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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Poema: "Reggae do Bloc", Erivelto Reis

 

Reggae do Bloc

Erivelto Reis

 

Vê, outra vez

Você azeda tudo com a sua estupidez!

Vê, você não se ajuda

Repete o mesmo erro, não assume a tua culpa.

 

Eu não vou discutir,

Eu não vou debater

Eu vou te dar um bloc

Pra você compreender.

 

Eu não vou me estressar

Eu não vou insistir

Você vai falar sozinho

Vou ficar longe de ti.

 

Tá, entendi,

Eu sou exagerado

Você não falou assim.

 

Tá, eu saquei

Você não disse nada

Fui eu que imaginei...

 

Eu não vou discutir,

Eu não vou debater

Eu vou te dar um bloc

Pra você compreender.

 

Eu não vou me estressar

Eu não vou insistir

Você vai falar sozinho

Vou ficar longe de ti.

 

Poema: "Ladainha à Santa Teresa D'Ávila", de Erivelto Reis

 Ladainha à Santa Teresa D’Ávila

Erivelto Reis

 

Santa Teresa D’Ávila

Protegei-me durante as aulas,

Protegei-me antes das aulas,

Protegei-me depois das aulas.

Protegei-me do inimigo

Ao longo do ano letivo.

Protegei-me de quem não sabe o que é aula,

Protegei-me de quem vendeu a alma.

Protegei-me dos perigos,

Protegei-me dos pelegos.

Protegei-me de quem vê a escola como depósito,

Protegei-me de quem vê a educação apenas como negócio.

Protegei-me dos vaidosos,

Protegei-me dos violentos, dos passivo-agressivos,

Protegei-me dos burocratas, dos preguiçosos e nocivos.

Protegei-me dos maldosos,

Protegei-me dos assediadores,

Que adoecem os professores.

Dos que não têm nem respeito, semancol e educação.

Dos que pensam que dar aula é sair apertando botão.

Protegei-me dos arrivistas, dos negacionistas e extremistas

Dos políticos oportunistas, de todas as suas mentiras.

Santa Teresa D’Ávila,

Eu peço que não me largue,

Sei que a tarefa é muito agre.

Para acabar com esses males,

Só na base do milagre!

 

 

domingo, 26 de janeiro de 2025

Poema: "Diocleciano hate the twins"

 Diocleciano hate the twins


Erivelto Reis

Vi dois meninos gêmeos passando...
Nunca saberei seus nomes,
Se Acta e Passio, se filhos de Teodata...
Reviravam o lixo, catavam latas!
Não estavam microcompreendendo nada.
Há pessoas que veem sem querer ver:
Uma lucidez cega.
Poderia ser um número de malabares,
Poderia ser a venda de uma cartela
De pastilhas de hortelã...
Que lembrança da infância
Terão esses garotos amanhã?!
A ingenuidade ruindo a cada nova necessidade
E a revolta sem volta contra a desigualdade...
Assim é a terra do nunca no mapa do GPS:
Nem craques, nem vapores
Nem artistas, nem professores...
A não ser que aconteça um milagre,
A infância não aprenderá a sonhar,
Não será doce...
Nem hoje, nem quando chegar setembro...
Agora é preciso consumir, produzir produto.
É com assombro que descubro:
Ninguém parece notar
Quer seja o martírio de infâncias,
Quer sejam as flores de um grande jambeiro,
Manchando o chão do mundo...
Impregnando tudo de vermelho rubro.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Texto: "12 anos sem o Poeta Primitivo Paes, meu amigo inesquecível", de Erivelto T

 12 anos sem o Poeta Primitivo Paes, meu amigo inesquecível

Erivelto Reis

Publico, respeitosamente, um poema bem representativo da temática e do estilo do grande poeta, ator e declamador. "Carro de Boi".

Primitivo começou a escrever poesia em 1986, aos 58 anos, depois de uma vida de trabalho e luta em favor da democracia em nosso país. Foi sempre ético, justo, inteligente, dinâmico, trabalhador e talentoso. E dedicou-se à arte, à educação desde então e até seu último dia de vida.

