Adega
Erivelto Reis
É preciso tirar o sal da vida,
do rosto, retemperar o amor.
É preciso fomentar, dessacralizar a poesia
para que reste um texto e não só um rótulo,
uma botija de um litro, um tonel de nada,
um cálice do mais cálido licor...
Envasá-la, armazenar seu aroma
no fundo da alma em constante dissabor.
Pode ser embalada em tecido fino ou
no trapo desatino roto do cotidiano
do susto e do perigo de estar vivo.
E que pese sobre ela – a poesia –,
o único despretensioso plano de um momento
em que se possa chegar ao final e no qual se diga
─ Valeu a pena esse dia!
A quem caberá tal tarefa, tão litígio?
Ao leitor, presumo:
pássaro livre de pluma e chumbo...
De tudo quanto for possível:
o suspiro, o arrepio, o testemunho,
a confissão, o extravio de si
por qualquer um em quem a poesia toque.
A incerteza de cada palavra
como o suave gole de um bom Porto,
uma amizade, um amor, um pouco de conforto,
um cabernet sauvignon, um malbec, um merlot...
palavras, como vinho tinto,
fermentando em nossa adega, ficando mais velhas
à medida em que melhoram e talvez nos ajudem
a escapar das paredes de nosso próprio labirinto.
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