreu em 2017, chegou a realizar mais de 40 filmes e se envolvia em todo o processo desde criação, roteiro, direção, escolha de atores e atrizes e chegou a produzir dois filmes por ano quando estava no auge do sucesso. Há um documentário “Jerry Lewis: Biografia” disponível no Youtube.

Quanto a Dean Martin, atuava como o galã da dupla, alternava a escada – aquela situação em que um ator prepara a piada para o outro e, eventualmente, o pretenso antagonista que acaba cativado pela ingenuidade e pureza dos personagens de Lewis. Entre uma cena e outra os números musicais dão a oportunidade do público americano assistir o lado cantor de Dean Martin (ao lado de Frank Sinatra e Sammy Davis Jr., um ícone do estilo one showman de Cantar, Atuar e Apresentar norte-americano. Tanto assim que, em 1960, a primeira versão de Ocean’s Eleven – Onze homens e um segredo, terá esse trio notável encabeçando o elenco). Dean Martin é um dos poucos que têm três estrelas na Calçada da Fama, uma como ator, outra como cantor e outra como apresentador. Infelizmente, o alcoolismo, o fumo e a depressão pela morte de um de seus filhos acabaram tirando o ator de cena definitivamente em 1995.

Percebo enquanto escrevo que a aprendizagem do humor era, sobretudo, a aprendizagem de um roteiro de ações possíveis diante da vida. Uma espécie de carpe dien mesmo se der errado... muito errado. O atrapalhar-se e o corrigir-se, o rasgar-se e o remendar-se. E os filmes de Lewis permitiam supor isso. Em geral, projetavam indiretamente a ideia de que não importava qual o seu talento específico, o quão ingênuo ou atrapalhado um sujeito fosse, ainda haveria para ele uma oportunidade de redenção, amor e êxito. E de três em três possíveis, me encaixava bastante como espectador naquela projeção. Noto, ainda, que eu pensava também que depois de formado como professor na graduação, mestrado, doutorado... os problemas desapareceriam. Parece que repito o padrão de ingenuidade e projeções infantis quanto às expectativas versus realidades...

Quem quiser ver um cachorro Dinamarquês dirigindo um carro, uma velhinha assaltando de arma em punho ou um sujeito de jaqueta vermelha entrar num curral para tirar leite de uma “vaquinha” de longos e afiados chifres, é só embarcar nessa viagem. Talvez, sem muito esforço, haveria justificativa para que minhas dez comédias listadas estivessem entre as obras de Lewis. Por certo que recomendo muito os filmes desse ator, produtor, diretor e roteirista.  Mas o que sei eu? Ainda mais depois de confessar as coisas em que acreditei e continuo acreditando, seguir alguma recomendação que eu dê será por sua conta e risco. Notadamente, a propósito de escrever sobre um filme, rendo homenagens à memória afetiva das obras de um comediante inesquecível. Acontece.

A arte culinária, claro, é do Bonecão, Roberto Bozzetti. Favas verdes, costela com batatas e agrião. 10 de junho de 2018.

CARTAZ DO FILME - OU VAI OU RACHA - 1956

Bozzetti em sua alquimia culinária.

Favas verdes, costela com batatas e agrião. 10 de junho de 2018.