Pena
Erivelto Reis
Paradoxo
Da eternidade:
A lembrança
Não mata a saudade.
Quem sou eu

- Erivelto Reis - Poemas e Crônicas
- Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
FALECIMENTO DO POETA PRIMITIVO PAES
NECROLÓGIO
DE PRIMITIVO PAES
Por
Erivelto Reis
No dia 19-01-2013, em Campo Grande, Rio de Janeiro, faleceu o poeta e ator
Primitivo Paes. Nascido em Pernambuco em 28-05-1928, Filho de José Pais da
Silva e Maria Florentina da Silva, deixa duas filhas, Joelma e Adriana, dois
genros, Cândido e Anderson, e três netos, Tiago, Diego e Derick. Publicou um
livro em 2004, intitulado "Livro de Poemas". Começou a escrever
poemas aos 55 anos de idade e, desde então, até o último dia de sua vida foi um
grande admirador da poesia. Dos autores clássicos aos poemas escritos por
estudantes, sempre valorizou a palavra, o lirismo e o encantamento das ideias e
emoções expressas em versos.
Foi lavrador, operário, sindicalista e desde o ano de 1999, era formado como
ator. Viveu no Paraná, em São Paulo e, há mais de 30 anos, morava no Rio da
Prata, Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde estabeleceu residência
e formou um lindo lar.
Após a Revolução de 1964, foi cassado por exercer a função de Primeiro
Secretário do Sindicato das Indústrias de Café, Leite e Derivados do Estado de
São Paulo. A partir daí, e até a Anistia, passou a exercer profissões as mais
diversas, sempre clandestino, a fim de preservar sua integridade e a de sua família.
No ano de 1955, viajou por toda a Europa oriental, China e antiga União
Soviética. Conheceu os países da chamada “Cortina de Ferro”, integrantes do
bloco socialista. Era o Segundo Encontro Internacional da Juventude Socialista.
O livro do jornalista Flávio Moreira “Além das Torres do Kremlin”, narra essa
viagem. Ali, encontram-se os detalhes e percalços da viagem. Primitivo ocupa
lugar de destaque na narrativa ao lado de figuras como o poeta Solano Trindade
e o ator José Serber.
O convite para integrar essa comitiva partiu de sua destacada atuação política
durante a fundação e emancipação da cidade paulista de Mirante do Paranapanema,
no oeste paulista (1953), a qual junto com seus irmãos, ajudou a fundar e que,
diversas vezes, teve a oportunidade de tê-lo em seus palanques como defensor da
democracia e da reforma agrária. Aquele caboclo bonito, (filho de holandês com
uma descendente pernambucana da tribo dos Pankararus), camponês, lavrador -
vindo de Pernambuco em busca de trabalho, tentando “fazer a vida no sul”,
trabalhando nas terras das famílias de latifundiários japoneses da cidade, era
articulado, firme e claro em suas palavras e, já àquela época, somando-se ao
pensamento libertador das Ligas Camponesas pernambucanas, bradava por novos
rumos em relação ao latifúndio e à distribuição de terras.
No retorno de sua viagem à Europa e aos países socialistas, Começa a trabalhar
como operário, numa empresa de torrefação. Logo se destaca por sua
capacidade de articulação e por seu carisma. A sua posse como Primeiro
Secretário do Sindicato, coincide com o período da Revolução de 1964. Casa-se
no ano de 1965, aos 37 anos, na cidade de Medianeira, estado do Paraná, onde
nasceu sua primeira filha. Os “novos ventos da política” o haviam levado,
por questão de sobrevivência, literalmente, àquela cidade, na qual exerceu a
função de gerente de um hotel-pousada. Sempre fruto de sua articulação, de sua
educação impecável e de seu traquejo social.
