CEMITÉRIO DE EQUIMOSES
Erivelto Reis
A vida é um cemitério de equimoses. Mas pode ser um jardim de virtudes. Quem, ao longo da existência, não colecionou marcas? O tempo deixa manchas, nódoas. O tempo poda. Cobra o preço. O tempo sempre sabe o seu endereço.
A vida é a soma das dores experimentadas; das conquistas celebradas. São mãos entrelaçadas num namoro de almas. Quanto de alguém há no aceno da partida? Quem fica do outro lado da vida, fica feliz? Quem é que diz? Como se cura a dor da alma sem deixar uma cicatriz?
Não me lembro de quando, exatamente, passei a sofrer em novembro. Que vento, que perda marcou minha pele. Mas todo ano espero a equimose da epiderme da anima. O solstício fúnebre, o franzir da testa e o latejar da têmpora da enxaqueca da saudade, seca... O equinócio da ausência no suspiro suspenso em presença do etéreo. No campo santo do cemitério, no sagrado pulsar da aorta, às vezes os vivos estão mais sepultados que a lembrança obsessiva dos entes que os faz desterrados.
Que neve gelou meu corpo? Que frio estancou meu sorriso? Que aceno ficou sem resposta? Dizem que a gente sofre porque gosta, pelo remorso de ser a viga que sustenta o próprio destroço. A cacimba que não acha o fundo do poço. A porta que guarda e esconde as emoções num calabouço, na esperança de que a dor estanque, perseverando para que o amor nos siga.
Que cinza, que tato há sobre a pele do espectro do que, em nós, é memória? O fim da vida parece destoar do começo da História. Não é uma coisa boa. Magoa. É uma mancha assimétrica e instantânea que marca o corpo, o espírito e a mente da pessoa. Maltrata, e consome. Com o tempo, se abranda. Mas não some.
É a foto desfocada do desato, da tragédia. Não se limita a marcar e a doer, se grava na retina do olhar para o que não se vê. A vida é um cemitério de equimoses. Mas pode ser um jardim de virtudes. Só depende de não sepultarmos a fé, a ética, a esperança, o amor e as nossas melhores atitudes.
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