O vômito do mercado
Erivelto Reis
O mercado é o carro importado que arranca com a paçoca do ambulante deixada sobre o retrovisor no sinal vermelho. O mercado é o cidadão, pretensamente de bem, que abandona o pet no campus da universidade, cuja política de acolhimento e permanência ele desconhece, despreza e odeia. O mercado é o pai consumidor que agride, ameaça e oprime o professor de seu filho abusivo, consumista e cliente. O mercado pleiteia área vip no mundo, aparthaid e segregação econômica e social. O mercado odeia os sonhos dos pobres enquanto lhes vende a fantasia de empreendedorismo e meritocracia. O mercado é despojado, altruísta e desinteressado para os de entre seus clãs. Apenas. E olhe lá... O mercado compra empatias através de slogans e novelinhas . O mercado ganha milhões com engajamento de haters, influencers, discursos de ódio, mentiras, alugando legendas político-partidárias, cooptando imbecis, gente violenta e abjeta, manipulando editais, corrompendo pessoas, suas crenças, a imprensa e os dados. O mercado odeia o povo, porque não gosta de obter os centavos oriundos diretamente das mãos dos trabalhadores por um serviço ou produto que lhes ofereça. O mercado só é capaz de produzir desgraça. Daí, prefere que bancos, governos, líderes extremistas e calhordas, veículos de comunicação de massa e grandes multinacionais façam esse "trabalho sujo" de lidar com os pobres, para que não reste qualquer possibilidade de igualdade e direito ao contraditório. O mercado admira como o judiciário brasileiro é caro, inacessível às camadas populares e segmentado em tantas castas que permita tatuar o seu rigor somente em peles e classes específicas e ver o seu semblante somente à distância. O mercado adora pensar que há nas forças militares e paramilitares os seus selvagens cães de guarda e guerra. O mercado se diz fragilizado diante de políticas de apoio e seguridade social e de inclusão econômica, enquanto educa seus agentes, corretores, economistas e analistas das farias limas, fiespes e que tais para sanguessugar, parasitar do erário público e das políticas públicas e sociais de governo tudo que for possível até o limite de manter-se o refém, hospedeiro vivo. O mercado gosta de pensar na gente brasileira como indolente e investe pra que se torne temerosa, endividada, grata por migalhas e conformada com a condição que se lhe imponha. O mercado despreza profundamente o garçom, o porteiro, a vendedora e qualquer pessoa que lhe preste serviço e/ou que pela proximidade circunstancial se atreva a olhar nos olhos de seus representantes. O mercado adestra os que escolhe para a servidão e a prática da crueldade sem remorso. O mercado ganha duplamente quando um familiar tem de explicar a outro repetidas vezes que a tortura, a violência e a corrupção, assim como o desprezo à educação, às ciências, às artes são formas de dominação e alienação das massas e uma forma de manutenção dos privilégios das classes mais abastadas que exploram a mão-de-obra dos trabalhadores. O mercado adora ver a classe média sem espelho e autocrítica e contra os assalariados e servidores públicos. O mercado não tem escrúpulos em usar o próprio idioma e alguns arabescos vocabulares para classificar como inferiores os falantes dos países que domina. O mercado gosta de Mônaco, Berna, Maldivas e Canárias e Caimãs. O mercado não consola as famílias enlutadas, nem condena executores, agressores e corruptores que lhes forneçam alguma vantagem e aos quais, apesar de todas as evidências, vai afirmar não estar ligado. O mercado não se vê num mundo em crise climática a não ser para lucrar com o estrago que ele mesmo financia. O deus do mercado é o dinheiro e o inferno para ele é que os mais pobres e os que os defendam ainda insistam em continuar lutando. O mercado reza um evangelho de ódio, uma ladainha de crimes vomitando... Vomitando.
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