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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sábado, 24 de março de 2012

Crônica - Doente: ou da Lucidez Perene - Erivelto Reis

DOENTE: OU DA LUCIDEZ PERENE

Erivelto Reis


Às vezes, parece que o mundo está doente. Parece que todo mundo está doente. Parece que doente é quem não sente. Parece que a gente é que é doente. É muito problema, é muito sintoma. É muita gente ignorando o drama. É falta de atendimento, de entendimento. Figuração fajuta, fingimento. É Elixir de Preguiça contra o envelhecimento; são pílulas, drágeas e emplastros de Problema é Seu, consumidos sem consulta médica, social, ética e estética. Sem falar das prescrições do SUS; ai, Jesus!

Sem Uma Solução que preste, já há quem vá dissimulando as caras, as expressões e as dores. Quem use a bula dos discursos, com falsas palavras, falsos abraços de urso. É muito abuso! Há quem vá cuspindo e simulando amores. Quem vá forjando atestado, praticando pequenos atentados, suturas de injúrias, pisando nos calos caluniados. Deixando o sistema cada vez mais nervoso. Como seria bom se o xarope sempre fosse gostoso. Mas não é. Nem é bom pra tosse. E quanto mais amargo, tanto maior a dose. Essas doenças eu não tenho, mas, de vez em quando, eu sofro por causa delas, em doses alopáticas, em frascos feios ou belos, que são pagos em pequenas parcelas.

Tenho sim, igual a tantos, sintomas de Lucidez Perene. E ela me faz enxergar as coisas como são. Quem sabe, apenas altere a minha percepção. A doença é de fácil cura. Se tratada com acupuntura, exposição permanente a ícones da cultura, formas e expressões de arte – daqui e de qualquer parte –, cachaça pura, paixão e amor intensos; Emoção e energias positivas, lágrimas de alegria que empapam umedecidos lenços. Filhos brincando, amigos queridos, filmes românticos, música boa, daquelas de se ouvir à toa, bem alto, mesmo que o vizinho se doa. A combinação e a quantidade de medicamentos podem variar. Não é difícil de tratar, mas pode contagiar. Assim como a doença que faz o escritor utilizar longas sequências de palavras, vazias ou não, mas terminadas em “ar”.

Basta uma leitura, uma metáfora da observação do mundo, atenta ou displicente, em qualquer jornal. Da seção de política à de economia, passando pela coluna social, e já é mais que suficiente para o sujeito em questão começar a passar mal. A Lucidez Perene faz alterar o tom e/ou o volume da voz. Faz o indivíduo assumir a postura de paladino, com a força de reclamar por dois, por muitos, por nós. A vista também se altera: as entrelinhas e os bastidores dos fatos ficam todos à mostra e o sujeito enxerga mil coisas, das quais nem sempre gosta.

Lucidez Perene não tem nada a ver com a idade. Jovens podem contrair; velhos podem propagar. Não é só coisa de homem; não é só coisa para a mulher. Lucidez Perene não é pra quem quer. Nem pra quem pode. É para os sedentários, para os que exercem qualquer profissão, excetuando-se alguns (muitos?) políticos, pseudoartistas e algumas personalidades do esporte. É uma questão de azar ou de sorte. É um caso de vida e morte. Lucidez Perene não se espalha pelo ar, não se espalha como quem passasse um creme. Não se saboreia como se mascasse um chiclete. Quanto mais se lê, quanto mais se pesquisa, quanto mais se reflete, mais chance se tem de pegar.

Os lúcidos crônicos têm, como sintoma específico, a motivação, aparentemente ilimitada, de se indignar, reivindicar e de protestar. E, em casos gravíssimos, adquirem a capacidade de se articular para modificar a dura, a impura, a inadequada realidade. A Lucidez Perene pode evoluir galopante para a metástase da verdade.

Quem tem Lucidez Perene não é um caso perdido, de fato. Os colegas e parentes “pagam o pato”; a família e os amigos, vez ou outra, o confundem com um chato. O patrão pode confundi-lo com um ingrato. Mas os que sofrem a mesma sina o veem como um revolucionário. Essa doença tem cura, é crônica, aguda e pode ser sazonal. Encontrar um lúcido perene é bastante comum e pode ser, paradoxalmente, difícil de achar, tal qual agulha num palheiro. Ele é aquele camarada, quem tendo muito de tudo ou mesmo não tendo nada, parece pensar e trabalhar o dia inteiro para pagar pelas coisas que não se compram com dinheiro.

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