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Poeta - escritor - cronista - produtor cultural. Professor de Português e Literaturas. Especialista em Estudos Literários pela FEUC. Especialista em Literaturas Portuguesa e Africanas pela Faculdade de Letras da UFRJ. Mestre e Doutor em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Nascido em Goiás, na cidade de Rio Verde. Casado. Pai de três filhos.

domingo, 10 de outubro de 2010

Homenagem ao Dia do Professor - Crônica: A Despedida da Velha Mestra - Erivelto Reis

A DESPEDIDA DA VELHA MESTRA
Erivelto Reis

Aquele seria o seu último dia de aula e a velha mestra preparava-se para deixar o colégio. Foram mais de trinta anos lecionando para os alunos da mesma escola. A fórmula era invariável: aos alunos da manhã alfabetizava, aos da tarde ensinava os meandros e pormenores da Gramática e da Língua Portuguesa e, à noite, ainda encontrava tempo para a educação de adultos.
Já havia recebido homenagens de seus colegas na sala dos professores; já havia visitado, sala por sala, aos alunos de sua tão amada escola. Recebeu um buquê de flores, uma placa e um certificado em sua homenagem. O próprio secretário de educação havia enviado um e-mail (vícios da modernidade), ressaltando a importância de sua abnegação e o seu empenho na condução de suas atribuições como educadora... Achou a mensagem politicamente correta demais. Mesmo assim, gentil como sempre fora e auxiliada pela secretária, respondeu ao e-mail, dizendo-se honrada pela deferência (também politicamente correta). Tanto melhor seria que, nesses trinta anos de profissão, aqueles incontáveis nomes que ocuparam cargos inerentes à Educação (mesmo que não se ocupassem dela, com raras exceções), houvessem por bem, ter investido na formação de nossas crianças, de nossos jovens e adultos. Poucos... Bem poucos foram aqueles que se posicionaram em favor daquele que constitui a alma de toda e qualquer escola: o professor.
Agora, a velha mestra esvaziava os seus armários, que continham poucas coisas de referência pessoal. Houve uma época em que seus armários eram abarrotados não apenas por provas, testes, planejamentos, diários e documentos de suas turmas e de sua escola, mas, e principalmente (uma sensação de orgulho invadiu-lhe o peito), de bilhetes, desenhos, poesias e declarações de carinho e apreço de seus alunos. Hoje, despedir-se de tudo isso, era impossível, o ritual de deixar a escola, realizar-se-ia apenas no plano material, pois espiritualmente, ela estaria sempre ali.
Por conta de sua profissão, não se casara, não tivera filhos (apenas gerações de filhos que adotara - alunos que passaram por suas mãos!), e o retorno a casa, seria vazio, não pela casa em si, mas pela falta da perspectiva do dia seguinte, da aula seguinte. Lembrou-se de quantas vezes indignou-se devido à competição injusta e desleal entre a educação que os professores podem oferecer e a que os meios de comunicação geralmente oferecem. “A televisão só ensina o que não presta”, costumava dizer... Hoje, a internet também cumpre o mesmo papel. Muitos foram os pais que atribuíram à TV e, exclusivamente, aos professores o papel de educar e ensinar valores aos seus filhos e nem sempre os resultados foram satisfatórios. Tudo isso a velha mestra pensava enquanto andava pelos corredores de sua escola.
De súbito, uma sala vazia a deteve de sua última caminhada e a fez, quase instintivamente, entrar e sentar-se à mesa do professor. Olhando as carteiras, colocadas como a esperar pelos alunos e pelo professor, lembrou-se de como se sentia bem quando chegava à escola a informação de que um ex-aluno havia conseguido uma boa colocação na vida, ou simplesmente, que estava lutando por uma melhor colocação, mas que estava feliz. O que não gostava mesmo era da expressão “ex-aluno”. Soava para ela como se fosse possível dizer “ex-filho”, “ex-mãe”... Também ficava triste ao saber que perdera um aluno para a violência, para a desumanidade que parece querer destruir o mundo, através das mais variadas artimanhas...
A velha mestra, que sempre soubera conquistar o silêncio e atenção de suas turmas com simpatia, mas com firmeza, agora daria tudo para ouvir de novo o burburinho e até mesmo a algazarra de seus alunos mais entusiasmados. Lembrava-se de toda a alegria que o magistério lhe proporcionara, sentia-se plena, realizada, completa.
Preocupava-se, sim, com o rumo que a Educação teria dali pra frente. Conhecia perfeitamente as dificuldades da profissão que abraçara e dignificara sem, no entanto, jamais ter se deixado abater. Sabia que o que leva um professor à sala de aula não é a falta de oportunidades profissionais, mas a sua alta qualificação. Mas com a falta de perspectiva, muitos certamente, abandonariam o giz e o quadro negro (hoje nem já tão comuns), e procurariam abraçar outras carreiras. E talvez esta incerteza a deixasse infeliz.
“Quem contará as pequenas histórias?”, perguntou certa vez um poeta. E, lembrando-se desse verso, a velha mestra chorou. Chorou e soluçou. Pelo outro dia que não chegaria a ser como os demais. Pela moldura de um sorriso que se ilumina ante a descoberta do conhecimento. Pelo passado e pelo futuro que se encontravam naquela sala vazia, naquele momento. Chorou porque sabia que a sua profissão sempre existiria, mesmo que a humanidade fosse morar em Marte. Chorou porque, no íntimo, ela sabia que havia cumprido bem a sua parte. Chorou por saber que só a Educação pode tornar real a soberania de um povo. E sabia que, apesar de cansada, se lhe fosse dada a chance, recomeçaria e faria tudo de novo.

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