Valorizava os professores, o respeito à infância e à adolescência. Amava e era amado por sua família, amigos, vizinhos, companheiros de jornada. Era um homem gentil, generoso, dono de um talento como poeta popular, de uma memória prodigiosa, de uma voz potente, de um timbre maravilhoso e era muito carismático e amável com todas as pessoas, especialmente os mais pobres, os artistas e os professores e estudantes. Teve mais de 1000 apresentações gratuitas em todo o estado do Rio de Janeiro, em escolas, teatros, universidades.

Seu nome foi dado a uma sala e a um núcleo de pesquisas em uma faculdade na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em reconhecimento ao seu trabalho. Publicou livros, audiolivros, poemas em antologias e jornais da zona oeste, recebeu inúmeras homenagens, prêmios, exposições fotográficas e o reconhecimento do público e da classe artística como uma referência cultural.

Sua trajetória foi objeto de pesquisas acadêmicas e artigos em faculdades e universidades. Recebeu inúmeras homenagens póstumas e ainda seu legado como poeta faz parte da memória daqueles que tiveram a oportunidade de assisti-lo e de partilhar de sua amizade.

Em vida, fez questão de prestigiar desde os grandes autores da poesia brasileira e do teatro, até os escritores e poetas com os quais conviveu, com especial atenção aos estudantes que começavam a escrever seus primeiros versos. Dizia sempre que o professor que é poeta ou que leva a poesia para a sala de aula é professor duas vezes. Primitivo Paes memorizava e apresentava os poemas como uma performance dramática e teatral.

Como forma de reconhecer o trabalho de seus colegas, memorizava seus textos ou escrevia poemas em sua homenagem e os apresentava com reverência em saraus e em eventos públicos.

Percorreu o estado e a cidade do Rio de Janeiro de ponta a ponta e se apresentou como atração nos principais grupos de poesia no estado.  Em alguns lugares, como Campo Grande e Pedra de Guaratiba, participou ativamente como membro atuante desses coletivos, eventos e grupos de artistas.

O poeta faleceu no início do ano de 2013, a 19 de janeiro. Estava prestes a completar 85 anos em 28 de maio.

Poemas como O Rio de Janeiro, As Cartas, Criança Perdida, Terceiro Sorriso, O Mendigo, Liberdade, Fazenda Santa Amélia, Menino Grande, São Paulo, Minha Infância, Escuta Pai, Segredo, Carro de boi, entre outros, fazem parte com grande destaque da obra naïf e popular do autor.

O primeiro carro de boi foi construído por Primitivo Paes, com suas próprias mãos, utilizando-se de parafusos e máquina de solda, na garagem de ônibus da Viação Cometa, em São Paulo, entre os anos de 1968 e 1970. Era uma evocação da sua infância e da vida camponesa (que culminaria com sua entrada na vida política na metade da década de 1950), no interior de São Paulo.

Nessa época, o poeta já estava com seus direitos políticos cassados há quatro anos e sua prisão e captura estavam decretadas após o terrível AI-5. A prisão, através de agentes da OBAN, em São Paulo, viria a ocorrer algum tempo depois. Primitivo foi preso sem haver cometido qualquer ato ilícito, torturado e interrogado. Eram tempos sombrios de horror para os brasileiros e para o operário/sindicalista/futuro poeta e sua família.

Em 2003, ao se preparar para lançar seu primeiro livro, o poeta se recordaria desse momento e tornaria a evocá-lo ao convidar o artista e ilustrador Fernando Teixeira para produzir a capa de seu livro a ser lançado em maio de 2004, destacando lindamente o carro de boi e a vida bucólica e idealizada do sertão. O poeta Nilton Silva, sensibilizado pelo poema, proporia junto a um grupo de poetas (que prontamente concordaram e se organizaram) a ideia de homenagearem a Primitivo colocando um carro de boi de verdade, repleto de rosas vermelhas, no palco do auditório onde ocorreria o sarau de lançamento na noite de autógrafos que contou com poetas, artistas plásticos, amigos, vizinhos e, naturalmente, os familiares de Primitivo. Alguns anos depois, o cantor e compositor Toninho de Lita também perceberia a força desse poema e musicaria o texto para gravá-lo.

