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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Artigo: "ADAM LINK: OU A BREVE ANATOMIA DOS ROBÔS", de Erivelto Reis






ADAM LINK: OU A BREVE ANATOMIA DOS ROBÔS

                                                                                              Prof. Dr. Erivelto Reis

 Para Cícero César, Ronaldo Lima Lins e Cinda Gonda.
E todas as pessoas reais de carne e osso, sonhos e disposição para a luta...

I INTRODUÇÃO


...Se a liberdade foi conquistada, como explicar que entre os louros da vitória não esteja a capacidade humana de imaginar um mundo melhor e de fazer algo para concretizá-lo? E que liberdade é essa que desestimula a imaginação e tolera a impotência das pessoas livres em questões que dizem respeito a todos. [...].
Em Busca da política. (Zygmunt Bauman, 2000, p. 09).


O objetivo desse artigo é apresentar uma breve leitura de uma prática de comunicação através das redes sociais que é a disseminação de ideias através de perfis falsos criados e ativos na rede social Facebook na produção, veiculação e acompanhamento de temas políticos, ligados à figura do atual presidente brasileiro, Sr. Jair Messias Bolsonaro, desde o período anterior à sua eleição.
            A justificativa para esse artigo se apresenta como necessária mediante a identificação da simulação de perfis de pessoas reais com a finalidade de promover e disseminar conteúdos na rede social que os comporta, realizar sua assimilação e transição por/para grupos fechados e promover a capilarização de conteúdos notadamente de campanha e militância política centrada principalmente em: 1) promover a figura de Jair Bolsonaro; 2) atacar constantemente a esquerda, principalmente, o Partido dos Trabalhadores, entre os quais especialmente os dois últimos ex-presidentes, Sr. Luís Inácio Lula da Silva e Sra. Dilma Rousseff; 3) servir como propaganda governista em todos os setores; 4) promover uma pulverização da capacidade de articulação, foco e resistência da oposição, da militância  partidária contra as ações do atual governo e a percepção, por parte do próprio eleitorado, dos enganos, das falhas e dos danos e incoerências do próprio governo.
Os perfis falsos ou robôs verificados para esse artigo chegam a “disparar” e compartilhar até 36 posts, ou seja, realizam até 36 publicações de peças de propaganda, pseudoinformação, ataques, em um espaço de 8 horas em horários bem definidos, são comandados por programas de computador que leem algoritmos, ou seja, sequências predeterminadas de comandos para executar determinados processos.
Na rede social, por exemplo, para cada vez que alguém (pessoa real ou outro robô) escreva/publique, por exemplo, “fora Bolsonaro” etc., os robôs estão programados para inundar a rede com outros posts com expressões como “mito”, “Lula na cadeia” “Tchau, querida”, “Brasil acima e tudo”, e, dentro da mesma dinâmica, as imagens, e arquivos de áudio e vídeo de mesma temática são publicados e compartilhados.
Essa publicação se deve à leitura que é realizada e identificada por algoritmos que cruzam dados a partir de informações codificadas. Sejam elas de reconhecimento facial, marcação de localização geográfica, seja através de palavras-chave, marcação onomástica, e que funcionam como hiperlinks, ou portas de acesso para os nomes e imagens marcados, segundo a mesma orientação de algoritmos e do programa.
            Não se desconsidera que haja apoiadores reais do atual governo que produzem e compartilham materiais. Há, no entanto, uma oferta de peças, e textos e vídeos – muitos desses materiais com visível qualidade profissional de produção e acabamento que suscita o questionamento. Este artigo é um recorte com um breve estudo de perfis públicos de usuários no Facebook. Não é um estudo de análise do discurso, embora, como fenômeno de comunicação e mídia, mereçam um estudo adequado e oportuno; não se trata de um estudo semântico ou semiótico.
O recorte para esse breve estudo de caso foi feito a partir da percepção de comentários em matéria de um site jornalístico com o uso de expressão específica e que me suscitou várias perguntas sobre a agressividade do comentário, o possível autor do referido comentário e o uso da expressão específica, propositalmente crítica a figura e/ou ao que se associa a uma leitura de uma metodologia presente na obra de Paulo Freire, que sistematicamente, tem sido rejeitado, criticado e associado ao fracasso da educação promovida pelos recentes governos de esquerda no Brasil.
Os perfis verificados estão identificados nesse texto apenas pelas iniciais. Entendo que embora todas as características dos usuários apontem para os perfis de robôs (criados e administrados, provavelmente por empresa (s) de comunicação ou de marketing), ou seja, perfis falsos, perfis fakes, seja necessário, eticamente, resguardá-los. Não por falsa prudência, mas por supor que ainda quando expostos publicamente na própria página (de um robô, uma simulação do perfil real de uma pessoa), tais páginas poderiam se valer da imagem de terceiros ou possuir coincidência com nomes de pessoas reais.
