VÍSCERAS
Erivelto Reis
Para Roberto Bozzetti, respeitosamente.
Que os Deuses me livrem de andar pelos escombros de meus
poemas!
Deixe que outros o façam:
Acostumado que fui
Às palavras vivas de poetas mortos,
Deparo-me a toda hora,
Como assombração provocativa,
Com as palavras mortas,
E as quase sem vida
De poetas vivos com os quais convivo.
E mesmo com as minhas
Cadavéricas, anoréxicas, diuréticas e biliímicas
Palavras...
Elas tombam todas,
Acham que compuseram um poema
Figurantes no fundo da cena.
Quanto aos demais autores,
Já nem espero suas palavras
Baixarem no túmulo dos livros,
Para depois assistir ao doloroso processo
De exumação a que a leitura me obriga:
Eis que as palavras surgem esqueléticas, apologéticas...
Acompanhado por um léxico, um crítico,
Um exegeta, um fantasma e um exorcista.
Parece-me que todo texto bem fundado,
Bem escrito e bem usado
Tem certo quê de anarquista, antimetafísicaespiritualista...
(Perdoe-me por esse pensamento tolo!)
Como supor que algo que nasceu,
Que brotou do sentimento, do suor do rosto
E do labor das mãos
Possa nos reencontrar em estado de completa
(de) composição?!
Vejo novamente as pobres palavras
Emergirem de seus túmulos,
De seus poemas-sepultura...
Na lápide fendida ainda pode-se ler:
“Aqui jaz tola palavra que pensou,
Que ousou tentar ser literatura.
Que jamais descanse em paz.”
Que os Deuses me livrem de andar tropeçando
Pelos destroços, pelos remorsos,
Por entre as vísceras de meus poemas e de outros mais!
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