Manchetes
Erivelto Reis
Os "suspeitos" e suas
desgraças
estampam as manchetes
todos os dias, sem destaque, sem
metáforas...
Num carnaval sem alegorias.
Os que não aparecem
e sequer os conhecemos
seus sobrenomes os prenunciam.
Têm estirpe, berço, dinastia...
Juntam os louros, guardam os lucros
de nosso sofrimento
antes de nos venderem a cova
e o caixão que nos contenha.
Mandam-nos às favas, uma ova
que nossas mães de nós houvessem
prenhas,
parindo-nos para um mundo sem amor e
oportunidades,
nos pranteiem tanto contra os
dilúvios das iniquidades...
Caídos nas sarjetas, abatidos a tiros
de escopeta,
falta de educação e torpe exploração
de nosso patrão.
Quem é da elite já nasce pronto!
E do nosso sustento quem há de cuidar
sem urdir o unguento da humilhação?
Para nos levar à boca o pão,
pois que nem quarto nem aposentadoria
temos...
Pode ser uma maria, um josé, uma maré
de sorte
e quantos filhos deus lhes der e um
casebre simples
com um teto de telha, de zinco... um
chão batido
onde a família couber, não precisa nem
ser seu,
desde que o dono não se zangue, desde
que não desbarranque
numa chuva de verão,
num temporal de escravidão
disfarçada.
Já fui menino e sonhei com o que
poderia conquistar
e que jamais conquistei,
fui fraco sem ter sido, fui testado e
agredido
e nem sequer pude enterrar meu pai.
Bati ponto no horário, fui um bom
funcionário
e chorei somente no intervalo entre
um turno e outro...
Porque a cara do trabalhador
o patrão só repara quando lhe quer
mandar embora!
Seu olhar vai diluindo à distância
e seu jeito de não notar a nossa
importância
destrói gradativamente a nossa
autoconfiança.
Tenho a carteira assinada e a cabeça
a mil:
não são ideias, são traumas, são
medos
de coisas que nem mesmo o diabo viu.
Há uma terra em chamas e seu nome
é...
É estômago de trabalhador,
que quando não tá roncando de fome,
tá remoendo e revirando de humilhação
e de dor.
Não há pacto, homem pacato, pacífico,
cordato
que saia desse turbilhão de
desacatos,
com a alma dentro do corpo.
O que resta é um buraco, um vazio,
uma lacuna.
Não quero partido, palanque ou
tribuna,
digo de onde estou que o que vejo é
inaceitável.
Não espere condescendência, tampouco
um discurso afável.
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