A hipótese é a de incompatibilidade e inconsistência nos dados que pudessem atestar a veracidade dos perfis. Os critérios para atestar incompatibilidades e inconsistências foram:
1) impossibilidade de verificação de existência anterior ao processo eleitoral; 2) inconsistência, lacunas e incompatibilidades entre os dados de usuários informados;
3) nenhuma publicação de natureza estritamente pessoal e particular;
4) sistematização de publicações de campanha, militância, ataque a adversários (pessoas e partidos) e divulgação de dados ou de pretensas informações reais favoráveis ao atual governo, aos seus integrantes e ao presidente e seus familiares;
5)  inexistência de práticas de atividades cotidianas, pessoais, educacionais, culturais, familiares, de lazer, de leitura;
6) alguns poucos registros de atividades tais como canais, sites, curtidas ou programas de TV estão diretamente ligados aos apoiadores do atual governo;
7) a qualidade gráfica, de edição e de produção do material veiculado, bem como o teor do conteúdo selecionado com recortes, descontextualizações, extrapolações, focalizações específicas visando a interferência nos possíveis sentidos do material eventualmente extraído de notícia “verdadeira”, via de regra para neutralizar, naturalizar, disfarçar, enaltecer o atual governo e desmoralizar, desmentir, atacar, agredir, reagir, rechaçar a oposição e/ou suas figuras e partidos, com extensão de alcance para a militância;
8) simulação e emulação do que poderiam ser características e comentários de uma pessoa real;
9) duplo fake: em muitos casos, nem o conteúdo veiculado é verdadeiro, como também quem o publica e compartilha é, a priori, uma pessoa real.
            Entre as razões para a identificação dos materiais estão características específicas que me pareceram organizadas segundo critérios e finalidades específicas. Entre as quais destaquei como objetivos principais da presença dos robôs (perfis falsos) no Facebook:
1) formar uma imagem e marcar presença sistemática (como uma peça de propaganda e de publicidade) passível de migração e compartilhamento não apenas no Facebook, como também nas demais redes sociais;
2) marcar presença, lotear, manter-se presente e atuante como campanha política;
3) mapear apoiadores e opositores;
4) produzir e veicular material que possa ser compartilhado como propaganda em tempo real, conforme os acontecimentos do atual governo e os eventos da situação ou ligados à oposição, inclusive migrando para redes restritas e privadas como as de grupos de Whatsapp, por exemplo;
5) servir como “noticiário” de campanha ou de realizações. Muitas vezes veiculando notícias falsas ou interpretações de fatos, bem como relacionar projetos como já concretizados;
6) permitir a comunicação direta do atual governo com seu eleitorado, ou mobilizar a atenção de opositores para intenções reais ou não do governo mediante a natureza do material veiculado.
Este artigo não é partidário. Pretende-se isento. Mas parte do princípio de que simular uma pessoa real para veicular qualquer opinião é isentar-se de responsabilidade para manipular a terceiros. Não parte da premissa de que outros partidos não se utilizem da mesma estratégia. Não desconsidera o fato de que pessoas reais possam produzir materiais de campanha ou de militância por si mesmas ou que compartilhem os materiais fornecidos por perfis falsos sem concordar com eles ou verificarem sua veracidade e autenticidade.
Espera-se demonstrar um fenômeno midiático na política moderna – provavelmente apenas uma “pontinha do iceberg”, e suas recorrências de uso na rede social específica.
Embora não se pretenda apurar “responsabilidades” ou se desejo confrontar o “real” com o “falso”, me parece fundamental destacar que muitos políticos autorizam a veiculação e produzem vídeos (o próprio presidente, em suas lives), “vazam informações”, “notícias” para uso de seus militantes e correligionários.
Outro ponto que merece reflexão é pensar em quem autoriza a página fake, o robô que se passará por uma pessoa? São empresas? Que empresas? Quem paga por isso? É pago legalmente? (Investe-se em propaganda via empresa, mas esse investimento não entra na contabilidade ou declaração de campanha, porque se simula uma publicação espontânea de uma pessoa de carne e osso, de um correligionário...).
Seria ético concordar com a criação de perfis falsos, se passando por pessoas para veicular material político, de “opinião”, de campanha? De que forma os robôs poderiam estar influenciando no comportamento de nossa sociedade, em nossas escolhas?




II “O CÉREBRO ELETRÔNICO FAZ TUDO. FAZ QUASE TUDO”


[...] A reflexão crítica é a essência de toda autêntica política (enquanto distinta do meramente “político”, isto é, do que está ligado ao exercício do poder).A política é um esforço efetivo e prático para subjugar instituições [...]  E a democracia é um local de reflexão crítica que extrai sua típica identidade dessa reflexão. [...] Em Busca da política. (Zygmunt Bauman, 2000, p. 90).


Os versos da letra da canção “Cérebro eletrônico” (1969/2003), de Gilberto Gil, que dão título a esse e ao próximo capítulo desse artigo poderiam ser úteis à ideia de que “máquina” e “robô” (tão associados em relação aos perfis falsos), teriam sua pretensa capacidade de simular ou de se aproximarem da magnitude da compreensão das emoções e sentimentos humanos e que reagiriam às sensações. Era outra época.
O filósofo Zygmunt Bauman, na obra Em busca da política (2000), convida-nos a pensar sobre a importância da reflexão crítica e sobre as estratégias de usos e manipulação política das ideologias na modernidade.
A propósito de uma matéria compartilhada via Facebook, que circulou no dia 02 de fevereiro de 2020 – dia de Iemanjá –, publicada originalmente por um site de notícias da Bahia sobre palíndromos numéricos. A partir da curiosidade provocada pela coincidência da data capicua 02/02/2020, acabei me detendo nos comentários (matéria da agência Folhapress que “Comercializa e distribui diariamente fotos, textos, colunas, ilustrações e infográficos a partir do conteúdo editorial do jornal Folha de S. Paulo, do jornal Agora e de parceiros em todos os Estados do país.”), posteriores à publicação, tão comuns nas nossas relações de interação via redes sociais, especialmente neste intenso avançar do século XXI.  
