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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Poema: "Soft, ué?!", de Erivelto Reis

Soft, ué?!

Erivelto Reis

 

O burocrata é uma máquina

Que não dá defeito

(Ela é o defeito!)

Uma ia sem i

Só artificial mesmo...

O burocrata parece

Feito de pedra

Mas é feito de gosma.

Rosna com o formulário

Desenterrado do fundo da gaveta,

Arrancado do armário

Pra esfregar na sua cara

(Enquanto você faz uma careta).

Ele ama que você se sinta inseguro

Ele ama ver você precarizado...

Tipo um cão que ladra

E que morde o subordinado,

Enquanto abana o rabo

Para os seus benfeitores.

Um burocrata é um panaca

Que corta a fita da obra alheia

No dia da inauguração.

Tem fetiches de fazer

Orgias com memorandos

E portarias.

É um qualquer...

Um erro de design e de hardware.

De pedra é só o seu coração...

E de lama, que arremessa

Contra qualquer reputação.

Quer a sua educação, o seu acolhimento

Enquanto assedia e faz você passar

Pelos seus piores momentos.

O burocrata lê os números

Com a precisão com que

As videntes leem mãos.

O burocrata é uma máquina

Que não dá defeito...

Efeito colateral do sistema,

O burocrata é máquina:

É de quebrar e quebra

Cérebro de lata,

Software de merda.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Poema: "Eutanásia", de Erivelto Reis

 Eutanásia

Erivelto Reis

 

Fantasiar amar

(Como um fantasma)

Como um conto

Uma fábula, uma falácia

Um discurso,

Sem ações, só em palavras!

Em emulações várias.

Como falsário a imitar um Rembrandt,

Um conselho de mãe,

Um Portinari,

Uma obra da Frida Khalo,

Um fragmento de Gabo,

Um anticlímax de Machado,

Um texto de Rubem Braga...

Um estelionato emocional, passional,

Simular amar, em perene heresia,

Piromania, pirotecnia...

Para desconstruir o outro

Para demolir a casa...

Perpetrar o amor a outrem

Como se praticasse eutanásia.

sábado, 14 de junho de 2025

Poema: "Geo(i)lógico", de Erivelto Reis

 Geo(i)lógico

Erivelto Reis

O Rio de Janeiro

É um oásis que brotou nos trópicos

Um estado equinóstico

Equatorial

Um exótico manancial

Um paradoxo tipicamente caótico

Entre paisagem celestial

Ecumênica

E uma geografia surreal

É um arquipélago antimonótono

De falésias favélicas

Subúrbios rurais

Periferias abissais

Permeadas por histórias

E culturas por todos os lados

É um quadro de Dali

Assinado por Picasso

O Rio de Janeiro

Permanentemente geo(i)lógico

É uma miragem

Que nasceu nos trópicos

Da qual estamos mais distantes

Quanto mais nos sentimos próximos.

domingo, 8 de junho de 2025

Poema: "No sense", de Erivelto Reis

 No sense

Erivelto Reis

 

Não é nem ao menos o medo de morrer...

É medo de não ter o que dizer,

Se eu tiver que justificar

O momento que atalhei,

Que me perdi

Ou o quanto demorei pra

Retomar o caminho.

É um medo da falta que vou fazer

Pra gente que eu nem sabia

Que ia sentir minha falta...

E o medo de não fazer falta alguma

Pra gente que tinha um apê, um airbnb, bem aqui

No lugar que parou de bater.

É medo de ser numa sexta,

É medo de ser na data de um aniversário,

No dia de uma formatura,

No dia de alguém importante

Para um grupo social mais relevante.

Não é medo de morrer propriamente,

É medo de não poder mais cuidar do quintal,

É medo do outro espaço

Ser um deserto espiritual,

Ou um oásis para o qual

Eu não tenha passe vip ou preferencial.

Ou pior:

Ser um céu inalcansável,

Um não-céu no sense,

Um areal de escombros,

Um lodaçal de pessimismos,

Cheio de pensamentos intrusivos,

Remorsos terrenos...

E de coisas que continuem me fazendo mal.

Não é medo de morrer exatamente

É medo do extrato com saldo negativo

De uma vida inexpressiva e banal!

