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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sexta-feira, 28 de março de 2025

Poema: "Crocodilo", de Erivelto Reis

Crocodilo

Erivelto Reis

 

Porque professor,

Porque proletário,

Porque contratado,

Porque temporário,

Intimidado,

Desvalorizado,

Precarizado...

Porque inconformado,

Porque explorado,

Porque assalariado,

Assediado,

Silenciado...

É que, quando eu posso,

Eu ponho os pingos nos is!

Eu boto o dedo na ferida,

Eu chuto o balde,

Eu soletro os nomes,

Eu parto pro debate,

Eu furo a panela da intriga.

Porque sei onde o problema habita,

Porque sei do oco da marmita,

Porque sei do rombo do consignado,

Porque sei da extorsão do banco,

É que não caio na lábia do sacerdócio.

É que não vou na onda do mártir,

É que não vou bancar o santo.

Porque sei o quanto odeiam meu descanso,

É que não vou baixar a crista

Quando alguém vier cantar de galo,

Quando um raso louvar o atraso,

O proselitismo, o niilismo,

E achar que é prosaico pisar no meu calo.

Porque professor eu sei que não sei de tudo,

Mas sei reconhecer o que é precário,

O que é precarizar com rubricas e semântica,

Porque sinto na pele o peso dessa arrogância.

Percebo o que é covardia, o que é absurdo.

Sei que adoram precedentes,

Realocação de verbas e ausência de licitações,

Crachás e broches hierarquizantes,

Enquanto flanam longe do chão da escola,

Ciosos de seus cargos e de suas comissões.

E enxergo a falha épica em seus discursos,

As suas lábias e as de seus pupilos,

Enquanto esperam que eu cale...

Enquanto esperam que eu seque

As suas lágrimas de crocodilo.

Eis o ápice de seu cinismo.

 

 

 

 

 


segunda-feira, 3 de março de 2025

Crônica: "Uma indústria sexista e etarista", crônica de Erivelto Reis

Uma indústria sexista e etarista

Erivelto Reis

    A Academia norte-americana de cinema que já vem demonstrando grande desconexão com o reconhecimento do público que prestigia os chamados blockbusters aos quais ela, historicamente, não premia e nem parece valorizar real e, principalmente, a partir dos anos 2000. Com a categoria Terror/horror tem uma ruptura inexplicável e incompreensível. E ontem deu mais um grande sinal de como está atrasada e antiquada ao expor para o mundo que o etarismo é uma estratégia política de sua sobrevivência como indústria, em uma tentativa patética absolutamente desprezível de produzir ativos econômicos visando às produções futuras, à continuidade do mercado.

    O QUE MANTÉM O MERCADO É O TALENTO. PONTO. Além disso, o sexismo Hollywoodiano - HOLLYWIDIOTA - é vergonhoso. E falta ainda mais ME TOO para evitar que certas figuras asquerosas continuem decidindo os caminhos da indústria e a premiação de ativos econômicos potenciais para os investidores e figurões dos estúdios, em detrimento de talentos reais e de suas atuações brilhantes a cada novo filme. A credibilidade da premiação e seu significado simbólico, historicamente construídos, ficam comprometidos. E um prêmio indevido injusto nessas condições é um ato preconceituoso e hostil. Artistas, profissionais da indústria e o grande público se sentem desvalorizados e manipulados quando isso ocorre. A isso somam-se a histórica xenofobia norte-americana, o fato de que há cupins gigantescos devorando as bases de sua democracia em pleno século XXI e a maneira cruel como o mercado audiovisual norte-americano tem se preparado para expropriar os artistas de seus talentos individuais, de sua voz e imagem intransferíveis e replicá-los à exaustão - às custas de contratos leoninos -, em obras pretensamente ficcionais e/ou de uso político, através de recursos de inteligência artificial.