De volta a São Paulo, nasce sua segunda filha. Primitivo Paes trabalhou como
soldador na Viação Cometa, (ali ele fez, com parafusos e restos de chapas de
metal, o seu primeiro carro de boi), chegou a ser preso em meados da década de
70. Levado para uma espécie de "subsede" da OBAN, foi torturado,
baleado na perna e, após permanecer 30 dias preso foi libertado. Esteve
sempre encarregado de receber e articular eventos, shows e comícios do
sindicato. O que o colocou, como Primeiro Secretário, em convívio constante com
outros sindicatos e sindicalistas e com intelectuais e artistas de esquerda do
Brasil que circularam ou militaram em São Paulo.
Com o cerco repentino realizado a sua casa, em São Paulo, deixa tudo para
trás e muda-se com esposa e filhas, sem nada mais, para o Rio de Janeiro. Vive
em Madureira, Todos os Santos, Méier, Engenho de Dentro, em casas de parentes
já radicados aqui no Rio, até fixar-se no Rio da Prata, em Campo Grande. Lutou
até o último dia de sua vida por igualdade, liberdade, democracia e direitos
humanos. Foi um defensor da infância e da autonomia cultural e intelectual das
crianças e dos jovens. Dizia querer ter sido professor. Era querido e admirado
por seus vizinhos. Ajudou a fundar a Associação de moradores do Jardim Álvaro
Campelo, no Rio da Prata.
Em Campo Grande, na transição entre o final dos anos 70 e início dos anos 80,
começa a trabalhar como porteiro, fiscal de patrimônio e obras da Empresa
Irmãos Araújo & CIA. Pouco tempo depois, sempre devido ao seu carisma e sua
competência na articulação das palavras, é convidado para trabalhar no
escritório central da empresa, na Praça Seca. Nesse período, o poeta
divorcia-se. Trabalhou, também, como vigia, nas casas Magal. Aí, nesse período,
após extrair um tumor na próstata, aos 55 anos de idade, começa a escrever
poemas.
De forma tímida e secreta, a princípio. Pouco tempo depois, é aposentado como
anistiado político. Nesse período, tem um descolamento de retina conhecido como
“véu de noiva” ou “sanfonado” que faz com que perca a visão no olho direito. O
poeta passa a ler com a ajuda de uma lupa. Para memorizar os poemas, ele os lê
com a lupa, grava-os em um gravador portátil e os ouve e repete até
memorizá-los. Só então é que os apresentava com sua interpretação forte,
teatral, carregada de gestos e expressão corporal e facial.
Durante toda a sua carreira, criou poemas em estilo naïf (segundo o dicionário Houaiss: "diz-se de ou certo tipo
de pintura, escultura etc. espontânea e autodidata, desvinculada de escolas
convencionais, que resulta em composições primitivas, ger. detalhadas e de
fácil compreensão."). Era um artista com uma voz muito bonita, impostada,
forte, encorpada e grave nos vocábulos tônicos e algo metálica, com algum
sotaque, ainda de Pernambuco, nas sílabas finais de cada palavra.
Seus temas giravam em torno de questões relacionadas aos direitos humanos, à
infância, sua idealização ou a memória dela, os espaços onde viveu e por onde
passou, homenagens aos amigos e poetas dos quais gostava, homenagens aos
familiares, à idealização da vida no campo, algum humor no modo de ver a vida,
a saudade e a melancolia provenientes da morte e da partida. Inicialmente,
compôs poemas algo críticos em relação a temáticas religiosas, mas na fase
final de sua carreira, o diálogo direto com um interlocutor sagrado aparece em
muitos poemas, assim como a consciência lírica da finitude do tempo, do seu
próprio tempo.
Como ator e poeta, formado no final da década de 90, no Teatro Arthur Azevedo,
Método de Teatro Laboratório, começa a se apresentar declamando seus poemas em
todo o Estado do Rio de Janeiro. Chegou à impressionante marca de mais de 1100
apresentações em escolas, creches, teatros, praças públicas, programas de
rádio, faculdades e eventos poéticos em todo o Estado do Rio de Janeiro. Foi
finalista do prêmio Talentos da Maturidade do Banco Real em 2003. Recebeu
inúmeras homenagens. Ainda em 2003, lançou um CD de poemas intitulado “São
poemas”. Chegou a produzir e distribuir duas mil cópias dessa obra.
