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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Crônica: "Mercado, o monstro", Erivelto Reis

 Mercado, o monstro

Erivelto Reis

O mercado não se magoou ante a escalada de mortes da COVID, às falas medonhas do ignóbil genocida que presidia o país durante a pandemia, ao golpe econômico-jurídico-legislativo de 2016, às vergonhosas privatizações dos diversos e lucrativos patrimônios públicos brasileiros, ao execrável e excludente novo Ensino médio, às emendas parlamentares de bilhões e ao sequestro constante da capacidade de gerenciamento e implantação das propostas e projetos vitais para o desenvolvimento do país pela extrema direita e partidos hipócrita e demagogicamente alinhados com pautas pretensamente conservadoras, que ocorre descaradamente nas dependências da câmera federal, do senado e nas inúmeras comissões legislativas. O mercado não se abala com a marcha crescente da violência nas grandes capitais, com as pessoas pobres sendo executadas nas comunidades, com o neopreconceitantismo, com o fetiche de enriquecimento das corporações que tramam dia e noite a queda do funcionalismo público, com a exploração vergonhosa da capacidade e dos talentos dos trabalhadores e trabalhadoras, com a espetacularização da estupidez e da ignorância e com a desvalorização da arte e da educação que será oferecida ou acessível à população... O mercado,essa entidade abstrata, esse monstro ávido por censura, privilégios e por esquemas legais/imorais de sonegação e transferência de prejuízo para as contas do erário público, que especula e trama golpes, mini-golpes e formas de subverter a democracia e o potencial de crescimento do país aos seus interesses. O mercado é essa horrenda criatura que promove a desigualdade, estimula as mais diferentes formas de corrupção e aliciamento e se dá por satisfeito e que não se constrange quando consegue produzir a concentração de renda nas mãos dos poucos que o controlam e por arrancar das mãos dos trabalhadores e trabalhadoras os centavos que seja num reajuste salarial, os poucos gramas de arroz e feijão a mais no prato das famílias, o remédio para os doentes e o teto para abrigar seu repouso e sua capacidade de sonhar. O mercado assassina sonhos de soberania. Faz isso explicitamente e todo mundo sabe disso. E poucos e poucas têm e tiveram coragem suficiente para lutar contra isso. O mercado lucra sempre. Mas parece ter um prazer a mais quando seus ganhos produzem o aviltamento e a insegurança da dignidade e das condições dos mais pobres.

Poema: "Soslaio", de Erivelto Reis

 Soslaio

Erivelto Reis
Como a poesia
É um jeito de contar
Histórias de um país imaginário,
É preciso entender
É preciso aceitar
Que, para determinados lugares,
As palavras não chegam
No horário.
Não vem delas o conforto
Que esperamos,
Mas da roupa que vestem,
Quando se disfarçam de poemas.
Um bando delas passou por aqui outro dia
Carregando um sentimento
Que desmaiou de medo
Ante uma notícia triste e preocupante (Vinda do país dos afetos).
Para preservar o amor
É preciso cruzar muitas pontes...
E os mapas, às vezes,
Indicam direções conflitantes.
Mapas não são receitas
E ambos podem estar errados.
Como a poesia é um caminho sem volta,
Como a vida é estar de partida,
Cada palavra é um assombro,
Um susto, uma pista,
Um haver, um havia...
Cada poema é um mundo:
Horizonte, estranho e novo
Que ao nascer nos desafia.
É preciso olhar para esse mundo
De soslaio,
Com olhos de quem desconfia.

Poema: "Epônimos", de Erivelto Reis

 Epônimos

Erivelto Reis
Para Adélia Prado
“Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos” (Adélia Prado)
Ainda que a humanidade
Visse uma mulher inteira
Feita só e toda de poesia,
Talvez nem assim
A reconheceria.
Ainda que toda
Sua trajetória demonstrasse
A poética força, bagagem de seus dias,
Talvez nem assim...
(Entre cecílias, clarices e lygias,
Pallotinis, Evaristos e Hilsts)
E preciso louvar a cada escritora talentosa que persiste.
Florescendo à beira dos caminhos e penhascos,
Alertando ou transformando-os em jardins.
Porque o mal não descansa,
A poesia não desiste.
Ainda que prêmios e promessas
De leitores e falsos leitores
Indexassem de epônimos os seus feitos,
Nem todos os seus poemas,
Nem todos os seus clamores,
Seriam capazes de comover
Os corações dos que só sabem
Proferir blasfêmias e fel
Contra escritores, artistas e professores.
Celebremos o dia de hoje
Em que Adélia, em nome de tantas,
Se agiganta aos olhares menos insensíveis,
Porque o amanhã atropela o sonho
E converte novamente os poetas e as poetas
Em Sísifos, anônimos seres incuráveis,
Por vezes invisíveis,
Irremediáveis, incontornáveis, irreversíveis.