    Assim, entendo que Demi Moore e Fernanda Torres foram roubadas para que Madson gerasse expectativa na indústria pelos próximos 10 anos e filmes mega populares como Wicked (ou Barbie, em premiações anteriores) não têm reconhecimento da própria indústria à altura do trabalho que realizam em favor do mercado, da formação de público. Pior que tudo isso é ver que grandes filmes, grandes atuações, grandes artistas em todos os segmentos nunca vão alcançar a chancela do reconhecimento que merecem porque a academia de cinema norte-americana conta ainda com votantes sexistas, fetichistas, etaristas e gananciosos a serviço do lucro e de vinganças políticas e particulares.

    Ou a indústria renova seus critérios, instaura um sistema permanente de compliance e reconhece como tem errado ao longo de sua história em muitas ocasiões ou continuaremos testemunhando injustiças, violências políticas indesculpáveis, preconceitos dos mais diversos e produções que misturam propaganda e memes inorgânicos.

domingo, 2 de março de 2025

Crônica: "Ainda Estou Aqui, Fernanda Torres e alguns Detalhes", de Erivelto Reis

 Ainda Estou Aqui, Fernanda Torres e alguns Detalhes
Erivelto Reis

    Fernanda Torres fez um trabalho poucas vezes visto na história do cinema mundial. Um método de atuação pela contenção absoluta. Um trabalho próximo - e entendo, superior- ao de Jodie Foster em Nell ou Juliane Moore em Ensaio sobre a cegueira. Torcendo muito. Mas a história já está sendo feita.
    Há outras muitas camadas de qualidade superior no filme Ainda Estou Aqui. A memória de Rubens Paiva, a luta de Eunice Paiva e seu legado pela democracia. A oportunidade de avisar claramente a todas as pessoas que os perversos detratores de nossa democracia mantêm uma sede de crueldade e de poder represada desde 1988. E muitos dos torturadores e seus hediondos admiradores ainda estão impunes e entre nós, seja pela herança do horror e da dor que nos impuseram, seja por seus asseclas, que tanto anseiam por emular aquele tempo de medo, supressão da arte, da liberdade, da democracia e dos direitos individuais e esperam promover a tortura e a ditadura em pleno século XXI em nosso país.
    Evidentemente, o texto potente de Marcelo Rubens Paiva, que transcende a questão das categorias de gênero, especialmente considerando-se autobiografia e autoficção é uma mola propulsora da narrativa.
    Destaco ainda o uso da trilha sonora como personagem - como bem percebeu minha querida amiga Simone Batista, a atuação de Selton Mello e o roteiro urdido como palimpsesto do texto do qual se origina e de nossa própria história. Fernanda Torres será para sempre a imagem de Eunice e desse cinema potente e vertiginoso produzido em nosso país. Um patrimônio de nossa arte, um exemplo das nossas maiores conquistas em todos os segmentos, um marco do talento de nossa gente.
    É preciso comentar que interpretação fantástica de Erasmo Carlos para uma composição com Roberto Carlos, lá dos idos dos anos 60/70 é uma chave poderosa de acesso à atmosfera daquela época. Erasmo Carlos é um dos nossos maiores compositores e É preciso ter cuidado,meu amigo dá prova disso mais uma vez. No entanto, o que sistematicamente se tem apagado desde o estouro da obra cinematográfica Ainda estou aqui é a possibilidade de se reler no acervo da dupla Roberto e Erasmo uma intencionalidade e ações artísticas e políticas de crítica e denúncia social, no âmbito da composição e da interpretação de Roberto Carlos, especialmente nos discos de 1969 e de 1971, mas não somente nesses discos.
    Não vou entrar no mérito aqui nesse espaço. Mas convido a quem me lê a ouvir os discos. No caso de Erasmo, o Tremendão, que sempre manteve a relação com o Rock e, consequentemente, com uma postura de contestação social. Essa rebeldia e esse posicionamento eram mais aparentes e visíveis. No entanto, seja pelo gênero romântico assumido por Roberto Carlos desde o álbum O inimitável de 1968, seja por leitura descontextualizada de uma foto com uma "condecoração" forçada - para uso e sequestro da imagem do artista pelo governo militar e pela existência de um memorando militar sobre autorização para um evento com uma menção particular ao gosto pelo artista, e mais nenhuma prova real, criou-se uma fantasiosa justificativa, (uma lenda urbana) para desdenhar, acusar e depreciar a obra de Roberto e se questionar, sem analisar ou conhecer a fundo o alcance de suas obras, o seu posicionamento ou a sua maneira de lutar contra aquele sistema. A isso juntemos alguns egos feridos pelas recusas do artista...
    Caetano, Chico, Gal, Nara, Elis, Tom Jobim, Gil e até mesmo Vandré reconheceram o trabalho, o "posicionamento" e a importância de Roberto. E a quantos e quantas ele ajudou em segredo durante aquele período terrível. Felizmente, sempre é tempo de rever posicionamentos e que bom que a arte nos ajuda, que Ainda estou aqui vem recolocar muitas coisas nas prateleiras certas. Ou pelo menos em prateleiras diferentes.
    O post é pra falar do filme, pra exaltar o cinema brasileiro, pra falar de nossa história e de nossa cultura, pra declarar minha admiração e gratidão pelo trabalho de Fernanda Torres, que independentemente do que venha a ocorrer no Oscar hoje já nos encheu de orgulho e esperança. Ainda estou aqui confirma que há muitos detalhes não tão pequenos que são coisas muito grandes pra esquecer.