Apresentou-se, em 2002, no Centro Cultural de Santa Cruz, no encerramento
oficial pelas comemorações do centenário do poeta Carlos Drummond de Andrade,
de quem declamava “José” e “Confidência do Itabirano”.
Constantemente, era convidado para integrar a banca de jurados em festivais
escolares de poesia, festivais escolares de teatro, ou se apresentar como
atração especial durante estes eventos. Em 2008, integra, a convite da poetisa
Denize Vieira, o corpo de Jurados do Festival Nacional de Poesia produzido pela
FNAC em parceria com a Revista Day By
Night. A final do concurso ocorreu no auditório Magalhães Jr. da Academia
Brasileira de Letras.
Com o falecido poeta Nilton Silva, em 2007, homenageou o poeta Manuel Bandeira,
na Associação das Academias de Letras do Estado do Rio de Janeiro. Teve
poemas seus publicados nos jornais “O Amarelinho”, de Campo Grande e “O
Guarazão”, da Região de Guaratiba. Embora não fosse um cordelista, pela figura
de caboclo e pela simplicidade e naturalidade de seus versos, frequentemente
sua poesia era associada à Literatura de Cordel. A capa de seu primeiro livro
trazia um carro de boi, título de um de seus poemas e símbolo desse caminhar
constante do homem simples do interior do Brasil em busca da felicidade.
Em 2007, apresentou-se ao lado de Poetas oriundos da Guiné-Bissau durante o X
Fórum de Responsabilidade Social na FEUC, Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Participou das XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI edições da Semana de Letras da
FEUC. Em 2009, participou da I Mostra de Poesia Brasileira de Maricá. Em 2008,
participou de uma Exposição de Artes Plásticas e Poesias no Centro Cultural
Ariano Suassuna, na Barra da Tijuca. Em 2010, suas poesias ficaram em exposição
no aeroporto Internacional ao lado de obras de artes plásticas. Integrou uma
exposição fotográfica repleta de personalidades da Zona Oeste organizada por
Malu Ravagnani e Hélcio Peynado. Participou do documentário para o Show
"Sucesso" de Néris Cavalcante.
Escreveu orelhas, prefácios e apresentações de livros de inúmeros autores da
Zona Oeste. Homenageou a diversos autores com poemas seus, ou com a declamação
de poemas destes autores. Recebeu, em 2005, indicado por Roberto Sobral, a
Medalha de Honra ao Mérito da Associação dos Taifeiros da Armada, da Marinha do
Brasil.
Convidado por Júlio Corrêa, participou do Festival Nacional de Poesia em
homenagem ao falecido poeta Roberto Sobral, na Casa do Marinheiro entre 2008 e
2010. Em 2006, integrou a caravana de autores que fizeram a I Feira do Livro de
Paracambi. Manhã poética na Cidade de Mendes, interior do Rio de Janeiro.
Participou do grupo de Teatro Holístico ao lado de Cláudio Freire e Paulo
D’Athayde.
Primitivo Paes foi caricaturado por Fernando Teixeira para o Livro
Personalicaturas 2 (2005) e foi uma das personalidades homenageadas com fotos e
biografia na obra Personalidades do Estado (2012) ambas publicadas pela
escritora e poetisa Nancília Pereira. Também recebeu o prêmio Expressão
Cultural, como poeta declamador pela coordenadoria regional de cultura.
No ano de 2011, a FEUC, importante faculdade de Campo Grande, produziu um CD
com poemas de Primitivo Paes e Fernando Pessoa, gravados por alunos da
Instituição. Nessa ocasião o poeta foi entrevistado e gravou poemas inéditos
também. Ainda na FEUC, desde 2007, o poeta participava de todos os eventos
produzidos pela Instituição em seus diversos cursos e, em especial, nas Semanas
de Letras, nas quais sempre apresentava um novo espetáculo, uma nova
performance poética e teatral.
