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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Poema: "Sulfite", de Erivelto Reis

 

Sulfite

Erivelto Reis

 

Uma educação

Para parecer Instagramável

Que não se mostre instável

Com resultados replicáveis

Em escala exponencial

Uma educação de elite só na tela

Cinematográfica

Que dê a impressão de que a dificuldade

Seja improvável

E de que seu fracasso seja só um caso isolado

Uma educação viral

Um produto sem contraindicação

Que custe bem caro

Mas que não demande investimento

No salário de quem faz o trabalho

E que fique bem na campanha

Da internet e da televisão

Que venda como água em um dia de verão

Uma educação que negue

Que a novidade só no papel existe

Uma educação que pareça ser de grife.

Que não cause melindre

Que saia no post, no tuíte e no jornal

Que negue ou que confirme

Conforme o print, sulfite

O quanto possa ser

Uma educação tiktoker,

Só de enfeite,

Super fake, superfície

Super prejudicial.

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Crônica: "Maria Teresa Horta, a insubmissa", de Erivelto Reis

    Maria Teresa Horta, a insubmissa

    Erivelto Reis

    Maria Teresa Horta (Poeta portuguesa) deixa como legado a insubmissão, o seu talento inigualável para a poesia, os afetos e a luta contra a opressão e em favor da Liberdade.

    Tinha um hábito peculiar nas redes sociais: de conversar por mensagem particular com pesquisadores e também com fãs e leitores anônimos como eu; de mostrar poemas, mostrar poemas repetidos com pequenas variações, falar do seu dia, contar pequenas histórias e perguntar o que achavam... até se tornar uma amiga improvável. A longevidade, a qualidade e contundência do que Maria escreveu ergueu-a como se do coração de Portugal, erigissem um monumento em honra das Marias com as quais escreveu as Novas Cartas Portuguesas, da idealização amorosa de Alcoforado, dos amores mais dramáticos como o de Inês de Castro, das mulheres portuguesas que sofreram com o silenciamento do patriarcado, do regime ditatorial salazarista. Os versos, líricos, provocativos, diretos, por vezes labirínticos e autorreflexivos que escreveu, sua postura altiva, mesmo diante dos interrogadores, vis e demoníacos, ou dos puritanos, vis e demoníacos, elevou-a como um farol em tempos terríveis que Portugal enfrentou e a indicar um caminho para as que viriam depois.
    Maria Teresa foi uma mulher com um espírito libertário e com uma poesia libertadora. Dona de um humor particular - algo ácido e algo infantil - a depender do interlocutor, deu à sua poesia o dom de manter-se pulsante e atual como uma fruta suculenta que acabássemos de colher.
Muitos amigos de minha bolha virtual fizeram trabalhos de pesquisa magníficos, foram seduzidos tanto pelos versos como pela coragem e altivez de Maria.
    Uma ocasião, ao propor uma exposição de banneres com uma breve pesquisa sobre o trabalho de autores e autoras portugueses/as no segundo período de uma turma de graduação, uma das minhas alunas do grupo que trabalhou com a poemas de Maria Teresa Horta me disse: "ela escreve extamente do jeito que a gente sente, só que mais bonito, professor. E, às vezes, mais doído..."
    Foi admirada e respeitada por escritores e escritoras, seus/suas contemporâneos e pelas novas gerações que a sucederam. Seu estilo, sua concisão, a dinâmica da subversão das expectativas que podia ocorrer mesmo dentro de um único verso, eram algumas de suas marcas autorais. Maria Teresa era capaz de operar sua percepção tácita da escrita e do fenômeno poético e de produzir poemas que aguçam e conversam com a razão e a emoção de seus leitores e que estimulam pesquisadores e pesquisadoras em diversas universidades ao redor do planeta.
    A querida e talentosa escritora Patricia Reis escreveu um trabalho lapidar sobre Maria Teresa Horta, uma biografia intitulada "A desobediente". Um potente documento que nos aproxima um pouco mais da trajetória e do pensamento de Maria Teresa Horta, a mulher que foi capaz de olhar a vida dentro dos olhos e dizer: "eu aceito a viagem, mas não com essas regras!" Sua obra contará a todos e todas sobre o brilho intenso dos todos os seus dias.
    Que descanse em paz. Numa das poses clássicas de Maria Teresa Horta, repetida algumas vezes, a mão espalmada sustenta a cabeça e o olhar vislumbra corajosa e provocativamente o horizonte. Façamos assim, então. Conquanto hoje seja também um dia para deixar escorrer livremente as lágrimas de Portugal pela passagem de uma de suas filhas mais ilustres, mais brilhantes, mais insubmissas.
Voamos
Maria Teresa Horta
Voamos a lua,
menstruadas
Os homens gritam:
- são as bruxas
As mulheres pensam:
- são os anjos
As crianças dizem:
- são as fadas
Maria Teresa Horta, in 'Os Anjos'