UMA
CARTA PARA MEU IRMÃO TRABALHADOR
Erivelto Reis
Queria
escrever uma carta para o meu irmão trabalhador que nem eu. Não porque eu saiba
escrever, ou escreva melhor ou mais bonito, ou porque ele, talvez, não saiba
nada sobre o que eu vou dizer a ele, ou nada entenda sobre os perigos de dizer
o que ele tem dito e de escrever o que ele tem escrito.
Queria
escrever uma carta. Só uma. Para o meu irmão trabalhador que nem eu. Não porque
sejamos amigos, ou sejamos colegas ou trabalhemos no mesmo ramo, ou estejamos
no mesmo barco, ou porque sejamos torcedores do mesmo time ou sonhemos com as
mesmas coisas para o país. Também não seria porque pensemos de forma distinta,
ou sonhemos com ideais completa ou parcialmente diferentes. Não porque eu não tenha
tanta experiência, não porque ele não tenha o mesmo conhecimento que eu. Não
porque ele talvez suponha que não estejamos no mesmo barco.
Queria
escrever ao meu irmão, trabalhador que nem eu, uma carta. Uma carta que
perdesse de todo a sua intenção de aviso, de conselho de alerta, de pedido, de
interseção. Uma carta que perdesse a finalidade de chamar sua atenção e
exercesse única, exclusiva e preponderantemente a função de servir como um
alento, como uma expressão de afeto, como um abraço.
Ainda
que meu irmão trabalhador me confrontasse, ainda que ele me desprezasse, ainda
que não me entendesse, que me julgasse, que me excluísse... Ainda que ninguém
soubesse. Ou, em sabendo, que não curtisse, não comentasse, nem compartilhasse.
Ainda que criticasse. Queria escrever uma carta que fosse uma prece a quem não
rezasse, que fosse uma reza por quem não acreditasse, que fosse uma súplica por
quem não lamentasse. Que fosse silêncio e um olhar por aqueles a quem não se
olhasse. Queria que meu irmão trabalhador que nem eu, apenas parasse, por um
instante, e que repensasse.
Queria
escrever uma carta que ensinasse. Ao meu irmão, trabalhador que nem eu, como é
infinita a sua possibilidade. Como ele é importante em sua função, em sua
alegria, em sua família, em sua comunidade, em nosso trabalho, em sua missão para
todos os que dele dependem, para todos os que com ele convivem, para todos como
eu, que nele se espelham. Para dizer a ele como são duras as coisas tristes de
que ele se aproxima talvez sem querer, talvez sem perceber, talvez querendo,
sabendo, percebendo. Mas que é, também, possível mudar de ideia, ponderar.
Rever-se. Sei lá. Retroceder.
Não
escrevo, pois não me cabe esse direito. Não escrevo porque não me cabe essa
função. Mas, sendo amigo, caberia. Mas, sendo irmão, trabalhador que nem eu
aceitaria a empreitada. Caminharia por quanto tempo e a que distância, desde
que pudesse fazê-lo perceber a antipatia de certas coisas, que certas coisas
provocam. A dúvida é: se meu irmão iria querer. Iria me entender e se
caminharia comigo. Se me veria como amigo. Depois que lhe escrevesse e lhe
mostrasse que os que chama de inimigos, talvez assim não sejam. Se os que elege
como dignos talvez nem tanto sejam. E que não vale a pena atrair pra si a
imagem dos que defende ou ataca. Sua imagem pessoal e sua trajetória de
trabalhador, meu amigo e meu irmão, já falam por si só.
Não
pretenderia demovê-lo de seus valores, de seus princípios. Não pretenderia convencê-lo,
doutriná-lo, exortá-lo, insultá-lo, limitá-lo. Pretenderia, contudo,
sensibilizá-lo. Buscaria afastar de sua figura pública de trabalhador, meu
irmão, o amargor da banalidade de um mal com o qual eu sei que ele não
compactua. Que ele não profere, que ele não pratica, mas que o circundam, a
partir de textos e imagens dos quais ele se acerca. Talvez não por pensar
diferente... Talvez apenas por querer expressar de uma forma dinâmica, o que no
dinamismo da informação carrega também fúria, ressentimento, mentira, calúnia, desfaçatez,
manipulação e ódio.
Queria
que ele escrevesse poesia, salmos, cânticos. Queria mais do seu humor de
trabalhador como eu. Queria mais da resenha do seu time de coração. Queria mais
das imagens engraçadas e dos seus trocadilhos. Queria mais das provocações do
dia a dia de nosso trabalho comum; mais de sua família, mais de seus passeios,
mais de seus amigos. Ainda que as coisas que publica e compartilha fossem de
sua autoria ou ainda que chegassem ao encontro das lacunas do que sinto e do
que penso, seria dele que eu quereria mais notícias. E não me juntaria a ele
numa voz solista de paladino ou num coral gigante de tenores para bradar contra
quem quer que fosse. Bradaríamos, sim, contra a fome, a falta de trabalho, de
oportunidades, de salário, de emprego, de respeito. Discutiríamos ideias e não
pessoas. Talvez, Fernando Pessoa. Talvez, só conversássemos à toa.
Queria
que minha carta fosse rasgada, queimada, trancafiada num baú de trecos sem
valor. Queria que não precisasse ser escrita e, muito menos, lida. Queria uma
nova perspectiva de sociedade e de vida para mim e para meu irmão trabalhador
que nem eu.
Queria
compreender mais e melhor. Que me desculpasse se lesse em minhas palavras
quaisquer intenções que não a de abraçá-lo. Queria que o espaço para o
pensamento contraditório não servisse nunca de palco para a maledicência da
corrupção. Não alego estar com a verdade, não pretendo estar com a razão.
Queria direcionar minhas palavras, meus bons sentimentos, minha boa intenção,
meu silêncio complacente, meus respeitos, meu afago, meu carinho, meu afeto e
minha admiração a cada trabalhador e trabalhadora: meus amigos, meus irmãos. Façamos
de nossas palavras o espaço em que se compartilha o pão.
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