            Não sei se por minha contínua dificuldade com os números, pela curiosidade em relação à data ou pelo uso incomum da palavra “capicua”, fui lendo cada um dos comentários para perceber as reações dos leitores. Deparei-me com outras pessoas questionando se outras possíveis combinações de datas não seriam também palíndromos, no que eram elucidadas por outros leitores.
Não eram muitos os comentários, mas um entre eles me pareceu bastante agressivo e usava a expressão “analfabetismo funcional paulofreireiano”. Responsabilizando implicitamente as ideias do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire pela confusão dos leitores em relação aos palíndromos numéricos.
Qual explicação plausível para aquele comentário? Por que tanta agressividade em relação a uma confusão de terceiros sobre datas que nada acrescentaria à vida daquele que fez o comentário, por que uma matéria prosaica sobre coincidências de calendário gregoriano, pautada na curiosidade de recorrências poderia interessar aquela “pessoa”? Alguém que se interessasse por essa curiosidade seria capaz de tanta agressividade virtual contra pessoas que estariam também mobilizadas pela curiosidade e pela raridade dos palíndromos capicuos?
  A questão do algoritmo é complexa para os leigos como eu, mas é simples em aplicações práticas nas redes sociais.  Nas redes sociais, as palavras podem servir como hiperlinks, passagens de transição, portais, chaves para assuntos e temas coligados ou associados ao que escrevemos, pensamos, consumimos. Os algoritmos fazem essas associações e desenham nosso perfil com base no que escrevemos, assistimos, pesquisamos na internet.
Assim, algoritmos específicos de identificação e compartilhamento de posts com orientação a atingir um público específico e potencializar o seu alcance, visando à formação de uma tessitura ideológica em vigência, ou a aparentar que haja uma em discussão, bem como a identificar simpatizantes e/ou opositores a tais ideias. Como quando você pesquisa, por exemplo, informações sobre um determinado produto, bem ou serviço no Google e logo em seguida, ou a partir de então, por um determinado período, tanto seu e-mail, como sua navegação no Facebook passam a exibir informações de bens, produtos e serviços idênticos, similares, ou associados ao que foi pesquisado para dar uma “ajudinha”, um reforço na sua decisão de consumo. Para manter você pensando ainda naquela possibilidade de compra.
A expressão “analfabetismo funcional paulofreireiano”, publicada nos comentários revela e atrai a atenção de quem se interesse pela educação pela obra de Paulo Freire, como também de contrários ao educador brasileiro, bem como de pessoas que discordam de seu uso e do que ela signifique, como eu, por exemplo.
A questão é que os robôs virtuais, que são basicamente programas de computador que leem esses algoritmos de identificação de padrão de ideias e consumo podem se passar por pessoas com perfis falsos ou emprestados por pessoas reais- cujas inúmeras contas ficam sob administração de empresas de tecnologia e marketing específicas para essa finalidade (os disparos de “notícias”) - criados em redes sociais e dessa forma disseminar informações, posts, comentários, verídicos ou não, produzidos por agências de marketing e propaganda. A quantidade da atuação desses robôs poderia produzir uma ideia de contrariedade ou de apoio a um determinado fato, situação, governo, bem ou serviço.
Poderia se prestar a convencer do absurdo de um fato ou a naturalizá-lo em um determinado contexto, responder e tentar neutralizar uma insatisfação real seja em relação a um produto, a uma empresa, a um governo, a uma notícia... Poderia gerar a ideia de que há um número de pessoas que apoiam a atitude de uma pessoa, ou uma empresa, sem que esse número e esse apoio sejam verdadeiros.
Pelo uso dos algoritmos, identificam-se partes, pontos de uma mesma rede de base ideológica e de consumo comum ou de afinidade seletiva e se pode direcionar com maior ou menor fluxo e investimento a propaganda a oferta de uma ideia ou de um produto. E ainda mais, estabelece-se uma rede de compartilhamento de que transita do fake (falso – falsa informação) tanto para alguém de base favorável, ou seja, alguém que se imagina concordará com aquela informação, como também chancela – quase que provoca quem a receba a repassá-la como uma resposta possível a um provável opositor.
O livro de Isaac Asimov (1920-1992), Eu, robô (1950/2014) é composto por uma Introdução, na qual são apresentadas as “três leis da robótica” e mais nove contos “Robbie”, “Andando em círculos”, “Razão”, “É preciso pegar o coelho”, “Mentiroso!”, “Um robozinho sumido”, “Evasão!”, “Evidência” e “O conflito evitável”.
Nessa obra do escritor russo, cujo título fora extraído, a contragosto do autor, a partir do conto dos irmãos Binder (Earl/Eando e Otto) “Eu, Robô”, de 1939, publicada na Revista Amazing Stories, se descortinam as inquietações que serviriam de base para a anatomia narrativa de Asimov.
Tal estruturação narrativa baseia-se em desenhar personagens robóticas com cada vez maior capacidade de emular sentimentos e sensações em convívio com os humanos e os conflitos decorrentes desse processo. A quem interessaria que robôs se parecessem com humanos e os compreendesse? Haveria um momento em que os robôs se emocionariam e decidiriam para além de sua programação? Seriam capazes de perceber o mal e de se tornarem maus deliberadamente? Essas questões retornam em tempos nos quais a política se utiliza de robôs para simularem perfis verdadeiros nas redes sociais.
No conto, o robô Nestor, inspirado na personagem Adam Link, também um robô, cujas diversas histórias foram publicadas entre 1939 e 1942, já expressa o que poderia ser entendida como uma preocupação por uma convivência que transitaria da subserviência cooperativa e funcional para a igualdade existencial facultada por uma série de paradigmas que visariam à preservação do bem estar dos humanos e à coexistência pacífica entre robôs e pessoas. Dessa forma, os robôs não fariam mal aos humanos (a despeito de sua inteligência artificial, força, durabilidade, autonomia, capacidade e especificidade laboral ou mimetização da figura humana) e estes não os desabilitariam por não se sentirem ameaçados.
 A convivência entre humanos e robôs – a mímesis da forma humana e a emulação de seus sentimentos e emoções, os excluiria da categoria de máquinas/objetos/ferramentas –, posicionando-os num estado de permanente heterotopia (para usar o conceito extraído da geografia humana e das alteridades, de Michel Foucault), entrelugar não hegemônico, passível de ter o seu status de real, verídico ou verossímil, questionado.    
Naturalmente, a mitologia já legou para a humanidade as questões relacionadas ao convívio entre humanos e mitos e as religiões estabeleceram dogmas sobre isso. Mas são, os entraves e limites éticos da interação entre humanos e robôs os parâmetros que servirão de base para a formulação no contexto da obra (grosso modo, conflitos entre humanos e robôs) o conceito que ficou mundialmente conhecido a partir da obra de Asimov, embora já fossem percebidas nas características da personagem Adam Link, do conto dos irmãos Binder, em 1939, como “As três leis da robótica”, que são:
1)      um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal”;
2)      “os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei”;
3)      “um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores”.
Será necessário abstrair o conceito físico predominantemente encerrado à época para a expressão ferir para que possamos entender que os robôs / algoritmos / perfis falsos que disparam mentiras, peças publicitárias, informações – pretensamente verdadeiras, interpretações, para convencer, identificar e mobilizar as massas através das redes sociais poderiam estar contradizendo as “leis da robótica”, embora estivessem mimetizando e simulando perfis e figuras e prováveis alteridades humanas – mediante situações verificáveis ou não –, e ferindo, desde indivíduos até sociedades inteiras, ao nos violentar com informações que pela forma e pelo conteúdo podem nos levar a tomar decisões equivocadas ou desproporcionais.
Os robôs emulam pessoas e alteridades, ou seja, simulam, se fazem passar por pessoas reais, e que disparam conteúdos, orientados por algoritmos, sempre terão a “inteligência” e os interesses de pessoas e corporações e empresas e partidos em sua atuação que pode estar nos tornando – aos indivíduos e às sociedades –, em portadores, compartilhadores, praticantes – no mínimo, espectadores –, de uma violência nos discursos e nas práticas de interação virtual que vai gradativamente transitando para os locus das práticas sócio-interacionais e linguísticas no mundo real, nas nossas relações cotidianas.  
Evidenciam-se questões ligadas ao direito, à ética, à moral e à real responsabilidade pelos atos decorrentes da ação dos robôs da internet, especialmente por sua atuação através das redes sociais.  Se alguém toma uma decisão pautada unicamente na informação criada, veiculada por um robô, de quem será a responsabilidade pelas consequências? Do próprio indivíduo, se insinua, talvez, veloz a resposta. Porém, se isso ocorrer a um grupo, a uma sociedade, em detrimento de encobrir um fato real, uma informação verdadeira, ou desmobilizar, ou manipular, ou intimidar, discriminar outro grupo ou sociedade, em favor de interesses específicos, como confrontar, como nos defender, como punir os responsáveis?
Todos sofrem, todos vigiam e punem a todos o tempo todo enquanto  uma “força” (uma pessoa, um governo, um partido, uma ideologia, uma empresa, um bem, um produto, um serviço), hábil, capaz de operar a mudança de ideais e humores por meio da interação virtual realiza, incólume, uma flanerie, um passeio pelo lamaçal, pelos espólios do conflito que possivelmente a mantenha no lugar que planejara atingir, sabe-se lá por quais interesses.
Não vos parece aviltante, degradante, ilegal, imoral e antiético que isso possa ocorrer a uma sociedade? Ser articulada desde e a partir das redes sociais e ser mobilizada pelo erro, pela informação falsa, descontextualizada, desvirtuada, reinterpretada para escolher o que lhe prejudique, para tomar para si um discurso que lhe seja para a própria natureza, para a própria biografia, contraditório, violento, excludente, preconceituoso, para neutralizar, naturalizar, blindar, desviar atenções, fragmentar oposição, parecer fortalecer e endossar ações, e assim favorecer a terceiros?! Que fique claro: a quaisquer que sejam esses “terceiros”.
           


III “CÉREBRO ELETRÔNICO NENHUM ME DÁ SOCORRO”


[...] Os poderes totalitários não tolerariam qualquer experimentalismo, pela razão mesma de ser experimental, quer dizer, um espinho na carne dos governos totalitários monolíticos e cruéis; menos ainda aceitariam visões que não se coadunassem com as realidades que já tinham concretizado e controlavam [...] A única liberdade que os regimes totalitários estavam preparados para oferecer aos intelectuais e artistas era a liberdade de ouvir, de tomar nota e obedecer. Obedecer ou morrer.  [...] O direito de criar a realidade, assim como de decidir o que é real o bastante para ser representado, permaneceria prerrogativa exclusiva dos governantes. [...]. Em Busca da política. (Zygmunt Bauman, 2000, p. 100).