Cabe enfatizar que muita gente muito querida e talentosa fez parte da trajetória e teve relações de amizade com o poeta. Mesmo sem nomear a todos e todas aqui por uma questão de espaço, eles e elas foram muito importantes para o poeta.

Em 2010, na faculdade de Letras da UFRJ, o poeta foi recebido com grande reverência e entusiasmo pela professora Dra. Cinda Gonda, em um evento relacionando Literatura e História no período da ditadura no Brasil, realizado no Auditório E da faculdade.

Há muito mais a se dizer. Um rosário de memórias, saudades e ensinamentos sem fim, que o poeta Primitivo Paes semeou na vida de muitas pessoas.  

Primitivo e Eu nos conhecemos no teatro, no final dos anos 1990. Foi o primeiro poeta que conheci pessoalmente. Ficamos amigos e ele foi como um pai para mim. Um grande e sincero e leal amigo pelo qual eu e minha família sempre teremos muita gratidão. E do qual eu sinto muita falta.

Aos amigos, admiradores, leitores, indistintamente, e especialmente aos familiares do poeta, apresento renovados votos de apreço, solidariedade e respeito nesse momento de celebrar os feitos, a memória e o talento do grande poeta, do grande brasileiro Primitivo Paes, decorridos 12 anos de seu falecimento.

Para ilustrar o poema que escolhi reproduzo a capa do livro e uma representação do que teria sido a primeira pequena escultura feita por Primitivo Paes com chapas de metal e parafusos, numa oficina da viação Cometa, durante os anos de chumbo.

CARRO DE BOI

PRIMITIVO PAES

Quando amanhece o dia lá na roça,

Vai surgindo no céu, lindo clarão.

Lá vem o carro de boi descendo a serra,

E o carreiro cantando uma canção.

Uma saudade enorme, a dor no peito

De um amor distante que se foi,

A canção de nostalgia é do carreiro,

Mas o lamento é seu, carro de boi!...

E quando penso nas coisas lá da roça,

Meu pensamento voa assim, à-toa,

Relembro de você, carro de boi,

Gemendo, descendo a serra, que coisa boa!

E sinto dentro de mim uma emoção,

Uma saudade, assim como se diz.

Estou envelhecendo, carro de boi,

Mas se eu ouvir sua canção, serei feliz!

Seu canto me faz lembrar da cachoeira

Caindo lenta, formando um rio de prata,

Dos passarinhos cantando nos galhos verdes,

Do cricri dos grilos em serenata...

Hoje em dia, só me resta uma lembrança:

Da minha infância e das coisas lá da roça.

Vejo você abandonado no terreiro,

E eu te olhando no recanto da palhoça!...










 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Crônica: "Educação 3.0", de Erivelto Reis

Educação 3.0

Erivelto Reis

Os estados têm diminuído ano a ano a carga horária para disciplinas como Língua Portuguesa, Redação, Produção Textual ou qualquer outro nome que se dê ao processo de apropriação e desenvolvimento da escrita pelos estudantes na educação pública.

Eliminaram por decreto a nomenclatura Literatura do quadro de horários de suas escolas. Mitigaram até transformar o ensino de Literatura em um apêndice de outra disciplina do campo de linguagens, fragilizando e precarizando os professores formados e habilitados em Português/Literaturas, ao ponto de considerar-se para contratação e/ou concursos apenas Licenciatura em Português e, depois, os números aferidos no país em processos avaliativos como o ENEM confirmam a dificuldade da grande massa de estudantes oriundos da escola pública em escrever e interpretar textos.