Primitivo Paes foi premiado e homenageado inúmeras vezes. Seus poemas constam
de inúmeras antologias, agendas e revistas literárias. De 2003 a 2011,
participou de todas as Bienais Internacionais do Livro no Rio de Janeiro.
Sempre com destaque como declamador. E pela simplicidade e beleza de suas
composições. Primitivo participou e/ou prestigiou quase todos os grupos
organizados de artistas e poetas do Rio de Janeiro. Trabalhava, quando de seu
falecimento, na diagramação e na confecção da capa de seu segundo livro:
Prosoemas.
Participou de eventos no ICC, Instituto Campo-grandense de Cultura, Academia de
Música Dineyar Valente Plaza, SINPRO RJ – Sede e Subsede Campo Grande –, nas
Faculdades FEUC, Moacyr Bastos, Machado de Assis, Castelo Branco, Universidade
Rural e Universidade Federal do Rio de Janeiro, Zona Oeste fazendo arte, Semana
Santa em Santa Tereza, Final do I Concurso de Poesia da Revista Day by Night.
Bienal do Livro no Riocentro 2007, 2009 e 2011 pela APPEERJ/Oficina Editores.
Participou e/ou frequentou os seguintes grupos e encontros poéticos:
Cantar poético no Jardim do Teatro Arthur Azevedo, Bom Dia, Poesia; Pedra Pura
Poesia, Circuito Literário Conversa Com Verso (do qual chegou a ser eleito
coordenador), Vintém de Cobre, Passeando pela Poesia, Casa do Poeta, Poeta,
Saia da Gaveta, Poveb, Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, Terça com
Verso no Café, Bar 51, Quintal da Poesia, Academia Brasileira de Cordel,
Associação das Academias de Letras do Rio de Janeiro, Ciranda Cultural de Pedra
de Guaratiba. Sarau poético da OAB em Niterói.
Era conhecido, além do porte sempre elegante, da barba sempre bem feita,
“escanhoada”, como ele próprio definia, por declamar com sua bela e potente voz
os poemas de cor. Não gostava do uso da expressão “decorados”, trazia os poemas
memorizados. E, em seu repertório de textos, constavam, pelo menos, Cinquenta
poemas. Não apenas os seus, mas de autores conhecidos como Drummond, Bandeira,
Quintana, Patativa do Assaré, Castro Alves, como dos novos talentos da poesia
e, em especial, de seus amigos poetas e poetisas. Dizia os textos de seus
amigos e conhecidos para homenageá-los, numa forma de demonstrar amor ao amigo,
de quem dizia o texto, e sempre, à poesia.
A morte do poeta é uma perda incomensurável para seus familiares, amigos e
admiradores. O poeta foi sepultado no Cemitério Jardim da Saudade em Paciência
no dia 20 de janeiro de 2013, dia do padroeiro da cidade a que ele tanto amava.
Foi uma manhã que mesclou sol, o tempo nublado e depois, a chuva. Uma manhã de
lágrimas, tristeza profunda e a saudade desse irmão, pai, poeta, avô, amigo
inesquecível pela pureza de seus gestos, pela nobreza de seus ideais e de seu
coração e pelo carinho que devotou aos amigos, familiares e à poesia. Certeza
plena de que Primitivo Paes descansa ao lado de Deus, num céu de anjos e paz
eterna.
Eu, Erivelto Reis, que o acompanhei como admirador e amigo, por quase 15 anos,
pelos últimos 14 anos de sua carreira, frequentando sua casa, tendo o
privilégio de sua amizade, me apresentando ao seu lado, acompanhando os
bastidores de sua criação literária e poética, a ele devo muito. Por ele sofro
muito. Perdi um amigo incomparável e inigualável. Perdi um incentivador, um
crítico delicado, um mestre na vida, na minha profissão como professor, na
minha carreira como escritor. Perdi mais que um pai. Agora, restam a saudade, a
memória de nosso convívio muito feliz e agradável durante todo esse tempo e a
beleza de seu exemplo de respeito a todos e de amor aos familiares, amigos e à
Literatura.
Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 2013.
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