Voltemos à questão do comentário na página do jornal que motivou a reflexão sobre Adam Link e os robôs que atuam nas redes sociais.  Como o comentário atribuído a uma pessoa com perfil na rede social do Facebook me chamou a atenção, fui verificar o perfil da “pessoa”.
Por uma questão ética não mencionarei nomes, mas sugiro a reflexão e, no mínimo, a verificação antes de compartilhar qualquer tipo de postagem daqui pra frente. Lembre-se de que mesmo que a pessoa que tenha enviado o post seja alguém conhecido, de sua confiança, o texto, a imagem, o áudio, o vídeo, são produtos que podem ter sido manipulados por um robô para alterar a sua percepção de um fato ou para fomentar o pânico, o desânimo, o descrédito em pessoas, grupos, entidades, instituições em nossa sociedade.
Vamos ao perfil. Chama-se S.B. (escrevo aqui apenas as iniciais de um nome que lá no Facebook está identificado, em nada extravagante, diferenciado ou curioso. O nome de uma pessoa comum.). A página traz como foto de capa um post de 12-3-2019 intitulado “Família imperial Bolsonaro”, com o presidente e seus filhos homens, associando cada um deles a um ano eleitoral (2018, 2026, 2034, 2042, 2050), espaços de intervalo associados ao cumprimento de dois mandatos de quatro anos cada, escrito em destaque sobre cada um dos que está na foto, projetando-se até o ano de 2050; como a primeira data está associada ao atual presidente, insinua-se que os demais também poderiam ser eleitos e reeleitos para o mesmo cargo ao longo desses ciclos eleitorais; e, no canto inferior direito da imagem, está em tamanho menor a foto de uma menina, possivelmente a filha do presidente, (à exceção do atual presidente, não os conheço a ponto de identificá-los, embora os dois mais jovens claramente não estejam no exercício da vida pública), com a inscrição: “E se reclamar [sic] a gente elege a Laurinha em 2058”. Há apenas a opção compartilhar.
Na legenda, estão marcados com hiperlinks os nomes (quando se marca alguém em hiperlink no Facebook significa 1) que a pessoa tem um perfil e que 2) ela será notificada de que você, específica  e inequivocamente a marcou). Em se tratando de pessoas em interação via Facebook, apenas um post em que alguém foi marcado. Se considerarmos um post em um perfil de um robô, trata-se de um recibo de uma tarefa cumprida.  Além de tentar caracterizar tratar-se de uma pessoa e não de um algoritmo, um produto, um veículo.
Você precisa saber que é possível criar páginas no Facebook, quantas se deseje, desde que cumpridas algumas exigências onomásticas, visando, sobretudo, à proteção de marcas e copyright, e basicamente ligadas a nomes sugeridos ou já em uso e a um e-mail considerado válido. Há algumas poucas restrições a símbolos e a slogans. O regulamento completo pode ser consultado na própria página do Facebook.  Apenas isso. Em teoria não seria possível criar, por exemplo, uma página com o nome de “Coca-Cola” (em função do Copyright), mas se pode criar uma página com nome de Machado de Assis, desde que haja um e-mail (podem ser criados às centenas por pessoa), considerado válido.  E isto porque estou me referindo apenas ao Facebook. Imaginem em redes como Twitter ou no aplicativo de mensagens como Whatsapp.
Outro dado bastante impressionante: no dia 26 de janeiro de 2020 S.B. realizou 36 postagens a favor do atual governo e/ou ridicularizando e acusando a oposição, especialmente o Partido dos Trabalhadores. Nenhuma fonte confiável, ou dado verificável foi fornecido em nenhum dos posts. Também não há nenhuma publicação particular, pessoal, íntima, cotidiana de nenhuma natureza. As postagens, seguem ciclos por horário em número de três a quatro posts por ciclo de publicação.
Ainda na página de S.B., na foto de perfil, que é menor e fica localizada no canto inferior esquerdo da foto de capa (de maior destaque), há uma caricatura personalizada do atual presidente Jair Bolsonaro, caracterizada ao estilo dos personagens da série internacionalmente conhecida Os Simpsons.
Na caricatura o presidente está fazendo um sinal característico de uma empunhadura de arma com os indicadores em riste alinhados em paralelo e com os óculos escuros, que na linguagem da internet, especialmente nos memes, são símbolo da “lacração”, ou seja, quando alguém deixa o outro sem resposta. Lacra. Dá uma “invertida”. O que equivale a ser superior em argumento, astúcia, agilidade, importância, nas mesmas bases daquele ou daquela que se lhe sirva de contestador ou oponente.
Assim esses óculos escuros, dão um ar blasé, irônico, sarcástico ao serem atribuídos em um meme, numa imagem, numa charge, num desenho e simbolizam uma supremacia de argumento ou de posicionamento, ainda quando momentaneamente.
Das 65 fotos localizadas, todas partem do período eleitoral que culminou com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Todas. Não há acontecimentos ou fotos pessoais, cotidianas antes desse período. Não há. 
A primeira, de 30/03/2018 traz um gráfico associado às intenções de votos, supostamente apurado em Minas Gerais, colocando as intenções de voto dos mineiros na proporção de 29,1% para Jair Bolsonaro. Não há uma fonte oficial informada para a suposta pesquisa, nenhuma origem oficial dos dados informados. A escolha das fotos dos outros adversários citados: Marina Silva, em segundo; Ciro Gomes, em terceiro; Geraldo Alckmin, em quarto e Álvaro Dias em quinto. Fernando Haddad não é mencionado. Presumo que se tratasse na época de intenções de votos em possíveis candidatos.
As demais fotos seguem o mesmo padrão. São peças de uma campanha política. Militância, posts ridicularizando opositores, dados sem fonte e sem referências, tabelas, fotos, fotomontagens ridicularizando opositores, contestando informações e estatísticas, reproduções de prints de postagens do Twitter, citações de Olavo de Carvalho (um dos articuladores “intelectuais” do governo de Jair Bolsonaro) ou a ele atribuídas via Twitter.
Há uma foto de 07 de setembro de 2019 em que os presidentes do SBT e da Record TV aparecem com membros de suas famílias em pose ao lado do presidente. É uma das poucas fotos com pessoas, as demais são gráficos, desenhos, charges, caricaturas, tabelas, reprodução de posts. Não há uma vida pessoal em ocorrência. Há uma apenas uma simulação. Uma campanha permanentemente construída para se parecer com postagens de um militante real.
Curiosamente, em 06 de maio de 2018, há um post com a foto de uma gata, falando de seus filhotinhos e fornecendo um número de celular para adoção. S.B. é um nome de página feminino. No entanto, o gênero declarado nas informações do usuário no Facebook para este usuário é masculino. Na seção apelido que a página permite que o usuário informe está escrito: “Bolsonaro governará oito anos”. Esse é o apelido. Curioso, não?!
Em 30 de abril de 2018 há uma suposta capa do jornal alternativo francês Charlie Hebdo com uma caricatura machista, misógina e violenta intitulada “Pavillon de la corruption” sobre a deputada federal e líder do Partido dos trabalhadores Gleisi Hoffman. A legenda de S.B. para o post é “Uma imagem vale mais que mil palavras” e há a marcação (hiperlink) do nome da própria deputada, para que ela ou seus assessores recebessem a informação do post. Um dado interessante é que essa imagem é falsa. É agressiva e falsa.
O jornal francês em questão jamais a publicou. Inclusive há uma alerta de informação falso sobre a imagem que foi compartilhada 11 vezes a partir desse post. Há ainda um ranking de queimadas atribuído ao INPE, com 20 compartilhamentos, posts de divulgação de palestras, uma nota de esclarecimento atribuída à polícia federal, uma lista de realizações do Presidente.
Não posso deixar de mencionar que a citação favorita de S.B. (ela/ele) não sei, informada em sua página no Facebook é a seguinte: “Assim diz o SENHOR [sic]: com a mesma unção de Moisés, ungi a Bolsonaro [sic] para libertar o Brasil do faraó deste tempo”. Até a Bíblia foi emulada nessa citação.  
O vídeo de retrospectiva do Facebook para tudo o que S.B. postou e compartilhou em 2018 menciona 4989 amigos. Um número bastante considerável de amigos para alguém que não tem rosto ou vida cotidiana. Apenas faz campanha. Não há nenhum membro mencionado em sua família e nenhuma informação sobre relacionamento. Boa parte de seus “amigos” seguem o mesmo perfil de militância e compartilhamento e nenhum traço, dado ou informação biográfica que possibilite verificação de que se trate de uma vida real.
Entre eles, pode-se destacar: S.L., que teria estudado na UFRJ, gosto e acredita na inocência de Michael Jackson e torce pro Liverpool. Nenhuma foto pessoal, nenhum trabalho, nem um evento. Só campanha – nesse caso, voltada em boa parte contra o PT, a favor de intervenção militar e pró-Bolsonaro. S.L. que não existe e apoia intervenção militar possui 2954 amigos no Facebook.
Não é estranho ter preocupação ética com preservar a identidade de um robô? Sei apenas que seu programa preferido é o Balanço Geral Interior e que ele nunca nasceu e nunca morou em lugar nenhum, segundo o Facebook. Não há foto de seu rosto, mas sua foto de perfil traz a silhueta de um militar prestando continência, tendo ao fundo uma parte da bandeira nacional e a foto de capa maior traz um fundo preto com a inscrição: “Virou bagunça.”.
Destaco, ainda, V. B. (mesmo sobrenome do presidente, adotado, segundo me parece, por identificação ideológica. Há centenas de casos na mesma rede. Mais uma prova de que é possível criar perfis quantos se julgar necessário para compor uma rede de veiculação). Diz morar em Taubaté/SP, mas ser Belém do Pará. Não tem foto de perfil. Sua foto de capa traz a foto de uma rosa cor-de-rosa com votos de bom dia.
O perfil de suas postagens oscila entre um cartaz com denúncia de maus tratos a animais, imagens contra o PT, uma postagem que afirma que  o ministro Gilmar Mendes ordenou que Carlos Bolsonaro fosse expulso de todas as redes sociais e que por essa atitude o ministro  precisaria sofrer o impeachment. Informação comprovadamente falsa (a informação está no próprio post de V.B.). Ou trata-se de um perfil novo ou pouco seguido. V.B. tem apenas 389 “amigos”.
 Há um vídeo do senador Magno Malta, alertando para a possível libertação de presos em segunda instância. Criminosos, estupradores comparados ao ex-presidente Lula. O senador pede o compartilhamento do vídeo, cita o PT e os seus “puxadinhos”. Perfis de robôs como veículos, canais de projeção e propagação de seus “recados” e pronunciamentos. Há também um vídeo de uma visitar do ex-presidente Ernesto Geisel a São Luís do Maranhão.