Enquanto isso, as secretarias de educação aqui e ali publicam posts com casos esparsos de alunos e alunas que, apesar de todo o sistema que corrobora para a diluição e o esfacelamento do interesse dos alunos e alunas por uma articulação, mediação e diálogo em torno e a partir da literatura e dos estudos literários como ciência e arte em favor da educação, conseguiram uma boa nota no ENEM. Estes são a exceção e não a regra. Porque, apesar do grande potencial de nossos estudantes no ensino público, o sistema é feito para não permitir o acesso. Por tudo que sabemos: superlotação em sala, desvalorização do docente, condições socioeconômicas da comunidade escolar e de seu entorno que não favorecem aos alunos e suas famílias, décadas de políticas de governo equivocadas, ausência de acesso a outros serviços básicos que a escola não tem condições de suprir...

Isso tudo sem falar do processo de relativização da importância de outras disciplinas em outras áreas do saber e, por consequência, dos profissionais com licenciaturas e formação nessas áreas. E, a depender do que tem sido feito como política de valorização - na verdade, políticas de capitalização do processo de formação docente e discente - o cenário tende a piorar e se tornar ainda mais precário, sobretudo quando considerarmos os espaços de interação interpessoal, mediada por médias numéricas e frequências que permitiriam acesso aos valores monetários oferecidos por essa educação capitalizada.

Há mal estar docente, adoecimento, precarização e responsabilização social do professor em decorrência de políticas equivocadas, gerenciamento burocratizado e macro de redes de ensino em detrimento da transformação real da educação; o achatamento dos salários dos profissionais da educação e a virtualização da aplicabilidade dos conhecimentos e da formação dos docentes acentuam e sinalizam para um futuro não muito promissor em relação à educação como política de governo e como profissão em nosso país.

As grandes corporações, os conglomerados de investidores amam a possibilidade de capitalização per capta da educação no nível que se pretende e que se desenha. É mais um passo para tornar atrativa, rentável, segura, segmentada, controlada a privatização do ensino público. Ver para crer é diferente de pagar para ver. É o último passo antes de privatizar. Para apagar o apagão, apagarão a ideia de soberania e transformação através da educação, transformando-a numa sequência de negócios num balcão.

 

Poema: "Aldeia", de Erivelto Reis

 

Aldeia

Erivelto Reis

 

Passei por um lugarejo e perguntei ao acaso:

“Onde estão os velhos dessa aldeia? ”

Apontaram com descaso.

Os velhos estavam cerceados, encolhidos

Silenciados, acossados...

Em estado de sinusite.

Uma aldeia em que os velhos

Foram abandonados, empalhados

Ou colocados como estátuas de barro

Pneumonia e catarro

Não tem lugar pro futuro.

Somente folhinhas de calendário...

Passei por um vilarejo e perguntei ao acaso:

“Onde estão os velhos dessa aldeia? ”

Alguém apontou pra uma casa,

Alguém apontou pra uma praça,

Alguém apontou pra um asilo,

Apontaram também pra um cemitério...

Ninguém apontou pra si.

Ninguém vê o velho em si.

Talvez nem mesmo o velho.

Moravam na rua torta, numa palhoça,

No mausoléu, no botequim,

Numa igreja, num coreto.

Alguns enfeitavam cabeceiras,

Outros decoravam molduras,

Fiscalizavam guarda-chuvas,

Tentavam proteger os netos...

Recreativos, figurativos,

Não importava que tivessem construído aquele teto.

Erguer, sustentar e construir tem sentidos diferentes

Quando o agente é um velho...

Não era oficial, mas havia nesse local

A morte em vida sem sepultamento.

E só os velhos pensavam nisso com desalento.

Era tal como um código familiar,

Um paradigma comunitário de que a experiência devesse se calar.

Como é possível amar tanto um pet e não um velho dentro do seu próprio lar?

Existem velhos maus, alegaram em defesa da barbárie circunstancial...

Existem velhos sem razão!

