Escor(r)e
Erivelto Reis
Corre um rio de esgoto na porta da escola
Em outras portas de outras escolas
Já correram rios de sangue
Na porta da minha escola
Corre um rio só de esgoto
Se fora da escola corre um rio de esgoto,
Se na esquina da escola
Há um depósito de lixo
Onde são abandonados
Restos de coisas em avançado
Estado de decomposição,
Imagine o odor e a superconcentração
De coliformes dispersos no ar,
Quando o calor seca o rastro úmido
Do esgoto impresso na calçada
Desde a rua até o pátio, a partir do portão.
Corre um rio de esgoto
Na porta da minha escola,
Há moscas varejeiras e cães sem dono
Revirando o lixo ou indo pousar nas refeições
(A não ser em dias de prova,
onde só há a fome dos estudantes e as moscas)
Ainda que em turnos diferentes...
Há esgoto impresso nas calçadas de cimento
Coliformes flutuando e moscas pousando
No quê e em quem puderem,
Espalhando uma contaminação em massa
Que só por milagre ainda não veio.
Em outras escolas há varejeiras e balas perdidas
Na minha escola há só esgoto e moscas.
O dono da casa de onde emerge o esgoto
Não se acha responsável,
A prefeitura do município também não,
A secretaria de educação não se incomoda
E os que nos representam na escola não gostam
De incomodar os que não se incomodam
Com coisas que não sejam
A falta de um professor ao COC
Como forma de protestar contra
O assédio e as práticas desmobilizadoras
Da formação real dos estudantes,
O ataque frontal a autonomia docente
E a má vontade e o amadorismo dos
Indigestores...
Por isso se incomodam!
Corre um rio de esgoto.
Não incomodem os indigestores
Com não haver merenda em dia de prova,
Com um trimestre sem professor de português,
Com professores sem formação e aderência
Em matérias cujas bases ignoram ou desconhecem
Ou porque são disciplinas novas na grade
Ou porque, mesmo das disciplinas tradicionais,
Pouco ou nada sabem
Ou souberam a não ser para passar
Num concurso.
Ou com a necessidade de valorizar e prestigiar
Os bons professores que temos e ainda resistem...
Não incomodem com a reflexão
A respeito de como a ineficiência
E as drásticas consequências
De transformar ausência de metodologias,
Falta de acolhimento e assédio
Em problemas relacionais...
Até que professores ou alunos desistam...
Podem ser permanentemente prejudiciais
Até que bons alunos se percam
Da ética, do compromisso, do futuro...
Ausência e um rio de esgoto.
Não incomodem falando a respeito do esgoto
Ou de "projetos" que entendem
Emulação e performance
como substitutos para
A construção de habilidades e competências,
Por mais que evasão e provas em branco
E trabalhos não feitos
Ou desrespeito digam que o mal está feito.
Há um rio de esgoto.
Mas vá lá que não seja literalmente um rio.
Apenas um córrego, uma vala...
Mas vá lá que não seja literalmente educação
Mas vá lá que não seja literalmente gestão
Mas vá lá que não seja literalmente aprovação.
Mas vá lá que não seja literalmente aprendizado...
Mas vala...
De um lado, os que podem fazer algo, mas não querem!
Do outro, os que querem fazer algo, mas não podem...
Há um rio de esgoto,
Há um mar de pelegos,
Um mar desacertos,
Um mar de descontroles,
Um mar de desmandos
Que parece não se esgotar...

Nenhum comentário:
Postar um comentário