Endereçado
Erivelto Reis
Não me venha com essa
Ladainha:
Procurar um cristo que more
Apenas na igreja aberta.
Deixe de conversa...
O cristo estava faminto,
Descalço, caído,
Assustado na calçada:
Perdido no tempo na porta do templo...
Não me venha com essa:
Procurar um cristo delivery,
Estrela eurocêntrica da decadência ocidental
Ou pregado e obediente, atendendo de quinta a domingo...
A guarda municipal passou ainda há pouco
E o restituiu à condição de
Morto insepulto, semimorto,
De ser invisível e semideus natimorto.
Ele estava com fome, maltrapilho,
Sem pai, sem mãe, sem filho e sem nome...
Não venha bancar o culto,
O esclarecido, o fraternal...
O cristo mesmo mora na orla do desemprego,
Na falta de leito no hospital,
Na mãe solteira e sem trabalho,
Sem creche e sem direito
De dizer o que quer para si mesma
E para o seu próprio corpo.
O cristo não mora na igreja:
O cristo é o alvo que você tanto apedreja
Com teu preconceito,
Teu comportamento de bando, de seita...
O cristo está onde você
Não quer enxergar que ele esteja.
O cristo está na sexta-feira
Sem amor, sem pão, sem janta e sem paixão
O cristo não mora no mesmo
Endereço que você que não tem compaixão.
Ele sabe do teu fetiche pela violência
E pelo linchamento desde o mais antigo testamento.
O cristo resiste e não escuta a tua cantilena
Disfarçada de falsa oração.
O cristo não mora na igreja:
Ele está na luta por igualdade, ao lado dos humildes e
humilhados,
Distante dos trapaceiros, dos vendilhões e escroques.
O cristo não é bélico, não é banqueiro, nem mercenário.
O cristo está no trabalhador explorado,
Na chaga dos oprimidos e cansados.
O cristo não mora na igreja:
Perambula por entre
Uma arquitetura urbana e hostil, uma réstia de sol
E uma hóstia distribuída em lugar de terra
Para semear o trigo para produzir o pão.
O cristo não mora, não amole!
Quanto mais você pede,
Mais ele fica de fora, menos ele te socorre.
Ele não frequenta a casa de corrupto,
(Você pode até ficar puto),
Fingindo três dias de luto...
Guardando dinheiro no cofre
(Arrecadado na tua empreja).
A riqueza é o teu real rosário.
Ele não mora na igreja,
No ouro dos altares, no volume dos louvores,
No vermelho sangue do vinho caro,
No interior do teu carro importado e blindado,
Nas imagens de escapulários.
Ele está na dor dos que são refugiados,
No silêncio dos desenganados,
Naqueles que você despreza,
No coração dos que você explora,
E na existência dos que você rejeita!
Ele não mora na igreja,
Ele está onde o amor resiste.
Mas é só ver você que ele corre,
É só ver você que ele morre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário