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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 4 de março de 2019

Poema: "Conversa ao pé do ouvido", de Erivelto Reis


Conversa ao pé do ouvido
Erivelto Reis

Não.
Você nunca conversará com torturadores.
Eles não estão a postos para o diálogo.
Você irá proteger as partes vitais do seu corpo,
Desguarnecendo órgãos genitais, olhos, ouvidos,
Dignidade e seus parentes e amigos mais próximos.
Enquanto isso, torcerão seu braço, partes do seu corpo serão quebradas;
Queimarão sua pele, as mucosas que revestem as partes internas de teu corpo...
Ameaçarão seu emprego, sua família, seus ideais.
Você não conversa com torturadores.
Eles vigiam as contradições de teu medo, violentamente!!!
Você responde aos seus inquéritos de horror.
Ao sadismo de seus fetiches,
À ironia de seu Ufanopatriotismo
Enquanto tenta, desesperadamente,
Enxergar algum remoto traço de humanidade
E entender que atalho maldito
Os conduziu ao poder e a você aos calabouços...
Você não conversa com torturadores;
Você assume culpas que não são crimes
Enquanto os que torturam idolatram os monstros,
Os crápulas, os canalhas, as bestas,
E os estúpidos, alegando defender a ordem e a moral.
Você não conversa com os torturadores,
Você conta os dedos e unhas e dentes que vai perdendo
A cada acusação que lhe fazem...
Reza, ateu que seja, para não alcançarem seus filhos, bebês ou não,
Suas filhas e filhos na escola ou na faculdade,
Seu marido ou sua esposa, seus pais, irmãos e colegas de trabalho.
Implora para que compreendam a brutalidade das violências, físicas e psicológicas, que praticam,
Para não ser empalado, queimado, mutilado, violentado, afogado, eletrocutado.
Você não conversa com os torturadores...
Eles é que fazem perguntas.
Nenhuma delas de cunho ideológico.
Basicamente:
“onde você esteve?”, “quem você conhece?”
E: “você acha que vai sair vivo ou inteiro daqui?”
Os torturadores têm pressa de que seus atos sejam reconhecidos
Por aqueles a quem servem
E têm calma, gozo e crueldade ao torturar.
Esse é o seu sublime momento:
Oprimir o corpo pelo medo e pela dor
Você conhece a cartilha medieval do torturador?
Ela está inscrita na História, na arte e na resistência
Daqueles e daquelas que infelizmente perdemos durante as lutas...
E naqueles e naquelas que resistiram em nome de algo bem maior!
Você não conversa com um torturador:
Assina o depoimento que ele obriga, depois de muitas horas ou dias, no ato:
Ou morre defendendo a liberdade, a vida e a democracia.
Fim de papo.


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