 Seu programa favorito é o Brasil Urgente. Não há registro de um trabalho, de família ou de filhos. O gênero informado é o feminino e o seu interesse são os homens. Não há nenhuma atividade antes do ano calendário eleitoral de 2018. V.B. não existiu nas redes antes de 2018. E desde então, basicamente militou a favor do governo que viria a ser eleito e em sua defesa, após as eleições. Seu perfil, no entanto, mescla informações sobre crimes, furtos, desaparecidos, notícias veiculadas em jornais específicos, principalmente as que apontem com aos segmentos da sociedade ligados ao que se chama de defesa de “ideologia de gênero”, defesa de “criminosos” etc. Nenhum dos perfis apresentou a informação sobre haver lido livros.
Infelizmente, não há maiores detalhes sobre V.B. e nada aconteceu em sua vida. No entanto, há um post de 10/01/2019, contendo uma tabela em que a falta de dinheiro para os hospitais é atribuída a verbas destinadas para a cultura (filmes, livros, shows, turnês), numa publicação atribuída ao Portal da Direita, na qual o “Filme do Brizola”, “Livro do Chico Buarque”, “Peppa Pig”, “Turnê do Shrek”, “Livro de Poesia de Maria Bethânia” e “Museu Lula” estão responsabilizados. Não há nenhuma fonte oficial informada para respaldar os números e as obras apresentadas. Nem as bases legais para relacionar as obras à falta de dinheiro para os hospitais. Assim como S.B., V.B. também publica posts verificados como falsos, mas que estão disponíveis como fotos e que foram compartilhados. No caso de V.B. trata-se de uma publicação sobre ataque chinês a navio brasileiro, publicado em 16/12/2018.
Não se devem desconsiderar alguns aspectos:
1)      As fontes de produção dos posts não são autônomas e nem amadoras na quase totalidade dos perfis;
2)      Os perfis falsos não se comunicam apenas com perfis falsos, mas desta relação se produz a capilaridade da difusão das publicações;
3)      O Facebook tem servido como aglutinador transmidiático entre o Twitter e o             Youtube e promove por acesso e circulação das reincidências que transitam para os grupos privados via Whatsapp. 
4)      Há conteúdos específicos para Whatsapp que transitam em sentido oposto: do mais restrito dos grupos focais para o mais amplo e pulverizado do Facebook.
5)      Não há mecanismos de filtragem e inibição da circulação em número e velocidade que possa coibir ou impedir a circulação de fakes ou a proliferação de perfis de robôs nas redes sociais.
6)      Embora a origem da produção e matriz da veiculação e circulação possa até ser identificada, a capilarização provocada pela republicação dos posts dificulta a inibição de sua veiculação;
7)      Algoritmos e contextos políticos específicos podem determinar um ataque massivo de publicações;
8)      O que popularmente se conhece como “disparos” ocorre com frequência de dias e horários específicos entre as 9h e 10h da manhã; das 12h às 14h e das 16h às 20h. Os outros horários acabam capilarizados e cobertos por republicações de grupos fechados e por confrontações e repercussões dos posts.
9)      Os perfis de robôs têm linhas editoriais bem definidas,  que podem sofrer recombinações, segundo entendemos, e nomeados conforme a predominância de suas interações. A saber:
a.       Oposição – promovem divergência e desconfiança em relação à oposição;
b.      Promoção – responsável por manter ativa e constante a ideia de realização e progressão dos feitos do governo;
c.       Recepção – Recebe e mapeia as articulações e produz respostas que se pretendam equânimes em estrutura às questões formuladas pela oposição.
d.      Articulação – Coaduna os perfis anteriores para disparos sistemáticos com a finalidade de dispersão das linhas de percepção da opinião pública e desarticulação das respostas e da mobilização da oposição.
O primeiro perfil de robôs, o de Oposição, se estabelece apenas para manter em pauta postagens, informações, fotos, fotomontagens, entrevistas, matérias, números, planilhas, dados (verídicos ou não) desde que possam manter o status de divergência e desconfiança em relação à oposição. Seja aos chamados “partidos de esquerda”, “aos de centro-esquerda”, aos dissidentes e às instituições “independentes” que componham os poderes legislativo e judiciário.
O segundo perfil de robôs, o de Promoção, se articula para lapidar, divulgar, promover e convencer através de posts de que o governo realiza ações proativas, assertivas e competentes em sua gestão. Atua em linhas específicas ligadas aos seguintes temas:                  
1) combate à corrupção;
2) Combate à esquerda / comunismo / socialismo / lulopetismo;                 
3) desarticulação do pretenso aparelhamento estatal anterior à gestão atual;
4)  produzir material relacionado à gestão econômica, financeira e governança;
5) se ocupa de ações e temas relacionados à moralidade e religião;
6) relações intragovernamentais com especial dedicação aos militares;
7) abastecimento das militâncias de bases municipal e estadual com subsídios estratégicos, de informação, gestão e articulação econômica
8) articulação com demais lideranças políticas;
9) massificação da circulação dos registros produzidos pelos perfis de oposição;
10) comunicação institucional do presidente com seus comandados e correligionários (via comunicados ao vivo, através das redes sociais);
11) registro das ações e sua montagem em peças promocionais que permitam a divulgação das ações e a produção de material para uma eventual campanha à reeleição.
