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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Poema: "Manchetes", de Erivelto Reis


Manchetes
Erivelto Reis

Os "suspeitos" e suas desgraças
estampam as manchetes
todos os dias, sem destaque, sem metáforas...
Num carnaval sem alegorias.
Os que não aparecem
e sequer os conhecemos
seus sobrenomes os prenunciam.
Têm estirpe, berço, dinastia...
Juntam os louros, guardam os lucros
de nosso sofrimento
antes de nos venderem a cova
e o caixão que nos contenha.
Mandam-nos às favas, uma ova
que nossas mães de nós houvessem prenhas,
parindo-nos para um mundo sem amor e oportunidades,
nos pranteiem tanto contra os dilúvios das iniquidades...
Caídos nas sarjetas, abatidos a tiros de escopeta,
falta de educação e torpe exploração de nosso patrão.
Quem é da elite já nasce pronto!
E do nosso sustento quem há de cuidar
sem urdir o unguento da humilhação?
Para nos levar à boca o pão,
pois que nem quarto nem aposentadoria temos...
Pode ser uma maria, um josé, uma maré de sorte
e quantos filhos deus lhes der e um casebre simples
com um teto de telha, de zinco... um chão batido
onde a família couber, não precisa nem ser seu,
desde que o dono não se zangue, desde que não desbarranque
numa chuva de verão,
num temporal de escravidão disfarçada.
Já fui menino e sonhei com o que poderia conquistar
e que jamais conquistei,
fui fraco sem ter sido, fui testado e agredido
e nem sequer pude enterrar meu pai.
Bati ponto no horário, fui um bom funcionário
e chorei somente no intervalo entre um turno e outro...
Porque a cara do trabalhador
o patrão só repara quando lhe quer mandar embora!
Seu olhar vai diluindo à distância
e seu jeito de não notar a nossa importância
destrói gradativamente a nossa autoconfiança.
Tenho a carteira assinada e a cabeça a mil:
não são ideias, são traumas, são medos
de coisas que nem mesmo o diabo viu.
Há uma terra em chamas e seu nome é...
É estômago de trabalhador,
que quando não tá roncando de fome,
tá remoendo e revirando de humilhação e de dor.
Não há pacto, homem pacato, pacífico, cordato
que saia desse turbilhão de desacatos,
com a alma dentro do corpo.
O que resta é um buraco, um vazio, uma lacuna.
Não quero partido, palanque ou tribuna,
digo de onde estou que o que vejo é inaceitável.
Não espere condescendência, tampouco um discurso afável.


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