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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Poema: "Escor(r)e", de Erivelto Reis

Escor(r)e

Erivelto Reis

 

Corre um rio de esgoto na porta da escola

Em outras portas de outras escolas

Já correram rios de sangue

Na porta da minha escola

Corre um rio só de esgoto


Se fora da escola corre um rio de esgoto,

Se na esquina da escola

Há um depósito de lixo

Onde são abandonados

Restos de coisas em avançado

Estado de decomposição,

Imagine o odor e a superconcentração

De coliformes dispersos no ar,

Quando o calor seca o rastro úmido

Do esgoto impresso na calçada

Desde a rua até o pátio, a partir do portão.

Corre um rio de esgoto

Na porta da minha escola,

Há moscas varejeiras e cães sem dono

Revirando o lixo ou indo pousar nas refeições

(A não ser em dias de prova,

onde só há a fome dos estudantes e as moscas)

Ainda que em turnos diferentes...

Há esgoto impresso nas calçadas de cimento

Coliformes flutuando e moscas pousando

No quê e em quem puderem,

Espalhando uma contaminação em massa

Que só por milagre ainda não veio.

Em outras escolas há varejeiras e balas perdidas

Na minha escola há só esgoto e moscas.


O dono da casa de onde emerge o esgoto

Não se acha responsável,

A prefeitura do município também não,

A secretaria de educação não se incomoda

E os que nos representam na escola não gostam

De incomodar os que não se incomodam

Com coisas que não sejam

A falta de um professor ao COC

Como forma de protestar contra

O assédio e as práticas desmobilizadoras

Da formação real dos estudantes,

O ataque frontal a autonomia docente

E a má vontade e o amadorismo dos

Indigestores...

Por isso se incomodam!

Corre um rio de esgoto.

Não incomodem os indigestores

Com não haver merenda em dia de prova,

Com um trimestre sem professor de português,

Com professores sem formação e aderência

Em matérias cujas bases ignoram ou desconhecem

Ou porque são disciplinas novas na grade

Ou porque, mesmo das disciplinas tradicionais,

Pouco ou nada sabem

Ou souberam a não ser para passar

Num concurso.

Ou com a necessidade de valorizar e prestigiar

Os bons professores que temos e ainda resistem...

Não incomodem com a reflexão 

A respeito de como a ineficiência 

E as drásticas consequências

De transformar ausência de metodologias,

Falta de acolhimento e assédio

Em problemas relacionais...

Até que professores ou alunos desistam...

Podem ser permanentemente prejudiciais

Até que bons alunos se percam

Da ética, do compromisso, do futuro...

Ausência e um rio de esgoto.

Não incomodem falando a respeito do esgoto

Ou de "projetos" que entendem

Emulação e performance 

como substitutos para 

A construção de habilidades e competências,

Por mais que evasão e provas em branco

E trabalhos não feitos

Ou desrespeito digam que o mal está feito.

Há um rio de esgoto.

Mas vá lá que não seja literalmente um rio.

Apenas um córrego, uma vala...

Mas vá lá que não seja literalmente educação

Mas vá lá que não seja literalmente gestão

Mas vá lá que não seja literalmente aprovação.

Mas vá lá que não seja literalmente aprendizado...

Mas vala...

De um lado, os que podem fazer algo, mas não querem!

Do outro, os que querem fazer algo, mas não podem...

Há um rio de esgoto,

Há um mar de pelegos,

Um mar desacertos,

Um mar de descontroles,

Um mar de desmandos

Que parece não se esgotar...

sábado, 15 de novembro de 2025

Poema: "Sopé", de Erivelto Reis

 Sopé

Erivelto Reis

Estrada é chão que adere
E marca a sua trajetória...

Quem vai tomar conta dos nossos sonhos?
Quem vai sonhar quando todos
Estiverem tendo pesadelos ou dormindo,
Ou se mostrarem apaticamente sonâmbulos?

Quem vai dizer que, se a montanha é alta,

O topo vai mostrar uma vista linda?...
E começar a planejar e executar a escalada,
Em lugar de “vamos acampar no vale
Até que a montanha diminua!”...

Acreditar no sonho,

Por mais que esperem que você não vá,
Não ande, não lute, não fale
É crer por inteiro, de alma nua.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Poema: "Rotina (ou code dress)", de Erivelto Reis

Rotina (ou code dress)

Erivelto Reis

 

Tem um cotidiano secreto

Que ninguém tá vendo!

Tem um cotidiano de fora,

Tem um cotidiano de dentro.

 

Tem uma rotina social

De existir comunitário:

Um plano, um casco,

Um papel identitário.

 

Por dentro, desespero,

Por fora, funcionário.

Por fora, funcionando...

Por dentro devastado!

 

Por fora, calçadão da praia,

Por dentro, o fundo do poço.

Por fora, uma vida inventada,

Por dentro, uma vida vazia.

Por fora, escuta afetiva

Por dentro, nem vem que não te ouço.

 

Há uma portaria de mármore

Fazendo propaganda do prédio

Mas há uma entrada de serviço

Que, ultrapassada,

Gera crise, gera o tédio

Estraga o interesse,

Cessa o apetite...

 

Por fora, bela fachada,

Por dentro, uma obra que não termina,

Difícil reforma...

Que depois de pronta,

Revela ruínas.

 

Tem um code dress:

Por fora, glamour, paletó,

Vestido, perfume e strass...

Por dentro, nu...

Amargura, solidão e estresse.

 

Por fora, nada mal...

Por dentro Bornout,

Por fora, pessoa genial

Por dentro, uma árvore

De produzir o fruto do caos.

 

Por fora, a favor da paz

Por dentro, querendo paz

Por fora, olhar sereno,

Por dentro, vulcão!

Por fora, feliz e pleno

Por dentro, não:

Lava e lágrima em estado de erupção.

 

Sempre a mesma rotina:

Por fora, a felicidade que não cessa,

Por dentro, o sofrimento que não termina.

 

Tem um code dress.

quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Poema: "Miserável enigma", de Erivelto Reis

 

Miserável Enigma

Erivelto Reis

 

É miserável enigma

Ansiedade

Ver por detrás do tempo

Antecipar o que ficará

Gravado na memória

O que vai virar saudade...

 

É um medo repentino

De que a felicidade seja um trem

Que passe só uma vez na vida

E que seja passageira,

Um presente sem futuro...

A felicidade é um trem

Atravessando um túnel

 

É destino de alguns

Perder o rumo, ser infeliz,

Perder os pais,

Ficar sem par...

Não se encontrar...

E nunca,

quase nunca

Ou nunca mais

Viver em paz...