Uma desvida caricatural...

sábado, 31 de maio de 2025

Poema: "Sem rumo", de Erivelto Reis

 Sem curso

Erivelto Reis
Preguiça é um rio sem curso
Estupidez é um rio sem curso
Desespero é um rio sem curso
Vício é um rio sem curso
Pecado é um rio sem curso
Mas o que é o pecado
Quando o rio desencontra o oceano?
Saudade é um rio sem curso
Privilégio é um rio sem curso
Nepotismo é um rio sem curso
Misoginia é um rio sem curso
Ignorância é um rio sem curso
Violência é um rio sem curso
A inveja é um rio sem curso
Tudo o que mata e não é mata
Tudo que é um rio
Que não mata a sede
Tudo que é vivo e não tem vida
É covarde e é defunto
É um rio sem curso...
Tudo o que transborda, deforma,
E não transforma
É uma invasão bárbara
De espaço, tempo e forma
Vale pra pessoa, vale pra estátua
Vale pra autor, ideia e obra.
Tem gente que aceita, acata
Tem gente que se rebela,
Não se conforma!
Mas aí a vida não é mais
Como ela era...

sábado, 17 de maio de 2025

Poema: "Reels", de Erivelto Reis

Reels

Erivelto Reis

Lá em casa colocamos

Os cachorros pra dormir na sala

Lá em casa respeitamos e debochamos

Da hierarquia das árvores genealógicas

Mas criamos lendas a respeito delas

Lá em casa embaralhamos

Os discursos na mesa de jantar

Catar piolho era uma forma de carinho

E chineladas, uma forma de educar

Lá em casa todo mundo é santo

Desses de não ocupar lugar

Em andor em capela e em altar

Lá em casa sempre falta espaço

E todos os traumas são silenciosos

Lá em casa temos medo

De perder-se qualquer um de nós

Mesmo o mais preguiçoso,

Mesmo o mais avarento

Lá em casa quem sai não volta

Lá em casa quem está não sai

Vira retrato na parede,

Foto esquecida num álbum

Olhar de mãe, piada ruim de pai

Varremos as mágoas pra debaixo do tapete

Que serve de cama e canil pro cachorro

Exemplo de pedagogia

Tácita, não escrita e soberana

De um código familiar

 

Que transforma ao mesmo tempo

Toda reunião em festa

Todo momento em solene

Desses que viram post, reels, memória e meme

sexta-feira, 28 de março de 2025

Poema: "Crocodilo", de Erivelto Reis

Crocodilo

Erivelto Reis

 

Porque professor,

Porque proletário,

Porque contratado,

Porque temporário,

Intimidado,

Desvalorizado,

Precarizado...

Porque inconformado,

Porque explorado,

Porque assalariado,

Assediado,

Silenciado...

É que, quando eu posso,

Eu ponho os pingos nos is!

Eu boto o dedo na ferida,

Eu chuto o balde,

Eu soletro os nomes,

Eu parto pro debate,

Eu furo a panela da intriga.

Porque sei onde o problema habita,

Porque sei do oco da marmita,

Porque sei do rombo do consignado,

Porque sei da extorsão do banco,

É que não caio na lábia do sacerdócio.

É que não vou na onda do mártir,

É que não vou bancar o santo.

Porque sei o quanto odeiam meu descanso,

É que não vou baixar a crista

Quando alguém vier cantar de galo,

Quando um raso louvar o atraso,

O proselitismo, o niilismo,

E achar que é prosaico pisar no meu calo.

Porque professor eu sei que não sei de tudo,

Mas sei reconhecer o que é precário,

O que é precarizar com rubricas e semântica,

Porque sinto na pele o peso dessa arrogância.

Percebo o que é covardia, o que é absurdo.

Sei que adoram precedentes,

Realocação de verbas e ausência de licitações,

Crachás e broches hierarquizantes,

Enquanto flanam longe do chão da escola,

Ciosos de seus cargos e de suas comissões.

E enxergo a falha épica em seus discursos,

As suas lábias e as de seus pupilos,

Enquanto esperam que eu cale...

Enquanto esperam que eu seque

As suas lágrimas de crocodilo.

Eis o ápice de seu cinismo.