Poema: "Qualquer Pessoa", de Erivelto Reis

 Qualquer Pessoa

Erivelto Reis
Fizeram em minha alma
Uma loja de tédios
Permanentemente em promoção.
Passantes testam os produtos
São frágeis e se quebram
Em estrondo e depressão.
Que lugar mais longe
Para inaugurar-se uma loja de tédios
Longe e on-line
Quando estou sem conexão.
Há tédios exclusivos
Que somente os riscos podem pagar...
Há tédios populares
Vendidos aos lotes,
Principalmente nas feiras de domingo à tarde.
Uma loja de tédio é uma franquia
E eu sofria sozinho, preocupado,
E nem sabia que ninguém falava disso,
Porque todo mundo tinha.
Fizeram uma loja de tédios em minha alma
E o aluguel do ponto é pago à prestação.
No carnaval não fecha o ponto...
E no Natal também não.
Não há preço que pague pelos tédios
Que não vendo, vejo
Que sem ouvir, tanto ouço
Que tateiam em minha pele
E que eu sinto tanto enquanto choro...
Uma loja de tédio:
Um pouco picadeiro, um pouco clausura,
Um pouco ribalta.
Tem tédio para tudo quanto é desgosto
E quanto mais cura, menos remédio, mais procura,
Mais tédio!
Daqueles que dão em estátua...

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Poema: "Sulfite", de Erivelto Reis

 

Sulfite

Erivelto Reis

 

Uma educação

Para parecer Instagramável

Que não se mostre instável

Com resultados replicáveis

Em escala exponencial

Uma educação de elite só na tela

Cinematográfica

Que dê a impressão de que a dificuldade

Seja improvável

E de que seu fracasso seja só um caso isolado

Uma educação viral

Um produto sem contraindicação

Que custe bem caro

Mas que não demande investimento

No salário de quem faz o trabalho

E que fique bem na campanha

Da internet e da televisão

Que venda como água em um dia de verão

Uma educação que negue

Que a novidade só no papel existe

Uma educação que pareça ser de grife.

Que não cause melindre

Que saia no post, no tuíte e no jornal

Que negue ou que confirme

Conforme o print, sulfite

O quanto possa ser

Uma educação tiktoker,

Só de enfeite,

Super fake, superfície

Super prejudicial.

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Crônica: "Maria Teresa Horta, a insubmissa", de Erivelto Reis

    Maria Teresa Horta, a insubmissa

    Erivelto Reis

    Maria Teresa Horta (Poeta portuguesa) deixa como legado a insubmissão, o seu talento inigualável para a poesia, os afetos e a luta contra a opressão e em favor da Liberdade.

