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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Crônica: "Uma carta para meu irmão trabalhador", de Erivelto Reis





UMA CARTA PARA MEU IRMÃO TRABALHADOR
Erivelto Reis

Queria escrever uma carta para o meu irmão trabalhador que nem eu. Não porque eu saiba escrever, ou escreva melhor ou mais bonito, ou porque ele, talvez, não saiba nada sobre o que eu vou dizer a ele, ou nada entenda sobre os perigos de dizer o que ele tem dito e de escrever o que ele tem escrito.
Queria escrever uma carta. Só uma. Para o meu irmão trabalhador que nem eu. Não porque sejamos amigos, ou sejamos colegas ou trabalhemos no mesmo ramo, ou estejamos no mesmo barco, ou porque sejamos torcedores do mesmo time ou sonhemos com as mesmas coisas para o país. Também não seria porque pensemos de forma distinta, ou sonhemos com ideais completa ou parcialmente diferentes. Não porque eu não tenha tanta experiência, não porque ele não tenha o mesmo conhecimento que eu. Não porque ele talvez suponha que não estejamos no mesmo barco.
Queria escrever ao meu irmão, trabalhador que nem eu, uma carta. Uma carta que perdesse de todo a sua intenção de aviso, de conselho de alerta, de pedido, de interseção. Uma carta que perdesse a finalidade de chamar sua atenção e exercesse única, exclusiva e preponderantemente a função de servir como um alento, como uma expressão de afeto, como um abraço.
Ainda que meu irmão trabalhador me confrontasse, ainda que ele me desprezasse, ainda que não me entendesse, que me julgasse, que me excluísse... Ainda que ninguém soubesse. Ou, em sabendo, que não curtisse, não comentasse, nem compartilhasse. Ainda que criticasse. Queria escrever uma carta que fosse uma prece a quem não rezasse, que fosse uma reza por quem não acreditasse, que fosse uma súplica por quem não lamentasse. Que fosse silêncio e um olhar por aqueles a quem não se olhasse. Queria que meu irmão trabalhador que nem eu, apenas parasse, por um instante, e que repensasse.
Queria escrever uma carta que ensinasse. Ao meu irmão, trabalhador que nem eu, como é infinita a sua possibilidade. Como ele é importante em sua função, em sua alegria, em sua família, em sua comunidade, em nosso trabalho, em sua missão para todos os que dele dependem, para todos os que com ele convivem, para todos como eu, que nele se espelham. Para dizer a ele como são duras as coisas tristes de que ele se aproxima talvez sem querer, talvez sem perceber, talvez querendo, sabendo, percebendo. Mas que é, também, possível mudar de ideia, ponderar. Rever-se. Sei lá. Retroceder.
Não escrevo, pois não me cabe esse direito. Não escrevo porque não me cabe essa função. Mas, sendo amigo, caberia. Mas, sendo irmão, trabalhador que nem eu aceitaria a empreitada. Caminharia por quanto tempo e a que distância, desde que pudesse fazê-lo perceber a antipatia de certas coisas, que certas coisas provocam. A dúvida é: se meu irmão iria querer. Iria me entender e se caminharia comigo. Se me veria como amigo. Depois que lhe escrevesse e lhe mostrasse que os que chama de inimigos, talvez assim não sejam. Se os que elege como dignos talvez nem tanto sejam. E que não vale a pena atrair pra si a imagem dos que defende ou ataca. Sua imagem pessoal e sua trajetória de trabalhador, meu amigo e meu irmão, já falam por si só.
Não pretenderia demovê-lo de seus valores, de seus princípios. Não pretenderia convencê-lo, doutriná-lo, exortá-lo, insultá-lo, limitá-lo. Pretenderia, contudo, sensibilizá-lo. Buscaria afastar de sua figura pública de trabalhador, meu irmão, o amargor da banalidade de um mal com o qual eu sei que ele não compactua. Que ele não profere, que ele não pratica, mas que o circundam, a partir de textos e imagens dos quais ele se acerca. Talvez não por pensar diferente... Talvez apenas por querer expressar de uma forma dinâmica, o que no dinamismo da informação carrega também fúria, ressentimento, mentira, calúnia, desfaçatez, manipulação e ódio.
Queria que ele escrevesse poesia, salmos, cânticos. Queria mais do seu humor de trabalhador como eu. Queria mais da resenha do seu time de coração. Queria mais das imagens engraçadas e dos seus trocadilhos. Queria mais das provocações do dia a dia de nosso trabalho comum; mais de sua família, mais de seus passeios, mais de seus amigos. Ainda que as coisas que publica e compartilha fossem de sua autoria ou ainda que chegassem ao encontro das lacunas do que sinto e do que penso, seria dele que eu quereria mais notícias. E não me juntaria a ele numa voz solista de paladino ou num coral gigante de tenores para bradar contra quem quer que fosse. Bradaríamos, sim, contra a fome, a falta de trabalho, de oportunidades, de salário, de emprego, de respeito. Discutiríamos ideias e não pessoas. Talvez, Fernando Pessoa. Talvez, só conversássemos à toa.
Queria que minha carta fosse rasgada, queimada, trancafiada num baú de trecos sem valor. Queria que não precisasse ser escrita e, muito menos, lida. Queria uma nova perspectiva de sociedade e de vida para mim e para meu irmão trabalhador que nem eu.
Queria compreender mais e melhor. Que me desculpasse se lesse em minhas palavras quaisquer intenções que não a de abraçá-lo. Queria que o espaço para o pensamento contraditório não servisse nunca de palco para a maledicência da corrupção. Não alego estar com a verdade, não pretendo estar com a razão. Queria direcionar minhas palavras, meus bons sentimentos, minha boa intenção, meu silêncio complacente, meus respeitos, meu afago, meu carinho, meu afeto e minha admiração a cada trabalhador e trabalhadora: meus amigos, meus irmãos. Façamos de nossas palavras o espaço em que se compartilha o pão.

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