O terceiro perfil de robôs, o de Recepção, funciona como um radar ao que outros perfis de usuários estejam publicando contra o governo e suas ações. Entre outras funções, requer habilidade de leitura dos discursos e respondê-los através de silogismos, de identidade visual correspondente à provocação, de axiomas, de sofismos, de ilações, de adequação do discurso, semântica, sintagma e semioticamente para que se torne similar ao que se pretenda responder, da apropriação de tipologias como manchetes, layouts de circulação. Parte de premissas que sequer dependem ou encontram possibilidade de confirmação:
1) Lula e as esquerdas compõem um grupo de altíssima periculosidade (em oposição às relações da situação com organizações paramilitares criminosas);
2) a corrupção foi a marca dos governos anteriores (em oposição às diversas acusações de lavagem de dinheiro e corrupção no atual governo);
3) ideologia de gênero, liberalismo sexual, promiscuidade, contrariedade às religiões são defendidas pela oposição;
4) funcionalismo público, educação básica e universidades, pautas inclusivas, violência urbana e criminalidade, crise econômica e desemprego seriam heranças malditas de práticas e políticas orientadas e estruturadas pela esquerda, leia-se governos Lula e Dilma;
5) a arte e a produção cultural estariam ligadas à imoralidades, à desordem, ao ataque às instituições – principalmente, ao executivo –, e à corrupção, notadamente em função das leis de incentivo, em especial, devido à Lei Rouanet;
6) as pautas trabalhistas e administrativas precisam ser realinhadas e o empreendedorismo seria o ponto de salvação do Brasil;
7) os militares e sua história são demonizados pelos esquerdistas / comunistas / socialistas;
8) os opositores do governo caracterizam-se por defensores de bandido, ateus, pervertidos, conformados, servidores públicos improdutivos e privilegiados.
9) Lula é um criminoso e se não o fosse não teria sido condenado (não importa as base do processo, a ausência de provas, as articulações entre juiz e promotores, o copia e cola das sentenças e a promoção do juiz que o condenou a ministro da justiça);
10) Dilma foi criminosa (as pedaladas inexistentes), por isso foi alvo do impeachment.
            Assim, para cada questionamento que se faça ao atual governo, imediatamente aparecem posts como “Lula tá preso” (quando estava), “Dilma corrupta” (vídeos com a prolixidade da presidenta, sob ilustração de uma pretensa incapacidade); “Ladrão de estimação”, “o PT quebrou o Brasil” etc.
O quarto perfil de robôs, o de Articulação, coaduna os perfis anteriores, recombinando-os e mantendo-os em constante círculo de alimentação. Dessa maneira:
1) potencializa pontos de combate da oposição, esgarçando e pulverizando sua capacidade de diálogo e mobilização;
2) estabelece para a militância a ideia de que o governo possa estar sob ataque e que por isso medidas antipáticas e muitas vezes extremas precisam ser tomadas;
4) produz uma sensação de ruptura entre eles e nós, polarizando a população, categorizando-a e alimentando animosidades entre os setores;
5) dificulta o acompanhamento das reais pautas do governo e de seus possíveis impactos na vida social;
6) produz propaganda direcionada de baixíssimo custo final, uma vez que os posts acabam sendo cíclicos e atuam em frentes que o governo precisaria gastar ainda muito mais em publicidade, liberando recursos para emendas negociadas diretamente com os presidentes e integrantes de partidos.
7) gera um fenômeno midiático que transmigra para uma fenomenologia da História, ainda quando em trânsito, não por grandiosos feitos, mas por conta da intensidade e da frequência de suas desconstruções;
8) intensifica as ações de truculência executiva, ruptura e controle diante das autarquias estatais como uma resposta aos pretensos ataques.
            O Brasil precisará ainda de muito tempo e muita pesquisa para entender o fenômeno pelo qual passou e que culminou com a eleição da extrema direita sem debate e sem discussão das agendas fundamentais para a soberania do país. O fenômeno dos disparos de mensagens eletrônicas de posts, a aceitação humana de afirmações e informações carentes de prova, de embasamento e a libido pelos discursos de ódio a minorias e grupos específicos, a ferocidade dos discursos e o acirramento da pobreza, da miséria e da desigualdade como resultado de interações virtuais que colocaram no poder um grupo subserviente aos poderosos econômica e politicamente e que servirão para o serviço sujo de descontruir e varrer, sob a égide do neoliberalismo, o Brasil para os quadros da indigência internacional.
            Para Asimov em, Eu, Robô, as leis da robótica impediriam que os robôs machucassem os seres humanos. Mas como proceder quando os robôs são portadores virtuais de um discurso preparado para nos desarticular e dominar, programado por pessoas nada “humanas” a serviço de pessoas, partidos (de esquerda, de centro, de direita e demais coalisões), empresas e corporações? Adam Link se preocupava em não ferir os humanos e foi acusado de um crime que não cometera. Talvez tenha sido um dos poucos robôs a proceder dessa forma.
A História a ser escrita vai nos contar. Guardem seus prints. Os robôs e os políticos não sentem remorso (têm cada vez mais se assemelhado a máquinas) Já os humanos... Poderão, talvez, herdar o remorso de uma consciência que jamais tiveram.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASIMOV, Isaac. Eu, robô. Traduzido por Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014.
BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Traduzido por Marcus Penchel. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2000.
GIL, Gilberto. “Cérebro eletrônico” (1969). In.: RENNÓ, Carlos (Org.).. Gilberto Gil: todas as letras. (Edição revista e ampliada). São Paulo: Cia das Letras, 2003, p. 112-113.












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