    Tinha um hábito peculiar nas redes sociais: de conversar por mensagem particular com pesquisadores e também com fãs e leitores anônimos como eu; de mostrar poemas, mostrar poemas repetidos com pequenas variações, falar do seu dia, contar pequenas histórias e perguntar o que achavam... até se tornar uma amiga improvável. A longevidade, a qualidade e contundência do que Maria escreveu ergueu-a como se do coração de Portugal, erigissem um monumento em honra das Marias com as quais escreveu as Novas Cartas Portuguesas, da idealização amorosa de Alcoforado, dos amores mais dramáticos como o de Inês de Castro, das mulheres portuguesas que sofreram com o silenciamento do patriarcado, do regime ditatorial salazarista. Os versos, líricos, provocativos, diretos, por vezes labirínticos e autorreflexivos que escreveu, sua postura altiva, mesmo diante dos interrogadores, vis e demoníacos, ou dos puritanos, vis e demoníacos, elevou-a como um farol em tempos terríveis que Portugal enfrentou e a indicar um caminho para as que viriam depois.
    Maria Teresa foi uma mulher com um espírito libertário e com uma poesia libertadora. Dona de um humor particular - algo ácido e algo infantil - a depender do interlocutor, deu à sua poesia o dom de manter-se pulsante e atual como uma fruta suculenta que acabássemos de colher.
Muitos amigos de minha bolha virtual fizeram trabalhos de pesquisa magníficos, foram seduzidos tanto pelos versos como pela coragem e altivez de Maria.
    Uma ocasião, ao propor uma exposição de banneres com uma breve pesquisa sobre o trabalho de autores e autoras portugueses/as no segundo período de uma turma de graduação, uma das minhas alunas do grupo que trabalhou com a poemas de Maria Teresa Horta me disse: "ela escreve extamente do jeito que a gente sente, só que mais bonito, professor. E, às vezes, mais doído..."
    Foi admirada e respeitada por escritores e escritoras, seus/suas contemporâneos e pelas novas gerações que a sucederam. Seu estilo, sua concisão, a dinâmica da subversão das expectativas que podia ocorrer mesmo dentro de um único verso, eram algumas de suas marcas autorais. Maria Teresa era capaz de operar sua percepção tácita da escrita e do fenômeno poético e de produzir poemas que aguçam e conversam com a razão e a emoção de seus leitores e que estimulam pesquisadores e pesquisadoras em diversas universidades ao redor do planeta.
    A querida e talentosa escritora Patricia Reis escreveu um trabalho lapidar sobre Maria Teresa Horta, uma biografia intitulada "A desobediente". Um potente documento que nos aproxima um pouco mais da trajetória e do pensamento de Maria Teresa Horta, a mulher que foi capaz de olhar a vida dentro dos olhos e dizer: "eu aceito a viagem, mas não com essas regras!" Sua obra contará a todos e todas sobre o brilho intenso dos todos os seus dias.
    Que descanse em paz. Numa das poses clássicas de Maria Teresa Horta, repetida algumas vezes, a mão espalmada sustenta a cabeça e o olhar vislumbra corajosa e provocativamente o horizonte. Façamos assim, então. Conquanto hoje seja também um dia para deixar escorrer livremente as lágrimas de Portugal pela passagem de uma de suas filhas mais ilustres, mais brilhantes, mais insubmissas.
Voamos
Maria Teresa Horta
Voamos a lua,
menstruadas
Os homens gritam:
- são as bruxas
As mulheres pensam:
- são os anjos
As crianças dizem:
- são as fadas
Maria Teresa Horta, in 'Os Anjos'

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Poema: "Reggae do Bloc", Erivelto Reis

 

Reggae do Bloc

Erivelto Reis

 

Vê, outra vez

Você azeda tudo com a sua estupidez!

Vê, você não se ajuda

Repete o mesmo erro, não assume a tua culpa.

 

Eu não vou discutir,

Eu não vou debater

Eu vou te dar um bloc

Pra você compreender.

 

Eu não vou me estressar

Eu não vou insistir

Você vai falar sozinho

Vou ficar longe de ti.

 

Tá, entendi,

Eu sou exagerado

Você não falou assim.

 

Tá, eu saquei

Você não disse nada

Fui eu que imaginei...

 

Eu não vou discutir,

Eu não vou debater

Eu vou te dar um bloc

Pra você compreender.

 

Eu não vou me estressar

Eu não vou insistir

Você vai falar sozinho

Vou ficar longe de ti.