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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Poema/paródia "Jair", de Erivelto Reis - sobre poema "José", de Carlos Drummond de Andrade


Jair
Erivelto Reis

E agora, Jair?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, Jair?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que é perverso,
que odeia e confessa!?
e agora, Jair?

Não valoriza a mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode se esconder,
continua a tramar,
a ruína dos pobres,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
veio a distopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, Jair?

E agora, Jair?
Suas estúpidas palavras,
sua quadrilha de filhos,
seu torpe guru,
sua idioteca,
sua sanha por ouro,
suas fake news,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer entregar o país,
tem gente que não deixa;
tem de se exilar,
nem se incomodou;
quer ir para Minas,
Brumadinho não há mais.
Jair, e agora?

Se você pensasse,
se você entendesse,
se você respeitasse
quem fosse diferente,
se admitisse,
sua canastrice,
se se comovesse...
Mas você não se comove,
você é duro, Jair!

Sozinho no escuro
sua mente é um vácuo,
sem categoria,
não assume a culpa
de não saber governar,
cercado de assessores
que tramam outro golpe,
você marcha, Jair!
Jair, para onde?

José
Carlos Drummond de Andrade (1942)

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

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