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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Poema: "A Memória (in)finita", de Erivelto Reis

 

A memória (in)finita

Erivelto Reis

Para Maite Alberdi, Paulina Urrutia e em memória de Augusto Góngora

 

Se eu perder a memória, terei perdido o caminho?

Ou o caminho há de se perder em mim?

Se eu perder a memória

Até para os traços mais singelos

Da adoração de meus afetos:

Minha companheira, minha filha, meus filhos,

Meus amigos, meus filmes, minhas músicas e meus álbuns preferidos...

O que farei com esse resto de estrada?

O que farei com esse resto de caminho?

Se eu perder a memória,

(Fora a arte, o amor e a saudade),

A senha master que destrava

O milagre que eu sou, que eu fui, (que eu pensava ser)

E dá acesso ao mundo subjetivo e inquieto que há em mim,

O que farei com essa procura incógnita

De alguém que já não reconheço o reflexo no espelho?

O que farei com o lusco-fusco do esmaecimento

Que vai caiando de uma luz apenas branca e difusa

O muro de minhas lamentações,

E desmontando o pódio de minhas

Conquistas pessoais?

Que alegrias darei aos que tiverem o carinho

E a misericórdia de cuidar de mim,

De me lembrar de quem sou – talvez não sendo mais,

De quem fui, do que fiz de importante

Aos que compartilham comigo os traços,

Os genes, os memes e o semblante,

Ou aos meus irmãos e irmãs de uma pátria

Em luta, enlutada em permanente levante?

Se eu perder a memória,

Estarei abastecido, protegido pelo amor

Que eu tenha inspirado aos meus companheiros e companheiras

E aos meus descendentes

Ou que pela humana sensibilidade neles exista

E possa haver triunfado?

Se eu perder a memória no asilo finito da carne de meu corpo,

Repentino ou gradativo filho eterno do amor de meu amor

E do cuidado e sobressalto de meus filhos,

Antiga fotografia, esquecida entre as páginas

Do mais remoto livro,

Que rasuras farão do meu destino?

Se eu perder a memória,

Se ela me for proibida, inacessível, inescrutável,

Ainda poderei supor

Que algum exemplo que tenha partido de mim permanecerá,

Trêmula bandeira rota do país democrático pelo qual lutei?

Que perguntas morrerão pra sempre no silêncio de mim mesmo,

Que respostas eu jamais terei?

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