Um áudio para Durkheim
Erivelto ReisO morto suicida
Vira um assunto proibido na família.
Um interdito,
um morto que morre
todo dia:
como um lapso, um ato falho,
uma memória interrompida,
Sabotada, abortada...
Quase nunca celebrada.
“Hoje faz xis anos
que fulano acabou com a [nossa] vida.
Uma dor dele – de nós, talvez desconhecida.
O morto suicida
Vai sumindo dos retratos
Disponíveis pela casa,
Mas aparece num jeito de reclamar,
Na fuga dos jantares de cerimônia e mesa posta,
Num traço físico e nos sonhos sem resposta...
No caco da velha xícara, num livro tão velho
como um não-amar...
Numa depressão leve ao levantar da cama,
Num sábado inteiro atravessado de chinelo e de pijama.
Num cacoete do olhar sem esperança,
Num poema que emerge do nada
De onde não devia ter vindo,
No medo da palavra suicídio...
No nome não dado aos descendentes,
Num anel azinhavrado dependurado
Numa velha corrente.
O morto suicida
Morre sempre, muito, todo dia.
E segue matando a gente.
Um choro de raiva, frustração e tristeza,
Um vendaval de um calendário
Que marca um dia que jamais termina.
Um arrependimento inscrito num epitáfio
De mágoas que contra nós depõe:
Um inferno escaldante,
Intransferível,
Intransponível e perpétuo,
Como um sol que nunca mais se põe.
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