Quem sou eu

Minha foto
Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 15 de novembro de 2025

Poema: "Sopé", de Erivelto Reis

 Sopé

Erivelto Reis

Estrada é chão que que adere
E marca a sua trajetória...

Quem vai tomar conta dos nossos sonhos?
Quem vai sonhar quando todos
Estiverem tendo pesadelos ou dormindo,
Ou se mostrarem apaticamente sonâmbulos?

Quem vai dizer que, se a montanha é alta,

O topo vai mostrar uma vista linda?...
E começar a planejar e executar a escalada,
Em lugar de “vamos acampar no vale
Até que a montanha diminua!”...

Acreditar no sonho,

Por mais que esperem que você não vá,
Não ande, não lute, não fale
É crer por inteiro, de alma nua.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Poema: "Rotina (ou code dress)", de Erivelto Reis

Rotina (ou code dress)

Erivelto Reis

 

Tem um cotidiano secreto

Que ninguém tá vendo!

Tem um cotidiano de fora,

Tem um cotidiano de dentro.

 

Tem uma rotina social

De existir comunitário:

Um plano, um casco,

Um papel identitário.

 

Por dentro, desespero,

Por fora, funcionário.

Por fora, funcionando...

Por dentro devastado!

 

Por fora, calçadão da praia,

Por dentro, o fundo do poço.

Por fora, uma vida inventada,

Por dentro, uma vida vazia.

Por fora, escuta afetiva

Por dentro, nem vem que não te ouço.

 

Há uma portaria de mármore

Fazendo propaganda do prédio

Mas há uma entrada de serviço

Que, ultrapassada,

Gera crise, gera o tédio

Estraga o interesse,

Cessa o apetite...

 

Por fora, bela fachada,

Por dentro, uma obra que não termina,

Difícil reforma...

Que depois de pronta,

Revela ruínas.

 

Tem um code dress:

Por fora, glamour, paletó,

Vestido, perfume e strass...

Por dentro, nu...

Amargura, solidão e estresse.

 

Por fora, nada mal...

Por dentro Bornout,

Por fora, pessoa genial

Por dentro, uma árvore

De produzir o fruto do caos.

 

Por fora, a favor da paz

Por dentro, querendo paz

Por fora, olhar sereno,

Por dentro, vulcão!

Por fora, feliz e pleno

Por dentro, não:

Lava e lágrima em estado de erupção.

 

Sempre a mesma rotina:

Por fora, a felicidade que não cessa,

Por dentro, o sofrimento que não termina.

 

Tem um code dress.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Poema: "Miserável enigma", de Erivelto Reis

 

Miserável Enigma

Erivelto Reis

 

É miserável enigma

Ansiedade

Ver por detrás do tempo

Antecipar o que ficará

Gravado na memória

O que vai virar saudade...

 

É um medo repentino

De que a felicidade seja um trem

Que passe só uma vez na vida

E que seja passageira,

Um presente sem futuro...

A felicidade é um trem

Atravessando um túnel

 

É destino de alguns

Perder o rumo, ser infeliz,

Perder os pais,

Ficar sem par...

Não se encontrar...

E nunca,

quase nunca

Ou nunca mais

Viver em paz...

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Poema: "Mormaço", de Erivelto Reis

 Mormaço

Erivelto Reis

 

Não é a chuva

Mas fica pingando

Sangue

Depois forma uma poça

(Que a muita lama se mistura)

Depois um Rio...

Não é a chuva

Mas fica pingando

Sangue

Daí forma um poço sem fundo

Um oceano de amargura

É sangue jorrando

Longe das casas projetadas

Irrigando projetos e carreiras políticas

Inundando cofres de empresas parceiras

Ondeando paraísos fiscais

Lavando dinheiro

E mentindo que se lavam honras!

Mas é sangue alheio

Jorrando longe

Dos condomínios fechados

Dos carros blindados

Dos amigos influentes

É um mar de sangue

Instagramável

Fluindo de discursos odiosos

São forças de proteção

Colocadas à beira do abismo

Pais e mães de família

Ambiguamente transformados

Em alvos e algozes...

Depois o choro e o lamento

Traumas e dramas e dores atrozes

Depois o escandaloso

Silêncio de uma vastidão

De consciências e de vozes...

Não é chuva

É mormaço e ódio

Por enquanto.