Repetiam como um mantra habeascorpuslaboral.

Silenciosa atrocidade

É o princípio da ruína de uma sociedade

O descaso com que se tratam os velhos.

As migalhas que destinam aos velhos,

Como se após envelhecerem, todos, Gregors Samsas,

Miticamente se metamorfoseassem em pombos.

Kafikaescos, kafiquianos patéticos!

Atlas sustentando um mundo de escombros.

Fique longe dessa ideia

Fique longe dessa aldeia!

Ninguém pode corromper a Cronos.

Ninguém pode se esconder de Cronos.

 

 

 

 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Poema: "A pele de Bartolomeu", de Erivelto Reis

 A pele de Bartolomeu

Erivelto Reis

 Imolar é sacrificar para aplacar

A fé,

A palavra,

O tempo,

A intimidade,

A lealdade...

As emoções à flor da pele

Têm raízes em estalactites morais,

Sensoriais, emocionais...

Estalagmites de medos

E um segredo que morreu no céu da boca

Ou na boca de qualquer um...

Habitam cavernas.

O ser humano seria uma caverna revestida de pele?

Esfolar é tocar a pele para removê-la

(Lacerar, por ódio, indiferença ou labor).

Amar seria tocá-la para fazer parte dela?!

Mas se pode esfolar sem tocar?

Assim que descobriram o poder

Os homens começaram a

Odiar pela cor da pele

A categorizar pela epiderme

A repelir, a apelar para meios cruéis

A expelir rancores, a interpelar

A pelejar contra quem peleia

Pela pureza dos ideais do coração

E assim escreveram milhares de páginas

Dos livros de ficção e de histórias.

Escolheram uma pele

De matizes de nuvem

Para representarem Deus

E assim arrancaram a pele de Bartolomeu...

A pele que habito sangra,

Arrepia e ferve quando encosta na tua.

A memória é a pele do tempo,

A palavra é a pele do poema,

A dor é a pele do trauma...

Vou tatuar na pele essa frase:

“O amor é a pele da alma”,

Ou carpe diem, vai saber...
Mas talvez você não chegue a ver...

 

domingo, 5 de janeiro de 2025

Poema: "A dormição de Maria", de Erivelto Reis

A dormição de Maria

Erivelto Reis
Tenho assuntado sobre:
Cada mãe ao lado de um lençol improvisado,
Feito tapete e lona,
Sobre o escombro, ruína humana
Estirado no asfalto, ensanguentado
E sem vida...
Tem um pouco da resignação de maria.
Tem um pouco do pranto de maria...
E por que não teria?!
Se a virgem teve a dormição, a assunção como destino,
Comparada à mãe menina, a mãe solo, a mãe bravura
De um filho exterminado, massacrado...
Que teve a dor como missão,
Penso que as duas mereceriam redenção.
No altar destinado à maternidade,
Às vezes falta respeito,
Às vezes falta sororidade,
Às vezes falta humanidade.
Às vezes falta compaixão.

Poema: "O corpo incorrupto de Bernadete", de Erivelto Reis

O corpo incorrupto de Bernadete

Erivelto Reis

Escreveram no laudo da necropsia: Saudades,
Memórias,
Lembranças,
Nostalgia.
Num esquife de carne e osso
Repleto de dores
E coração batendo
(Ameaçando parar a qualquer momento...)
E um milagre a que chamaram
Sentimento.
Causa mortis:
Silêncio
Frustração
E desalento.
Exumados,
Examinados
Ou clinicados,
Nada nos redime!
Não há alma
Nem o lugar exato
Em que ela ficava.
No entanto, procuraram...
Viver não é preciso!
Sacralizar é preciso!
Acharam um compromisso
Anotado a lápis
Numa agenda de esquecimentos,
Um souvenir de uma viagem
Feita há muito tempo
E um marcador na página
Do livro que contava
A história das aparições
À jovem Bernadete.
Depois disso, nada mais.
Só se erguem catedrais
Em homenagem aos amores imortais.