Depois, é muito sangue jorrando...

domingo, 26 de outubro de 2025

Poema: "Enlutados", de Erivelto Reis

 Enlutados

Erivelto Reis
O sistema é todo feito para nos adoecer
Cooptam nossos colegas,
Que sucumbem ante a possibilidade
De se retirar do insalubre
E desgastante espaço da arena
Que se tornou a sala de aula.
Daí, lutamos contra a demagogia,
Lutamos as guerras que nossos
Melhores alunos e alunas travam...
Lutamos contra a cooptação
De seus corações e mentes
Impulsionada pela proposital
Desvalorização da disciplina para o estudo
Em favor da mediana conformação.
Lutamos contra as telas, contra as corporações
Que, em conluio com a administração da educação,
Metem o pé na porta
E nos veem e nos vendem
Como improdutivos colaboradores
Que sua bondosa condescendência* (acento irônico)
Poderá aproveitar de alguma forma...
Na escola que é do povo, na escola que deveria ser nossa.
Lutamos contra o assédio moral,
A superlotação, a falta de recursos,
A mediocridade da gestão local
Acomodada ou emulada...
Lutamos contra aqueles
Que transferem responsabilidades suas
Para os profissionais da escola...
Lutamos ainda mais porque sabemos
Que em algum lugar
Poderá haver gestores vibrantes,
Parceiros e preparados
Para fazer a diferença
E colegas a fim de topar o desafio...
Lutamos mais ainda por
Nos sentirmos sozinhos,
Feridos todo dia um pouquinho.
Lutamos contra as violências simbólicas,
As ameaças no mundo fora da escola...
Lutamos pra fechar o mês,
Equilibrando os pratos e dividindo o nosso tempo
Entre todas as escolas e turmas possíveis.
Adoecemos de medo dos alunos não-estudantes
Que tentam nos intimidar a todo momento...
Adoecemos de saudade dos que amamos
De não ter tempo pra pensar neles
De não ter tempo pra pensar em nós...
Lutamos contra a avalanche de burocracia,
Contra a puxada de tapete sórdida e inescrupulosa...
Lutamos contra a judicialização, demonização
De qualquer ação pedagógica
E contra a glorificação do óbvio
E a didática da preguiça.
Lutamos tanto, que até quando estamos felizes
Estamos preocupados
E quando estamos tristes
Damos o nome de domingo à noite.
Ou de semana inteira...
Lutamos e vamos nos calando
É ao nosso velório que assistimos
Diante das lutas que travamos.
Lutamos contra a ingratidão,
Lutamos contra a falta de ética,
Lutamos de coração partido
Quando reconhecemos
Resquícios de um amigo
Na imagem do novo opressor...
Quando percebemos
A hipocrisia gritante de cobrar de nós
O que nunca fez
Ou não seria capaz de fazer,
Ainda que apoiado como não somos,
Munido de uma cadeira, um cargo
E um livro de ponto...
Lutamos contra os analógicos
Que mal organizam murais...
Ou mal formulam frases!
Ou que vomitam frases-feitas,
Oriundas de almanaques ou de tik-toks
E exigem de nós aulas mais atrativas.
Daquelas que nem com toda condescendência
Seriam capazes de produzir.
Lutamos contra pessoas que pararam de estudar
No dia exato em que passaram num concurso...
Lutamos contra os que se encastelam
Nas salas da direção
E de lá pensam que a escola
Faz parte de seus domínios
E por ela andam fantasiados de patrão.
Lutamos contra os compadrios,
Lutamos contra o isolamento
A que nos relegam se pedimos
Que reflitam, que repensem,
Que revertam decisões arbitrárias
E antidemocráticas e antipedagógicas...
Lutamos contra seres e forças que de fora da escola
Movem os fios invisíveis da performance
De seus títeres.
Lutamos o tempo todo.
Lutamos contra a maldade
Dos colegas que nos veem lutando
E secreta ou abertamente
Dizem: “lá vai o doido!”
Lutamos contra o jogo duro,
Lutamos contra o corpo mole,
Lutamos contra a falta de acolhimento,
Lutamos contra os que tornam
O nosso ambiente de trabalho
Tóxico e nocivo
E ainda têm coragem de cobrar a nossa empatia...
Lutamos porque não existe milagre!
Mesmo que os institutos e editoras
E empresas privadas prometam realizá-lo
E ganhem para isso rios do nosso dinheiro...
Nossa luta é pacífica,
Mas não é menos luta
Ou menos dramática por causa disso...
De tanto lutar, estamos exaustos,
Exauridos, enlutados...
Tão feridos, empobrecidos
E cansados, que dentre as coisas
Que queremos e não nos dão
E que não temos
Está mesmo um “muito obrigado”.
Percebem o tamanho do abismo?
Percebem agora
O tamanho do estrago?

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Poema: "Dos cemitérios verticais", de Erivelto Reis

 Dos cemitérios verticais

Erivelto Reis
Quando você passar na rua,
(Em qualquer rua)
É melhor reparar direito!
Não há mais uma escola pública...
Há um prédio público
Com uma gestão privada no meio.
Desde a merenda, à sala de leitura,
Passando pelos equipamentos,
Pelos livros didáticos, até a hora do recreio...
O que se come, o que se veste
Como são tratados
Os funcionários públicos
Ali lotados, sobreviventes...
Os terceirizados aterrorizados
Com os descontos no contracheque
Com a ausência de garantias trabalhistas
E o volume de trabalho crescente.
Os estatutários, desconfiados,
Tentando entender a repentina
Mudança de humor e de postura ética
Dos ex-colegas que viraram títeres-gestores
Mas que agem e se comportam
Com a desfaçatez autoritária dos donos e dos chefes.
Na escola pública, por enquanto,
Apenas o prédio, conteiner, depósito
É público de fato.
Já vimos esse filme com o petróleo,
com a energia, com as estradas,
com os aeroportos... até com a água...
Depois, em muito pouco tempo,
Não nos pertencerão nem os prédios,
Não sobrarão nem servidores públicos,
Nem isso mais ao menos...
Quem passar na rua
E olhar pra escola, pro colégio público
Vai estar vendo só o prédio
Verá um biscoito sem recheio,
Um automóvel sem estepe,
Um cemitério de soberanias,
Um esquife de cimento e esquecimento...
Um prédio público
Com a escola pública sendo privatizada,
Desmantelada...
Com sua função social e democrática
Sendo sepultada por dentro...

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Poema: "A dura lição do saeb", de Erivelto Reis

A dura lição do saeb

Erivelto Reis


Não é na Sorbonne

Suborne pro saeb

Saber o que todo mundo

Já sabe

Suborne pra o saeb esconder

O que todo mundo já sabe

Ofereça passeios, viagens,

Lanches - livros não servem!

Uma avalanche de propinas,

Gincanas para maquiar a nota

Se for pouco ou nenhum o aprendizado,

“Quem é que liga, quem se importa?”

Pra livrar a cara de quem não sabe,

Pra livrar a cara de quem não ensina,

Pra esconder que o aluno não frequenta,

Pra esconder que o aluno não respeita,

Pra esconder que o aluno não liga...

Enquanto quem denuncia esse horror

Só se prejudica...

Pra esconder que o governo, o diretor ou a família se ausentam

Se isentam, se inocentam, sobrecarregam

E culpabilizam quem trabalha na sala de aula

Superestimam quem veste a camisa

Não a da escola, mas a de sua confraria

Me diga o que você faria...

Quando quem em lugar de dirigir

Ignora a importância, a trajetória, a formação e assedia?!

E quem poderia te ajudar, se cala...

Por um lugar melhora na escala

Pra não sofrer na pele o que fazem contra você...

O governo sabe que nesse modelo não se consegue

Educar de verdade, educar pra autonomia

E não para a exclusão e servidão

O saeb sabe

Todo mundo sabe como termina:

Aprovação total numa canetada

Ou uma avalanche de assédio moral

Sob pretexto demagógico, inócuo e burocracional.

O aluno te olhando atravessado

E os colegas dizendo que você

É estranho, esquisito, excêntrico,

Esnobe e amargurado.

Há tantos discursos pra justificar...

A simulação do educar.

Não precisa questionário nem consulta

Basta ver um monte de gente adoecendo,

Desistindo da profissão,

Sofrendo sem pedir ajuda ou

Pedindo apoio e sendo ridicularizado e hostilizado...

“Não trabalhe para não sofrer

E se sofrer, faça o favor

De se acabar calado!”

A escola já sabe,

A vida não ensina!

Não é na Sorbonne...